Texto Conjuntural África Austral #30

Colonialismo revisitado: exploração petrolífera na Namíbia e seus impactos ambientais emergentes

Kíria de Sá Ferraz Pereira

Introdução

Primeiramente, faz-se necessária a recapitulação sobre a história da exploração ocidental no continente africano. O neocolonialismo gerou impasses para o desenvolvimento concreto do continente pela tamanha exploração que os países ocidentais faziam sobre o território. O imperialismo, junto ao capitalismo, levou a uma supervalorização e ao poder nas “mãos” daqueles que eram considerados mais fortes: os países europeus. A partir da visão eurocêntrica, há uma desvalorização de Estados tidos como “inferiores”, um desprezo econômico e cultural, que cria ambientes propícios à exploração. Nessa lógica, a liberdade econômica somente seria possível àqueles que fossem o ocidente (Lopes, 2011).

Nesse contexto, países como a Namíbia, que possuía uma terra propícia à mineração, agricultura e pesca, foi levada a uma exploração de extração de seus recursos naturais, ação que por meio do imperialismo histórico foi naturalizada. Políticas estatais favorecem o capital internacional, sendo observadas tanto nos neocolonizados quanto nas neo metrópoles, ou seja, as políticas internacionais ou aquelas que o ocidente propaga no oriente levam a uma valorização dos capitais financeiros europeus e não dos países africanos (Wilson, 2023), como citado no texto:

“À vista daqueles sobre os quais é praticado, precisa ser apresentado como capaz de elevar os seus níveis de vida, mas o objetivo econômico do neocolonialismo é manter esses níveis reprimidos, no interesse das nações desenvolvidas. É somente quando essa contradição é entendida que o fracasso de inúmeros programas de “ajuda” (…) ( N’Krumah, 1967, p. 8 apud Lopes, 2011, p. 16). 

Além da exploração econômica, o ocidente usufrui exacerbadamente dos recursos naturais, como minérios, plantações e florestas, causando um déficit enorme no meio ambiente. Somando todos esses fatores, pode-se notar que há um reflexo no poderio econômico da África, e mais especificamente nessa temática, no poder da Namíbia sobre o petróleo e como essa exploração tem afetado diretamente no ecossistema.

Economia namibiana

A abordagem econômica da Namíbia é de extrema importância para o entendimento de sua relação com o setor petrolífero. O país conta com uma economia baseada no comércio do setor agrícola. E, apesar de empresas internacionais extraírem diamantes e urânio há décadas, a exploração petrolífera ainda é recente, não se tendo histórico. Contudo, uma característica importante é o saldo positivo na balança de transações, ou seja, o excesso de poupança de investimentos do país. Assim, caso haja a necessidade e o interesse de investimentos, o país tem financiamento disponível por meio de uma poupança interna. Esse fato colabora para políticas de apoio de setores chave, como novas estratégias de investimentos de manufaturas, transportes e minérios, como foi previsto na Política Industrial (2012) e no Quarto Plano Nacional de Desenvolvimento do país (Humavindu; Stage, 2013).

Esse projeto de desenvolvimento mineral trouxe o olhar da comunidade internacional para com a economia da Namíbia, como por exemplo o Brasil, que investiu cerca de 5 bilhões de dólares namibianos para a exploração. O país começou a ser considerado um grande ator na indústria do petróleo recentemente, por volta de 2015, quando foi descoberto por uma empresa do Reino Unido, a Shell, cerca de 11 milhões de barris de petróleo. Mostrando um interesse explícito na costa sul da Namíbia, a partir de 2021, subiu para 14 os poços de exploração no Oceano Atlântico. O próprio presidente-executivo da Shell comenta: “A Namíbia continua a ser uma oportunidade fantástica porque joga na força do nosso portfólio em águas profundas”. Além disso, países como a França, com a Total Energies, e o Uruguai, com a empresa Ancap, em adjunto com a Challenger Energy, se mostraram com interesses objetivos de uma exploração petrolífera, deixaram claro como o petróleo da África Austral tem ganhado um palco cada vez maior na exploração. Esse território tem ganhado cada vez mais potencial e se tornaria a oitava maior descoberta dentro da África (Namíbia […], 2023).

Novos dados do setor energético mundial apontaram um aumento significativo no valor da indústria de termos de petróleo e gás em 2022. Esse aumento na exploração de hidrocarbonetos ocorreu em diversos países, incluindo a Namíbia. E, apesar das incertezas na demanda por petróleo a longo prazo, as empresas ainda buscam uma aceleração comercial a fim de atender à demanda do abastecimento do mercado europeu (SARDC, 2011).

