Texto Conjuntural África Oriental #7

As eleições locais de 2023 em Moçambique

Por Norberto Guettlein Sampaio Dias Gerheim

1 Introdução

Em Moçambique, dois grandes partidos opostos prevalecem: a FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique), atualmente em poder, e a RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana). Os partidos possuem orientações políticas completamente antagônicas, o que realça suas disputas. No dia 11 de outubro de 2023 ocorreram as eleições locais, para determinar os prefeitos e conselheiros municipais. Entretanto, a disputa entre os dois partidos deu um pontapé inicial em mais uma instabilidade política no país, em que este cenário gera um ambiente menos atrativo para investimentos estrangeiros, o que acarreta a concentração destes em serviços essenciais, restringindo, assim, o desenvolvimento da economia moçambicana.

2 Desenvolvimento do tema

As instabilidades internas em Moçambique surgiram com sua independência de Portugal, em 25 de junho de 1975, em que os diversos povos ali existentes começaram a disputar por território, uma vez que a divisão portuguesa do país não considerou aspectos étnicos. Com a saída da gestão portuguesa, a FRELIMO passou a governar o país, em que se pautava em uma ideologia marxista-leninista (MOZAMBIQUE: ONE-PARTY…, 2008). Esta nova configuração governamental moçambicana não foi aceita integralmente por toda a sociedade, o que, entre outros fatores, contribuiu para a criação da RENAMO.

Após o novo partido criar forças, ele declarou guerra à FRELIMO em 30 de maio de 1977, o que marcou o início da Guerra Civil Moçambicana. Com o impasse gerado entre os combatentes, um acordo de paz foi assinado em 1992 e, dois anos mais tarde, Moçambique teve sua primeira eleição democrática e multipartidária, que teve a FRELIMO como vencedora. Desde então, os partidos se enfrentaram militarmente após as eleições gerais de 2014, com um tratado de paz assinado somente em 2019. Agora, em 2023, o país caminha para mais um clímax político, no contexto das eleições locais que ocorreram dia 11 de outubro.

Segundo a equipe do jornal France 24 no país, a FRELIMO estava mais fragilizada do que nunca (MOZAMBIQUE LOCAL ELECTIONS, 2023). Entretanto, os resultados das eleições demonstraram que, dos 65 colégios eleitorais, o partido ganhou em 64. Tal disparidade gerou dúvidas quanto à legitimidade das eleições, uma vez que a presença da RENAMO se dava nas principais cidades do país (Gould, 2023). Por conseguinte, diversos protestos patrocinados pela RENAMO se iniciaram e, em resposta, houve uma dura repressão por parte do governo. Segundo a Humans Right Watch, “pelo menos três pessoas foram baleadas, incluindo um menino de 10 anos de idade, quando voltava da escola” (MOZAMBIQUE: POLICE…, 2023). A instituição também pontua que a conduta, como um todo, da polícia moçambicana vai no sentido contrário das diretrizes humanitárias de órgãos da ONU.

O país também chamou atenção internacionalmente pela falta de credibilidade nas eleições, o que resultou, por exemplo, na publicação de uma nota da Embaixada dos Estados Unidos em Moçambique apelando por uma eleição mais justa (EMBAIXADA…, 2023). Assim, uma recontagem dos votos foi iniciada por parte de um consórcio de observadores da eleição.

3 Análise
3.1 Análise da situação internacional

Moçambique, atualmente, se demonstra como um país ainda mais instável para investimentos. Os principais investimentos que tenderão a se manter serão os de infraestrutura, uma vez que tendem a sofrer menos com variações, já que a população continuará consumindo alimentos, água, eletricidade etc. Em contrapartida, aqueles produtos que são considerados como não essenciais e podem ser afetados por uma economia duvidosa apresentarão as maiores variações.

Além disso, o país africano já vem de uma instabilidade internacional, com o escândalo de dívidas governamentais não divulgadas em 2013 e 2014. Trata-se de um acordo fechado com o banco Credit Suisse, entre outros bancos, no valor de 2 bilhões de dólares (Mucari; Ridley; Tobin, 2023). Tratava-se de um projeto de desenvolvimento de, principalmente, uma estação de pesca de atum, que seria financiada por meio de empréstimos e títulos da Credit Suisse, estes financiados por investidores internacionais (Gebregziabher; Sala, 2022).

Em 2016 quando o caso se tornou público com a falta do pagamento do empréstimo e desaparecimento dos fundos, o Fundo Monetário Internacional deixou retirou seu apoio financeiro ao país, uma vez que o empréstimo violava um programa do Fundo (Gebregziabher; Sala, 2022), o que causou colapso da moeda moçambicana, calotes e mais instabilidade (Mucari; Ridley; Tobin, 2023). Somente agora, em outubro de 2023, depois de praticamente uma década, o governo moçambicano e representantes do banco entraram em um acordo bilionário.

