Crescimento agrícola de Ruanda para evitar insegurança alimentar
17/12/2023
Por Marcela Gonçalves Batista
INTRODUÇÃO
Nos últimos 15 anos, o país Ruanda testemunhou um notável crescimento no seu setor agrícola, refletindo-se no substancial aumento do Produto Interno Bruto (PIB) do país, que saltou de 4.07 bilhões de dólares em 2007 para 13.31 bilhões de dólares em 2022. (TRADING ECONOMICS, 2023). Este êxito econômico desempenhou um papel crucial na redução da taxa de pobreza de 58,9% em 2000 para 38,2% em 2017 (NISR, 2023), evidenciando a significativa contribuição da agricultura para a melhoria das condições de vida.
No entanto, mesmo diante desse sólido progresso, uma sombra de desafios persiste. Mais de 20% da população ruandesa enfrenta insegurança alimentar, revelando uma lacuna preocupante entre o crescimento econômico e a distribuição equitativa dos benefícios (THE EAST AFRICAN, 2023). A escassez de alimentos, exacerbada pela dinâmica internacional, catapultou a inflação alimentar em Ruanda para o terceiro lugar mais alto globalmente (THE EAST AFRICAN, 2023), apontando para a urgência de abordar questões estruturais e globais que afetam a segurança alimentar.
Além disso, fenômenos climáticos adversos, como inundações e chuvas irregulares, aliados a métodos agrícolas deficientes, surgem como obstáculos cruciais para consolidar a agricultura como uma atividade econômica sustentável. Estes desafios, embora representem um contraponto às conquistas notáveis, sublinham a necessidade urgente de abordagens integradas e resilientes para assegurar um desenvolvimento agrícola duradouro em Ruanda.
INSEGURANÇA ALIMENTAR
O aumento significativo nos preços internacionais dos alimentos, evidenciado pelo Índice de Preços de Alimentos (IPA) da FAO, reflete uma crise emergente que impacta desproporcionalmente os países importadores líquidos de alimentos, com ênfase especial na África e Ásia. Entre 2020 e 2021, os alimentos tornaram-se 28% mais caros em termos reais, e o cenário não melhorou, com um adicional de 18% de aumento até agosto de 2022.
Essa escalada de preços não apenas representa um desafio econômico, mas também amplifica a insegurança alimentar, especialmente entre os estratos mais vulneráveis da sociedade, que dedicam uma parcela significativa de suas rendas à aquisição de alimentos. A observação dessa tendência de aumento nos preços dos alimentos revela uma situação preocupante, onde a escassez e a volatilidade dos mercados globais afetam diretamente a disponibilidade e acessibilidade dos alimentos essenciais, e torna-se mais aguda nos países da África, como Ruanda, que dependem substancialmente de importações para suprir suas demandas alimentares sendo particularmente afetados por essa dinâmica global.
Diante do aumento nos preços internacionais dos alimentos, a situação em Ruanda se torna ainda mais crucial, destacando a necessidade de estratégias eficazes para enfrentar a insegurança alimentar. O Quadro de Programação Nacional do Ruanda (CPF) 2019-2023 estabelece diretrizes cruciais para a colaboração entre a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e o Governo do Ruanda (GoR). O foco é direcionado para as lacunas identificadas nas áreas da agricultura, segurança alimentar e nutricional, pesca e silvicultura, com o intuito de abordar os desafios emergentes e impulsionar o desenvolvimento sustentável.
O CPF 2018-2023 delineia quatro áreas prioritárias, refletindo um compromisso firme com abordagens inovadoras. A promoção de sistemas de produção agrícola, pecuária e aquícola sustentáveis e integrados destaca a busca por práticas inovadoras para enfrentar os desafios globais e locais. A ênfase na segurança alimentar, nutrição e agricultura resiliente ao clima evidencia a necessidade de sistemas de produção sustentáveis e diversificados para enfrentar choques ambientais e climáticos.
Neste contexto, a conjuntura recente da pandemia de coronavírus destaca desafios internacionais adicionais no combate à insegurança alimentar. A FAO tem alertado para o risco iminente de uma “catástrofe alimentar” (GLOBAL NETWORK AGAINST FOOD CRISES, 2020), temendo uma repetição do cenário da crise econômica de 2008/2009. O aumento contínuo da dependência de importações, notadamente na África, evidencia a vulnerabilidade das nações diante das flutuações do mercado global até porque, de acordo com a FAO (2019), a insegurança alimentar que se seguiu à crise de 2008/2009 foi agravada pela elevada dependência de importações, especialmente de cereais.
O mesmo cenário se repetiu na pandemia da COVID-19, com os países mais vulneráveis enfrentando privações, especialmente os que dependem fortemente de importações alimentares. A recessão global provocada pela pandemia tende a perturbar as redes de fornecimento de alimentos, impactando principalmente aqueles que trabalham na agricultura informal e setores não-agrícolas (FSIN, 2020, p.4).
