Texto Conjuntural Países Amazônicos #6

Foto: Cúpula Unasul (EXAME, 2023)

UNASUL GANHA FÔLEGO COM NOVOS GOVERNOS REGIONAIS

Por Adrian Henrique Estevam

INTRODUÇÃO

A Unasul foi criada em 2008 por governos sul-americanos ideologicamente alinhados, visando uma melhor integração política, econômica e cultural entre os países membros, sendo eles Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela, pegando o fim da Onda Rosa – fenômeno político caracterizado por uma guinada à esquerda nos governos latinoamericanos (VERDÉLIO, 2023).

Tendo Argentina e Brasil, os dois países com as maiores economias e influência política da América do Sul, retomado suas participações na organização, os países que se mantiveram presentes, todos eles amazônicos, ganham maior relevância política e diplomática na região. Isto se dá especialmente após alguns anos de conflitos políticos decorrentes de incongruências políticas e ideológicas, em que o regime da Venezuela foi isolado pelos demais países, que neste contexto, eram governados por políticos de direita, os quais fundaram o Prosul como forma de oposição à Unasul. (O QUE… 2023)

CONTEXTO DA TOMADA DE DECISÃO

Analisando pelo trabalho de Hudson (2014), o qual aborda que a Análise de Política Externa (APE) se resume às tomadas de decisões que possuem efeito para entidades fora do país, é possível notar como se estrutura os processos de política externa e seus impactos. Como aponta a autora, tais decisões englobam ação, inação e até mesmo indecisão (com o objetivo de alcançar entidades externas na forma de influência ou até mesmo entidades internas que tenham ramificações externas). A autora também diz que não se examina apenas uma decisão, mas um conjunto delas e que, além disso, elas podem mudar com o tempo, após uma avaliação de uma sequência de decisões, como é o caso da Unasul, que devido a outros fatores, passou por um desmembramento nos últimos anos, e agora tem sido retomada.

Os processos organizacionais e a política burocrática estão relacionados à pesquisa a respeito da influência deles na tomada de decisão na política internacional. Questões como geográficas, culturais e ideológicas vão alterar o contexto social no qual o tomador de decisão atua. As características nacionais e societais também são importantes para guiar e moldar a escolha da tomada de decisão da política externa. 

Ademais, o processo cognitivo, a personalidade e orientação do líder, a dinâmica de grupos pequenos, o processo organizacional, as políticas burocráticas, a cultura e a identidade, a contestação da política doméstica, os atributos nacionais e os sistemas regionais e internacionais são alguns dos níveis de análise mobilizados pela autora no que se refere à Análise de Política Externa.

Analisando desta forma, é possível notar que o movimento de retomada da organização se dá dentro do contexto em que houve uma nova troca de governos nos países sul-americanos, desta vez, mais inclinados à esquerda, defendendo pautas semelhantes, apesar de esta vez os governos serem ideologicamente menos alinhados quando comparados ao contexto da Onda Rosa. É nítida a influência da personalidade dos novos líderes, suas ideologias e o fator geográfico nos contextos da fundação da Unasul, seu esvaziamento, seguido pela criação do Prosul, e a retomada da organização criada em 2008.

O novo fôlego para a Unasul pode, também, ser uma forma de contornar esta característica ideologicamente plural dos governos à esquerda, possibilitando um diálogo entre eles de forma mais próxima. A organização pode servir como um espaço de diálogo e formulação de políticas comuns entre os seus membros, promovendo uma melhor integração entre eles, sendo esta a sua ambição desde o princípio.

APOIO E LEGITIMIDADE DA UNASUL

Gustavo Petro ainda não se manifestou publicamente sobre recolocar a Colômbia no organismo regional. Entretanto, por suas características políticas e por seus posicionamentos como presidente desde o início de seu mandato, em 2022, como por exemplo, a defesa de inserir novamente a Venezuela no Sistema Interamericano de Direitos Humanos (QUESADA, 2022), demonstrando abertura para dialogar e reintegrar a Venezuela às dinâmicas regionais, não seria uma surpresa um movimento colombiano de volta à Unasul. O ex-presidente colombiano, Ernesto Samper, defendeu, em sua conta no Twitter, a criação de uma Corte Latino-americana de Direitos Humanos, afirmando que “será uma instituição que busca a garantia real dos DHs para nossos povos” (REVIVE… 2023)

Neste aspecto, olhando pelas abordagens de Putnam (1988), o nível II, nacional, precisa apoiar as decisões de seus países no nível I, internacional, em que muitas vezes se tem pressão para se exercer certos processos decisórios, enquanto às vezes a pressão se dá para que nenhum processo decisório seja tomado favoravelmente a algum tema. Isso é referente ao conjunto de vitórias que os governos possuem que os ajudam a fechar acordos internacionais, o que Putnam (1988) chama de “winset”.

Por esta perspectiva, a retomada da Unasul pode ser vista de formas divergentes internamente em cada país, variando de acordo com os interesses dos diversos atores e setores da sociedade de cada país membro. As bases apoiadoras de cada governo tendem a ser mais abertas à tal movimentação, visando o ganho de winset pelo governo, além dos setores econômicos que possuem perspectiva de ganhos financeiros com a reaproximação entre seus países. Entretanto, os governos tendem a sofrer resistência por parte da oposição política que eles enfrentam, especialmente em um contexto de alta polarização internacional, que como apontam Doval e Ordóñez (2023), alguns países estão para enfrentar novas eleições que podem alterar o rumo político nacional, além de terem que lidar com um congresso não muito alinhado às pautas governamentais dos líderes vigentes.