O país “é um dos principais beneficiários de investimentos diretos externos na África, em que sua maioria é baseada na extração e exportação de combustível fóssil e minérios” (Namaganda; Otsuki; Steel, 2023, p.2, tradução nossa[1]). Dessa forma, a aposta do governo moçambicano poderá ser o fomento dessa exploração em seu território, como uma forma de manter sua economia em movimento. Entretanto, esta aposta é momentânea. Desde o Acordo de Paris, os países e empresas vem tentando reduzir suas emissões de carbono. Um exemplo de como isto afetou Moçambique foi a saída da Vale do país em 2021 (Marshall, 2023, p.2). Desta forma, o país pode utilizar o mercado da mineração como forma de arrecadar recursos e criar, a médio/longo prazo, um terreno fértil para investimentos.

Portanto, a FRELIMO, para se manter no poder e não correr riscos, deve, prontamente, reestabelecer a ordem no país. Do contrário, pode ter sua habilidade de gestão colocada em xeque mais ainda, manchando a imagem tanto do partido quanto do país. Portanto, espera-se um movimento de desenvolvimento socioeconômico em Moçambique, motivado, principalmente, pela necessidade do partido de se manter no poder e estabilizar as opiniões públicas, que agora observam o partido perdendo credibilidade.


[1] “Mozambique is a top recipient of foreign direct investments in Africa, the majority of which are directed toward the extraction and export of fossil fuels and minerals.”

3.2 Análise da situação nacional

Primeiramente, para falarmos da situação nacional de Moçambique, será necessário pontuar, brevemente, um panorama de cada partido. A FRELIMO é considerada um partido de esquerda, pautado no marxismo-leninismo, como pontuado anteriormente. Ela foi criada em 1962 como forma de combate à colonização portuguesa e, após a independência do país em 1975, o partido assumiu o governo do país desde então. Por outro lado, a RENAMO é um partido de direita, com ideias anticomunistas. Ele foi criado a partir de dissidentes anticomunistas da FRELIMO com o apoio da Rodésia, um estado não reconhecido atualmente, que se originou a partir de Zimbábue. Este apoio rodesiano se deu em virtude do apoio da FRELIMO às forças armadas de Zimbábue, que oprimiam a Rodésia (Armon; Hendrickson; Vines, 1998).

Dito isso, em termos nacionais, a situação de Moçambique fica ainda mais delicada. Por mais que seja um país que viveu décadas de conflito armado entre os partidos, os moçambicanos podem ver uma insurgência ainda mais forte.

Vem crescendo o número de apoiadores da RENAMO a partir da crescente insatisfação com a administração de seu partido concorrente. Podemos fazer uma breve comparação com o movimento conservador no Brasil durante as eleições de 2018, em que houve um forte movimento antipetista. No caso do país africano, a história pode se prosseguir de forma semelhante. A tendência é que esta ala conservadora cresça cada vez mais e, no futuro, tome lugar na gestão do país. As consequências disso é a fragmentação do país e a polarização política. Dessa forma, a futura gestão da RENAMO, que será só questão de tempo, será uma incógnita, mas com um possível fortalecimento do setor privado (e estrangeiro) no país. Portanto, conseguimos imaginar que esta instabilidade se dará por um longo período de tempo, inclusive com uma perda de credibilidade tanto internamente quanto internacionalmente.

A saída política que a FRELIMO tem em mãos é, definitivamente, a reorganização do país. Sem esta movimentação, o partido pode ver uma de suas primeiras grandes quedas. Moçambique viu o socialismo perder forças para o neoliberalismo, o que faz surgir a seguinte pergunta: como um partido com raízes históricas comunistas, de inclusive banimento da propriedade privada (MOZAMBIQUE: ONE-PARTY…, 2008), vai conseguir gerir um país que agora se encontra inclinado para o outro lado da moeda? Essa fragmentação contribuiu para o fortalecimento da RENAMO, o que inclusive, é uma possível explicação para as eleições sem credibilidade por parte da FRELIMO, resultado em um problema ainda maior para este, pois fomentará ainda mais o crescimento da RENAMO.

As próximas movimentações partidárias têm um destino único: as eleições gerais de 2024. A opressão promovida pela FRELIMO só fará com que o movimento conservador da RENAMO se fortaleça, o que colocará em risco a permanência da própria FRELIMO no governo. Além disso, internacionalmente, o apoio à RENAMO vem crescendo. Um exemplo disso foi a reação internacional à violência policial nos protestos das eleições locais, como já exposto aqui. Instituições de peso, como a Embaixada dos Estados Unidos e a Humans Right Watch se posicionaram contra esta violência e a falta de credibilidade eleitoral. Assim, o apoio da FRELIMO passa a ser mais local e com menos projeção internacional.