Questão ambiental

Observando por um viés econômico, quanto mais recursos energéticos e maior a adoção de fatores para desenvolver sua produção, mais chances há de enriquecer o país. Entretanto, a abundância ambiental não é infinita, e podemos notar as consequências dessa exploração exacerbada. De ondas de calor à morte de diversos animais, o petróleo é a segunda atividade que mais emite gases efeito estufa. Essa atividade vem sendo utilizada há décadas como meio de fonte de energia, deixando claro seus efeitos a longo prazo. A partir de estudos e análises críticas sobre esse recurso energético, chegou-se à conclusão de que as mudanças climáticas e o aquecimento global tornaram-se cada vez mais explícitos e perigosos para o bem estar do ser humano junto com o meio ambiente (Pamplona; & Cacciamali, 2018).

Vale apontar também que existe uma abundância mineral e agronômica na Namíbia e em grande parte dos países ditos “orientais” ou “subdesenvolvidos”, fazendo com que a Europa, que praticamente esgotou toda sua capacidade ambiental, busque intensivamente recursos energéticos nesses territórios, sem se preocupar com o meio ambiente e as consequências dessas explorações. Essa visão de recursos ambientais como setores econômicos foi uma pauta discutida por Adam Smith (Zongwe, 2021):

“Os projetos de mineração, ao invés de repor o capital neles empregado, juntamente com os lucros normais do capital, comumente absorvem tanto o capital como o lucro. Eis por que são esses os projetos aos quais um legislador prudente, que deseja aumentar o capital de sua nação, menos deveria escolher (…) (Smith, 1983, p. 54 apud Pamplona; & Cacciamali, 2018). 

Nota-se, então, uma visão da teoria das vantagens competitivas, em que a abundância natural seria conveniente para o crescimento econômico. Ao utilizar de recursos ambientais existia um entendimento de vantagem para um maior crescimento econômico, uma vez que, o ganho do comércio internacional levaria uma atração do capital externo. Entretanto, em uma visão leninista, por exemplo, essa exploração imperialista se dá por meio do modelo econômico vigente, o capitalismo, em que eles obtêm uma vantagem econômica derivada da exploração dos povos estrangeiros (Leite, 2014).

Dessa forma, Lênin aponta: 

“O capitalismo transformou-se num sistema universal de subjugação colonial e de estrangulamento financeiro da imensa maioria da população do planeta por um punhado de países ‘avançados’. O mundo é partilhado por “três potências rapaces, armadas até os dentes” (Lênin, [1917]/2011, p. 110). 

Então, essa movimentação das potências imperialistas visa somente o lucro, deixando claro que as derivações a longo prazo não seriam uma pauta importante a se discutir. 

Com isso, a nova exploração na Namíbia trouxe polêmicas, principalmente quando se debate as influências de uma energia não renovável na atualidade. Nesse sentido, a organização não governamental We Are South Africans afirma que as empresas que estão no comando desse tratamento do petróleo utilizam um método que usa de impulsos sonoros para identificar a presença dos hidrocarbonetos, afetando diretamente a vida marinha. Além da consequência na biodiversidade local, como baleias azuis, tartarugas marinhas e pinguins africanos, pode acarretar prejuízos na indústria pesqueira, já que o barulho do maquinário afastaria os peixes locais (Reid et al, 2011).

Apesar da reação dos danos ambientais, pouco era discutido sobre as legislações do país. Uma simulação de Modelos Computáveis de Equilíbrio Geral (CGE) para a Namíbia aponta que haverá uma perda anual para a economia namibiana, que pode afetar até cerca de 5% do PIB, graças ao impacto que as mudanças climáticas terão apenas em seus recursos naturais. Ademais, vale apontar que as emissões operacionais representaram 15% das emissões de carbono associadas a um barril de petróleo (Namíbia […], 2023).

O Mistério dos Recursos Energéticos da Namíbia, em sua participação da Energy Capital & Power (ECP), reforçou sua busca em garantir uma “exploração verde”, em que o impacto ambiental e econômico fosse mínimo, por meio de parcerias internacionais e um setor de hidrogênio verde (Ministro […], 2023). Segundo o criador do evento, Devi Paulsen-Abbott:

“Uma abordagem colaborativa para o desenvolvimento energético está preparada para reforçar a segurança energética na região da África Austral, atraindo novos investimentos e posicionando a África como um centro de inovação” (Ministro […], 2023).