Ao analisar o caso específico de Ruanda, é evidente que a dependência crescente de importações alimentares coloca o país em uma posição delicada. A incerteza em relação às restrições às exportações em meio à atual crise económica reforça a preocupação da FAO, que enfatiza a importância de não restringir o comércio internacional para evitar impactos severos na insegurança alimentar (GLOBAL NETWORK AGAINST FOOD CRISES, 2020). Dessa forma, reforça a necessidade urgente de revisão das políticas de produção de alimentos, especialmente nos países periféricos. A alta dependência do mercado internacional representa um risco significativo para a segurança alimentar, não apenas em tempos de crises inesperadas, como a pandemia, mas também em períodos de desaceleração do crescimento econômico. A elevação nos preços dos alimentos em Ruanda, conforme monitoramento da FAO, destaca a vulnerabilidade desses países.
Os líderes africanos enfatizam a necessidade de soluções endógenas para a segurança alimentar. Em uma conferência virtual, o presidente do Ruanda, Paul Kagame, afirmou que a missão é nada menos que transformar a agricultura na África. Destacou a necessidade de fortalecer parcerias para acessar inovações eficazes visando produzir mais alimentos a preços acessíveis. Kagame enfatizou que o agronegócio pode ser uma via para a prosperidade das famílias africanas, sublinhando a importância de estratégias colaborativas e inovações para impulsionar a segurança alimentar no continente.
A soberania alimentar, como proposta pela Via Campesina e alinhada com as recomendações da FAO (2019), destaca a necessidade de valorizar a produção camponesa, promover a agricultura urbana e fortalecer os mercados locais. A pandemia oferece uma oportunidade única para reavaliar as fragilidades do sistema de produção alimentar atual e promover mudanças substanciais em direção a circuitos curtos de alimentos, que independem do mercado internacional, garantindo preços estáveis e maior acessibilidade, mesmo em tempos de crise.
CRESCIMENTO AGRÍCOLA EM RUANDA
O panorama agrícola de Ruanda, embora impactado pela densidade populacional e fragmentação das terras aráveis, revela um notável potencial inexplorado e oferece uma visão de oportunidades latentes. A elevada densidade populacional gera uma demanda crescente por alimentos, tornando imperativo maximizar a eficiência agrícola. A fragmentação das terras, embora inicialmente vista como uma limitação, apresenta um terreno fértil para a inovação, promovendo a diversificação de culturas e a implementação de práticas agrícolas sustentáveis, visando superar os desafios específicos e transformar as limitações em catalisadores para o crescimento sustentável.
Ao enfrentar a densidade populacional e a fragmentação das terras com uma abordagem estratégica e inovadora, Ruanda não apenas visa garantir a segurança alimentar, mas também busca posicionar-se como um líder na eficiência agrícola, inspirando outras nações a transformar desafios agrícolas em oportunidades de crescimento sustentável. Uma característica marcante é a preferência dos jovens por empregos urbanos em detrimento da agricultura, fenômeno observado também em outras partes da região. Contudo, este desafio proporciona uma oportunidade para explorar e desenvolver ainda mais o setor agrícola.
Um exemplo concreto desse potencial é o notável crescimento da população bovina, impulsionado pelo programa Girinka iniciado pelo governo em 2006. O aumento para cerca de 1,5 milhões de cabeças de gado até 2022 teve impactos significativos, não apenas no setor animal, mas também na melhoria dos meios de subsistência, nutrição e coesão social. A produção de leite, por exemplo, testemunhou um aumento impressionante, saltando de 142.511 toneladas métricas em 2005 para 999.976 toneladas métricas em 2022 (THE EAST AFRICAN, 2023), destacando o papel crucial da pecuária na diversificação e fortalecimento da agricultura.
Adicionalmente, a agricultura desempenha um papel vital na economia ruandesa, empregando mais de 70% da população do país, com 37% do valor das exportações provenientes do setor agrícola no ano fiscal de 2021-2022 (THE EAST AFRICAN, 2023), é evidente que a agricultura não apenas sustenta a população interna, mas também contribui significativamente para a balança comercial. O aumento exponencial do rendimento das exportações agrícolas, de 70 milhões de dólares antes de 1994 para 640 milhões de dólares em 2023 (THE EAST AFRICAN, 2023), é um indicativo claro do impacto positivo desse setor na economia nacional.