4 Considerações Finais

Tendo em vista a análise posta anteriormente, Moçambique enfrenta mais um período conturbado de sua história, com consequências não só a curto prazo, mas também a longo prazo. No momento de escrita deste texto, a informação que temos é a de que a Comissão Nacional Eleitoral de Moçambique manteve o resultado das eleições, declarando, assim, a FRELIMO como grande ganhadora.

É incerto tentar apontar qualquer direção para onde o país passará a caminhar, tendo em vista que, apesar do histórico de instabilidade política do país, estamos falando de um período em que o principal partido de liderança governamental perderá espaço para o seu maior rival. O mundo passará a olhar com mais cautela para Moçambique, diante desta incerteza, o que será muito prejudicial para o país.

O Brasil, por sua vez, surge nesta história como uma espécie de aliado, principal ente pela proximidade linguística. A Comunidade dos Países da Língua Portuguesa (CPLP), neste sentido, possui grande importância. Os dois países já possuem um histórico de proximidade econômica. Mais de 3 bilhões de dólares já foram movimentados com investimentos brasileiros em Moçambique durante o período de 2007 a 2014 (Garcia; Pereira; Lopes, 2023). Além disso, o Brasil te torna um destino de viagens e até mesmo de moradia para diversos moçambicanos, que buscam melhores condições de vida. Assim, os países fecham diversos acordos de promoção à pesquisa, educação, bem-estar etc. Desta forma, é uma excelente oportunidade para os países de alinhar interesses com resultados mútuos, o que inclusive pode ser facilitado pela atual proximidade ideológica entre os dois governos.

Referências

ARMON, Jeremy; HENDRICKSON, Dylan; VINES, Alex (org.). The Mozambican Peace Process in Perspective. Conciliation Resources, [s. l.], n. 3, Accord: an international review of peace initiatives, p. 105, 1998.

EMBAIXADA DOS E.U.A. APELA A UMA RESOLUÇÃO JUSTA DAS IRREGULARIDADES NAS ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS DE 2023. [S. l.], 2023. Disponível em: https://mz.usembassy.gov/pt/u-s-embassy-urges-fair-resolution-to-irregularities-in-2023-municipal-elections-pt/. Acesso em: 19 nov. 2023.

GARCIA, Ana Saggioro; PEREIRA, Rodrigo Curty; LOPES, Maria Eduarda. Investimentos, financiamento e cooperação do Brasil em Angola e Moçambique: evolução dos dados e um balanço dos efeitos do acordo de cooperação e facilitação de investimentos. Repositório do Conhecimento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, [s. l.], p. 90, 2023.

GEBREGZIABHER, Fiseha; SALA, Albert. As “dívidas ocultas” de Moçambique: Transformar a crise numa oportunidade para reformas. [S. l.], 2022. Disponível em: https://blogs.worldbank.org/pt/africacan/dividas-ocultas-de-mocambique-transformar-crise-numa-oportunidade-para-reformas. Acesso em: 29 nov. 2023.

GOULD, Tom. 2 dead in Mozambique protests over local election results, watchdog says. Police say 70 arrested. [S. l.], 2023. Disponível em: https://apnews.com/article/mozambique-protests-elections-frelimo-renamo-df8adc444d6b36fa9b03cffcf6d772e1. Acesso em: 30 out. 2023.

MARSHALL, Judith. Vale in Mozambique: Creator and destroyer of jobs, livelihoods and communities. The Extractive Industries and Society, [s. l.], v. 13, 2023. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S2214790X22001617. Acesso em: 18 nov. 2023.

MOZAMBIQUE LOCAL ELECTIONS: RULING FRELIMO PARTY WEAKER THAN EVER. [S. l.], 2023. Disponível em: https://www.france24.com/en/video/20231013-mozambique-local-elections-ruling-frelimo-party-weaker-than-ever. Acesso em: 16 nov. 2023.

MOZAMBIQUE: ONE-PARTY RULE, SOCIALISM AND CIVIL WAR (1975-1986). [S. l.], 2008. Disponível em: https://archive.is/PnTZ. Acesso em: 17 nov. 2023.

MOZAMBIQUE: POLICE FIRE ON PROTESTERS. [S. l.], 2023. Disponível em: https://www.hrw.org/news/2023/10/28/mozambique-police-fire-protesters. Acesso em: 16 nov. 2023.

MUCARI, Manuel; RIDLEY, Kirstin; TOBIN, Sam. Explainer: Why has Mozambique sued Credit Suisse over the “tuna bonds”? Reuters, Maputo/Londres, 29 set. 2023. Finance. Disponível em: https://www.reuters.com/business/finance/why-has-mozambique-sued-credit-suisse-over-tuna-bonds-2023-09-29/. Acesso em: 29 nov. 2023.

NAMAGANDA, Emilinah; OTSUKI, Kei; STEEL, Griet. Understanding the cumulative socioenvironmental impacts of energy transition-induced extractivism in Mozambique: The role of mixed methods. Journal of Environmental Management, [s. l.], v. 338, 2023. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0301479723005996? Acesso em: 17 nov. 2023.

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