Conclusão

Observa-se, portanto, como a Europa tem um papel significativo na exploração dos recursos naturais africanos e como a busca pelo petróleo namibiano é um interesse  de países que buscam ascensão econômica. Isso afetará tanto as comunidades locais quanto o ecossistema da região. A população mais pobre, que trabalha com pesca e agricultura, está mais sujeita aos desdobramentos que as mudanças climáticas propagam, sendo por maiores secas, seja pela morte de vidas marinhas. Consequentemente, as oportunidades de emprego e a diminuição dos salários poderá deslocar essa comunidade de trabalhadores para o desemprego e problemas financeiros, influenciando na maior propagação da pobreza do país e das desigualdades já existentes na Namíbia.

Por isso, torna-se válido avaliar os tratados e legislações que remetem a uma melhor equiparação das leis ambientais. Assim, com um maior foco ecológico e social, a exploração petrolífera não interferirá de uma maneira generalizada no ecossistema e na vida dos trabalhadores rurais.

REFERÊNCIAS

HUMAVINDU, M.N., STAGE, J. Key Sectors of the Namibian Economy. Economic Structures 2, 1(2013). Disponível em:  https://doi.org/10.1186/2193-2409-2-1. Acesso em: 14 nov. 2023.

LEITE, L. de M. Sobre as teorias do imperialismo contemporâneo: uma leitura crítica. Economia E Sociedade, 2014, 23(2), p. 507-534. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ecos/a/RPsTwxK7YcMN3XR3Dcq8Vyh/# Acesso em: 19 nov. 2023.

LÊNIN, Vladimir Ilitch. Imperialismo, fase superior do capitalismo. Campinas: UNICAMP, [1917]/ 2011. Acesso em:  https://www.marxists.org/portugues/lenin/1916/imperialismo/imperialismo.pdf. Acesso em: 19 nov. 2023.

LOPES, Ana Mónica Henrique. Neocolonialismo na África. Sankofa: Revista de História da África e de Estudos da Diáspora Africana, n. 8, dez. 2011. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/sankofa/article/view/88804/91687. Acesso em 10 nov. 2023.

MINISTRO de Energia e Minas da Namíbia Liderará a Colaboração na AOG 2023. Energy, Capital & Power, Cidade do Cabo, 14 ago. 2023. Disponível em: https://energycapitalpower.com/ministro-de-energia-e-minas-da-namibia-liderara-a-colaboracao-na-aog-2023/. Acesso em: 19 nov. 2023.

NAMÍBIA Liderou os Gastos Com a Exploração de Petróleo e Gás em 2022. PETROANGOLA, Luanda, 15 fev. 2023. Disponível em: https://www.petroangola.com/namibia-liderou-os-gastos-com-a-exploracao-de-petroleo-e-gas-em-2022/ Acesso em: 14 nov. 2023.

NOVA exploração de petróleo na África do Sul gera polêmica. Prensa Latina, Havana, 13 jan. 2022. Disponível em: https://www.prensalatina.com.br/2022/01/13/nova-exploracao-de-petroleo-na-africa-do-sul-gera-polemica/ Acesso em: 15 nov. 2023.

PAMPLONA, J. B., & CACCIAMALI, M. C. A maldição dos recursos naturais: atualizando, organizando e interpretando o debate. Economia E Sociedade, 27 (1), 2018, p. 129-159. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1982-3533.2017v27n1art5 Acesso em: 16 nov. 2023.

REID, Hannah; SAHLÉN, Linda; STAGE, Jesper; MACGREGOR, James. Climate change impacts on Namibia’s natural resources and economy. Climate Policy, 2008, 8:5, p. 452-466. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/14693062.2008.9685709?casa_token=-p_BR5_drU8AAAAA:3coJM697CiHJ6ey3cRD45S-qff3uXq3CcxH1TmQ6Eek87mls-w8FcDOGSDzEqTyRZ646xH-selzcb9Q Acesso em: 17 nov. 2023.

SOUTHERN AFRICAN RESEARCH AND DOCUMENTATION CENTRE (SARDC). Energy Policy Brief Number 8. SADC, 2011. Disponível em: https://www.sardc.net/editorial/sadctoday/documents/Energy_Policy_Brief_Number_8_Portuguese.pdf Acesso em: 13 nov. 2023.

WILSON, Tom. Could Namibia be the next oil frontier? Financial Times, Londres, 27 ago. 2023. Oil & Gas Industry. Disponível em: https://www.ft.com/content/6e34f11a-63a5-472a-9a17-ebb70e76f6e7 Acesso em: 11 nov. 2023.

ZONGWE, Leezola R. Analysing the legislation that regulate anti-illicit financial flows in Namibia’s Natural Resources Sector. 2021. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade da Cidade do Cabo (UCT), Cidade do Cabo, 2021. Disponível em: https://open.uct.ac.za/server/api/core/bitstreams/7e2a2e5f-c367-4fca-9471-1393663a5516/content. Acesso em: 18 nov. 2023.

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