Working Paper #1 Cone Sul: O aumento da fome no Cone Sul, apesar da Agenda 2030

Por Júlia Ávila Freire

Resumo: Em 2015, todos os países membros da Organização das Nações Unidas se comprometeram a acabar com a fome até 2030, objetivo 2 da Agenda 2030. Todavia, entre 2015 e 2022, a pandemia de Covid-19 e a mudança climática impactaram negativamente o cumprimento dessa meta na região do Cone Sul. Dessa forma, a Argentina, o Brasil, o Chile, o Paraguai e o Uruguai, se encontram no sentido contrário para reduzir a fome, assim, caso tais países desejem, de fato, cumprir com a meta até 2030, eles precisaram investir em políticas de reversão e minimizar os impactos da pandemia e do clima.

Abstract: in 2015, all United Nations member countries, agreed to end hunger by 2030, goal number 2 of Agenda 2030, which brings together the 17 Sustainable Development Goals (SDGs). However, between 2015 and 2022, the Covid-19 pandemic and Climate Change negatively impacted the achievement of this goal in the Southern Cone region. This means that Argentina, Brazil, Chile, Paraguay, and Uruguay, are in the opposite direction to reduce hunger, thus, if those countries indeed wish to achieve the goal by the agreed deadline, they need to invest in reversal policies and minimize the impacts of the Covid-19 pandemic and climate change.

Introdução

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), fome é um desconforto físico ou dor causada pelo consumo insuficiente de energia (FAO UN, 2022). Um segundo conceito é colocado pela organização para descrever a irregularidade no consumo de alimentos, para a FAO, uma pessoa está em situação de insegurança alimentar quando ela não tem acesso regular a uma alimentação suficiente para o desenvolvimento e uma vida ativa e saudável (FAO UN, 2022). A insegurança alimentar pode ser medida em três níveis: insegurança alimentar leve – incerteza na capacidade de obter comida para as próximas refeições -, insegurança alimentar média – diminuição da quantidade, qualidade e variedade dos alimentos – e insegurança alimentar grave -sem comida por um dia ou mais (FAO UN, 2022). Isso significa que, pessoas que estão em situação de insegurança alimentar grave, passam ou já passaram fome, assim, acabar com a fome significa acabar também com a insegurança alimentar.

Em 2015, os 193 integrantes da Organização das Nações Unidas (ONU) se comprometeram com a Agenda 2030, que reúne os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O segundo objetivo é “Fome Zero e Agricultura Sustentável”, nesse sentido, os signatários da Agenda se comprometeram com, até 2030, acabar com a fome e garantir o acesso de todos a alimentos seguros, nutritivos e suficientes durante todo o ano (tópico 2.1) (NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2022). 

Todavia, entre os anos de 2015 e 2022, algumas adversidades dificultaram uma possível melhora nos índices de fome nos países do Cone Sul (Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai). O quinto relatório da CEPAL sobre avanços e desafios regionais em relação à Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável na América Latina e no Caribe, “Uma década de ação para uma mudança de era”, apontou a mudança climática e a pandemia de Covid-19 como os principais responsáveis por essa dificuldade (CEPAL, 2022). 

Os países da América Latina, são especialmente sensíveis aos efeitos da mudança climática, assim, as consequências desse fenômeno impactam desigualmente o  desempenho dessa região para atingir os objetivos da Agenda 2030, comparado com os demais países (ECONOMIC COMMISSION FOR LATIN AMERICA AND THE CARIBBEAN, 2022). Da mesma forma, o continente latino americano sofreu mais com a pandemia de COVID-19, em termos econômicos e de fatalidade, devido menor resiliência da economia (entre outros motivos, por causa de menor diversificação dos setores) a distribuição desigual das vacinas e tecnologia, fatores que dificultaram ainda mais a redução da fome (CEPAL, 2022). 

Considerando os fatores apontados como dificuldades para a redução da fome no Cone Sul, na seção seguinte abordaremos os índices de insegurança alimentar da Argentina, do Brasil, do Chile, do Paraguai e do Uruguai, afim de identificar a fome nestes países.

Insegurança Alimentar no Cone Sul

Levando em consideração as dificuldades para atingir os objetivos, a CEPAL projetou que, o objetivo 2.1 da Agenda 2030 não será atingido na América Latina e no Caribe, caso não sejam aplicadas políticas de reverção a situação atual, visto que a região está caminhando no sentido contrário da Fome Zero (ECONOMIC COMMISSION FOR LATIN AMERICA AND THE CARIBBEAN, 2022).

Mais especificamente falando do Cone Sul, apenas o Chile (Gráfico 1) e o Uruguai (Gráfico 2) apresentaram estabilidade quanto ao número de pessoas que estão em situação moderada ou grave de insegurança alimentar, entre os anos de 2018 e 2021 (FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS, 2022). O Brasil (Gráfico 3), Argentina (Gráfico 4) e Paraguai (Gráfico 5) aumentaram significativamente os milhões de pessoas nessas condições (FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS, 2022). 