O NÍVEL DE INTEGRAÇÃO

Os funcionalistas desenvolveram a noção de uma integração feita a partir de acordos funcionais que gerariam uma cooperação entre os Estados, especialmente no âmbito técnico e econômico, em que esses acordos são feitos para resolverem conflitos e divergências entre Estados, através da criação das agências supranacionais, o que reduziria os problemas internacionais ao patamar ideal de zero e, assim, se atingiria a paz e a integração mundial. Para que isso seja possível, os funcionalistas acreditam que esses acordos funcionais precisam ser livres, fugindo da lógica estatal, pois é ela quem gera os conflitos e problemas que precisam ser resolvidos. Portanto, essas agências são independentes do Estado, já que são criadas para resolver tensões entre países, possuindo autonomia nas resoluções, e os Estados cedem um pouco de sua soberania para que as agências possam atuar em áreas específicas. As várias agências criadas atuam de forma independente, mas, caso necessário, elas podem se unir e se coordenar em conjunto para atingir seus objetivos. Para David Mitrany, uma vez que a cooperação tenha gerado ganhos para os Estados com o fim dos conflitos, se abre espaço para cooperação em outras áreas, sendo este processo intitulado por Mitrany de Doutrina da Ramificação (MITRANY, 1997).

Neste sentido, a Unasul seria apenas um passo inicial para haver uma integração regional entre os países amazônicos e os demais países sul-americanos, sendo necessário desenvolver mecanismos de cooperação ampla entre os diversos setores dos países, visando uma maior troca comercial entre eles. Em decorrência do fato de a Unasul ainda ser usada como um meio de diálogo político e diplomático entre os governos, ela fica refém das mudanças políticas de seus países membros, a tornando uma organização instável. Se torna estratégico para sua sobrevivência e perpetuação ela se ampliar como um espaço de promoção comercial e cooperação para o desenvolvimento entre seus membros, integrando as empresas, organismos, universidades e demais setores das sociedades locais.

CONCLUSÃO

O movimento, especialmente por parte do governo brasileiro, de retomar as articulações entre os países membros da Unasul se mostra importante em decorrência do esfriamento das relações entre os países da região nos últimos anos. Este movimento de reaproximação é vantajoso para as sociedades locais, entretanto, pela conjuntura política internacional vigente, além das questões políticas internas de cada país, esta nova aproximação precisa enfrentar barreiras que não existiam no contexto de criação da Unasul.

Para que a organização sobreviva a mais trocas de gestão por seus governos membros e perpetue nos anos subsequentes, é importante explorar opções alternativas à forma como ela é constituída e se organiza em termos de atividades e encontros. Agregar demais atores sociais e econômicos pode ser uma estratégia para tal, deixando de ser uma organização voltada para questões políticas e diplomáticas, o que poderia trazer maior aceitação por parte da população dos países membros.

REFERÊNCIAS

CARBAYO, Lucía. ¿Qué fue la Marea Rosa en América Latina?. LISA News. Disponível em: <https://www.lisanews.org/internacional/que-fue-la-marea-rosa-en-america-latina/>. Acesso em: 24 maio. 2023.

GABRIEL, João. Lula recoloca Brasil na Unasul, grupo do qual Bolsonaro decidiu sair. Folha de São Paulo. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/04/lula-recoloca-brasil-na-unasul-grupo-do-qual-bolsonaro-decidiu-sair.shtml>. Acesso em: 24 maio. 2023.

HUDSON, V. Foreign Policy Analysis: Classic and Contemporary Theory. 2. ed. [s.l.] Rowman & Littlefield, 2014. p. 3–35

MITRANY, David. “A working peace system”. In: NELSEN, Brent; STUBB, Alexander (ed.). The European Union. London: Lynne Rienner Publishers, 1994, p. 77-97.

NI ÉXITO NI FRACASO: LA IMPORTANCIA DE LA UNASUR. LA CAPITAL, 2023. Disponível em: Ni éxito ni fracaso: la importancia de la Unasur (lacapital.com.ar). Acesso em: 24 maio. 2023.

O QUE É A UNASUL E POR QUE BRASIL DECIDIU VOLTAR A INTEGRAR O BLOCO. BBC News Brasil. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/articles/cevn775q5z8o>. Acesso em: 24 maio. 2023.

PUTNAM, R. Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of the Two-Level Games. International Organization, v. 42, n. 3, p. 427–460, 1988. 

QUESADA, JUAN DIEGO. Petro lidera el regreso de Venezuela a los organismos regionales. El País América Colombia, 2023. Disponível em: <https://elpais.com/america-colombia/2022-11-01/petro-lidera-el-regreso-de-venezuela-a-los-organismos-regionales.html>. Acesso em: 24 maio. 2023.

REVIVE UNASUR. El Nuevo Siglo, 2023. Disponível em: <https://www.elnuevosiglo.com.co/articulos/03-24-2023-caleidoscopio>. Acesso em: 24 maio. 2023.

VERDÉLIO, Andreia. BRAZIL. Brazil to rejoin Union of South American Nations – UNASUR. Agência Brasil. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/en/justica/noticia/2023-04/brazil-formalizes-return-unasur>. Acesso em: 24 maio. 2023>.

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