Destaca-se, ainda, a diversificação das culturas comerciais, indo além do café, chá e piretro. Produtos como macadâmia, flores, frutas, vegetais, cereais e grãos agora integram o rol de produtos comerciais, ampliando as fontes de renda e tornando o setor agrícola mais resiliente a flutuações do mercado internacional. A produção anual de chá, por exemplo, experimentou um crescimento substancial, passando de 11.000 toneladas métricas em 1994 para 38.361 toneladas métricas em um período de quase três décadas (THE EAST AFRICAN, 2023).
A visão de líderes como Solange Teta, comprometida com a promoção da agricultura entre os jovens, é fundamental para moldar a mentalidade da população mais jovem. Com a introdução de métodos modernos e capacitação através do Centro de Líderes Africanos na Agricultura (Cala), jovens ruandeses estão agora mais propensos a ver a agricultura como uma oportunidade promissora. O testemunho de Solange Teta, que expressa otimismo quanto à capacidade de Ruanda de atender suas necessidades alimentares envolvendo os jovens na agricultura moderna, ressalta a importância de lideranças capacitadas na transformação do setor agrícola do país. Este movimento em direção a métodos modernos e práticas agrícolas inovadoras é crucial para enfrentar desafios como a insegurança alimentar e consolidar o papel da agricultura como um pilar robusto da economia ruandesa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O enfrentamento dos desafios de segurança alimentar na África demanda uma abordagem holística, envolvendo líderes visionários no governo, setor privado e sociedade civil, capazes de promover colaboração, adaptabilidade e mudanças efetivas. A experiência de líderes como François Nsengiyumva, diretor-gerente da Kilimo General Business e ex-aluno do Centro de Líderes Africanos na Agricultura (Cala), destaca a importância de estar continuamente atualizado e preparado para liderar transformações e ressalta a influência crucial do Cala ao fornecer conhecimento e ferramentas que modernizaram suas práticas agrícolas, enfatizando a relevância do desenvolvimento de habilidades e da compreensão das práticas sustentáveis para impulsionar o setor.
A visão de Agnes Kalibata, presidente da Agra, amplia a discussão ao reconhecer o papel vital dos jovens líderes na agricultura. A conquista da segurança alimentar e do crescimento econômico na África, segundo Kalibata, depende da receptividade, adaptabilidade e colaboração desses líderes, bem como da incorporação de estratégias inovadoras para promover uma agricultura ambientalmente sustentável. Este reconhecimento destaca a importância de lideranças engajadas, não apenas na implementação de práticas agrícolas avançadas, mas também na promoção de estratégias que garantam a resiliência e a sustentabilidade a longo prazo.
Em síntese, o exemplo de Nsengiyumva e as palavras de Kalibata reforçam a necessidade contínua de investimentos em capacitação e formação para os líderes no setor agrícola, bem como a importância de uma abordagem unificada e colaborativa para superar os desafios persistentes de segurança alimentar. Ao alinhar esforços e integrar práticas modernas, estratégias sustentáveis e lideranças capacitadas, Ruanda e outras nações africanas estão posicionadas para transformar seus setores agrícolas, garantindo não apenas a segurança alimentar, mas também um crescimento econômico duradouro e sustentável.
REFERÊNCIAS
ADF. Pandemia Agrava a Insegurança Alimentar em África. Disponível em: https://adf-magazine.com/pt-pt/2021/05/pandemia-agrava-a-inseguranca-alimentar-em-africa/. Acesso em: 17 dez. 2023.
ALVES, Henrique Freitas. Reflexões por uma segurança alimentar pós-pandemia. Revista Ensaios de Geografia, Niterói, vol. 5, nº 10, p. 44-49, julho de 2020. Disponível em: https://periodicos.uff.br/ensaios_posgeo/article/view/42353/html. Acesso em: 17 dez. 2023.
FAO. Ruanda. Disponível em: https://www.fao.org/rwanda/en/. Acesso em: 9 dez. 2023
JORNAL UNESP. A maior crise alimentar do século 21: pode fazer as portas. Disponível em: https://jornal.unesp.br/2022/10/05/a-maior-crise-alimentar-do-seculo-21-pode-estar-as-portas/. Acesso em 09 dez. 2023
NISR. Statistical reports | National Institute of Statistics Rwanda. Disponível em: https://www.statistics.gov.rw/statistical-publications/subject/poverty-and-social-protection/reports?f%5B0%5D=field_pub_tags%3A508. Acesso em: 17 dez. 2023.
THE EAST AFRICA. Ruanda aumenta habilidades agrícolas para evitar insegurança alimentar. Disponível em: https://www.theeastafrican.co.ke/tea/business/rwanda-ratchets-up-farming-skills-to-avert-food-insecurity-4457606. Acesso em: 8 dez. 2023.
TRADING ECONOMICS. Ruanda – PIB | 1960-2022 Dados | 2023-2025 Previsão. Disponível em: https://pt.tradingeconomics.com/rwanda/gdp. Acesso em: 17 dez. 2023.