Gráfico 1- Number of moderately and severely food insecure people (million) (3-year average)

Fonte: FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS, 2022

Gráfico 2- Number of moderately and severely food insecure people (million) (3-year average)

Fonte: FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS, 2022

Gráfico 3- Number of moderately and severely food insecure people (million) (3-year average)

Fonte: FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS, 2022

Gráfico 4- Number of moderately and severely food insecure people (million) (3-year average)

Fonte: FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS, 2022

Gráfico 5- Number of moderately and severely food insecure people (million) (3-year average)

Fonte: FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS, 2022

A partir da análise desses gráficos, é possível notar que todos os países do Cone Sul apresentaram maiores níveis de insegurança alimentar em 2021 do que em 2015, quando iniciaram-se os esforços para alcançar a meta de Fome Zero da Agenda 2030. O Chile, apesar de ter mantido o índice de 3.3 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar entre os anos de 2018 e 2021, aumentou a fome de 1.9 milhões de pessoas para 2.9 milhões entre 2014 e 2017. Da mesma forma, o Uruguai apresentou estabilidade entre 2017 e 2021, com 0.8 milhões de pessoas com insegurança alimentar, mas, em 2014, os dados indicavam 0.7 milhões.

Por outro lado, o Brasil, a Argentina e o Paraguai não tiveram estabilidade no número de pessoas em insegurança alimentar. Em 2014, o maior país da América do Sul tinha em seu território 37,5 milhões de pessoas com fome, em 2021, esse número aumentou para 61,3 milhões. O caso argentino é ainda mais dramático, entre 2014 e 2021, a insegurança alimentar dobrou no país, que inicialmente apresentava 8.3 milhões de pessoas sem estabilidade alimentar, mas no último ano passou a ter 16.7 milhões. Praticamente o mesmo acontece com o Paraguai, que em 2014 tinha 0.6 milhões de pessoas nessa situação e, terminou 2021 com 1.8 milhões.

Assim, é notório que 2020 e 2021 foram anos marcados pela alta da insegurança alimentar no Cone Sul. Não coincidententemente, esses são os anos da pandemia de COVID-19, que foi apontada pela CEPAL como um dos principais desafios que a região enfrenta para atingir a meta de Fome Zero até 2030. Aqui, destaca-se que a América Latina e o Caribe foi a região que mais apresentou mortes por Covid-19 no mundo, conforme apresentado na Tabela 1.

Tabela 1- Mortes por COVID-19 reportadas a Organização Mundial da Saúde (OMS), por região, 31 de dezembro 2021

Fonte: ECONOMIC COMMISSION FOR LATIN AMERICA AND THE CARIBBEAN, 2022

Ademais, no ano de 2022 (também um ano da pandemia), todos os países, com exceção do Uruguai, apareceram no Mapa da Fome da FAO (Mapa 1).

Mapa 1- Mapa da Fome 2022

Fonte: FAO ORG, 2022

Assim, nota-se que durante o período de crise de COVID-19, os países do Cone Sul não conseguiram cumprir com a meta de acabar com a fome. Isto é, no período considerado, apenas 1 (Uruguai) apresentou estabilidade nos indíces alimentares, ao passo que  4 (Brasil, Argentina, Chile e Paraguai, sofreram retrocessos.  

Conclusão

Assim, o Cone Sul se mostrou longe de atingir o objetivo de Fome Zero até 2030, visto que a Argentina, o Brasil, o Chile, o Paraguai e aumentaram o seus respectivos índices de insegurança alimentar entre 2015 e 2021. Apesar de o Uruguai não ter apresentado retrocesso nos dados, também não obteve melhora nos indicíes de segurança alimentar. Nesse sentido, tais países precisam encontrar maneiras de reverter a situação, levando em conta os impactos da mudança climática e da COVID-19, buscando amenizar as consequências destas na região. Por isso, em conjunto a políticas essencialmente voltadas para a erradicação da fome, devem ser feitas também, por exemplo, políticas sociais para aumentar a distribuição e adesão das vacinas para COVID-19 na região.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ECONOMIC COMMISSION FOR LATIN AMERICA AND THE CARIBBEAN (ECLAC), A decade of action for a change of era (LC/FDS.5/3), Santiago, 2022.

FAO UN. Hunger and food insecurity. Disponível em: https://www.fao.org/hunger/en/. Acesso em: 2 nov. 2022.

FAO ORG. Fao Hunger Map. Disponível em: https://www.fao.org/fileadmin/templates/SOFI/2022/docs/map-pou-print.pdf. Acesso em: 7 nov. 2022

FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS. Argentina. Disponível em: https://www.fao.org/faostat/en/#country/9. Acesso em: 7 nov. 2022.

FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS. Brazil. Disponível em: https://www.fao.org/faostat/en/#country/21. Acesso em: 7 nov. 2022.

FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS. Paraguay. Disponível em: https://www.fao.org/faostat/en/#country/169. Acesso em: 7 nov. 2022.

FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS. Uruguay. Disponível em: https://www.fao.org/faostat/en/#country/234. Acesso em: 7 nov. 2022.

NAÇÕES UNIDAS BRASIL. Objetivo 2. Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/2. Acesso em: 3 nov. 2022.

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