Texto Conjuntural Países Amazônicos #12

Refúgio político e ondas migratórias Venezuelanas

01/02/2024

Por: Bernardo Nonato Leite e Fernando Cavalcante Braga

A ascensão de Nicolás Maduro ao poder é símbolo de um período de enorme turbulência na política venezuelana. O presidente anterior, Hugo Chávez, tinha Maduro como pupilo e afirmava que ele seria seu sucessor. Essa sucessão foi impedida, entretanto, após a morte abrupta do ex-presidente Chávez em 2013, logo após ganhar as eleições.

Uma vez que Chávez nunca tomou posse do cargo mesmo após sua vitória, iniciou-se um grande escândalo na máquina democrática do país, visto que Maduro e sua base eleitoral afirmavam que ele tinha o direito de assumir a presidência. A oposição se organizou, lançou seu próprio candidato, mas o resultado não surpreendeu: Maduro derrotou Henrique Capriles por 50,75% dos votos (Bastos, 2018).

A tensão entre a presidência de Maduro e a população Venezuelana data desde os primeiros dias após a eleição: desde sua posse manifestações populares foram respondidas de forma brutal pela guarda nacional. Um dos maiores confrontos ocorreu em abril de 2017, e resultou em dezenas de mortos e centenas de feridos, segundo a Human Rights Watch . Outros milhares de manifestantes e pedestres foram detidos e processados pelo governo, sem direito ao devido processo de lei.

A conclusão de um relatório feito em conjunto entre a Human Rights Watch e o Foro Penal é que os abusos e violações de direitos 

Não constituem casos isolados, nem resultam de excessos por parte de membros insubordinados das forças de segurança. Pelo contrário, o facto de estes abusos generalizados terem sido cometidos repetidamente por membros de diferentes forças de segurança e em vários locais em 13 estados e na capital (incluindo em ambientes controlados, como instalações militares e outras instituições estatais), durante o período de seis meses abrangidos por este relatório, apoia a conclusão de que os abusos fizeram parte de uma prática sistemática das forças de segurança venezuelanas. (Human Rights Watch, tradução própria)

O aumento na má qualidade de vida e questões de segurança e descontentamento político continuam sendo, desde então, sendo o principal causador do grande fluxo de migrantes do país. Segundo dados retirados da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), existem mais de 5.4 milhões de refugiados e migrantes da Venezuela ao redor do mundo. Esta é uma das maiores crises de deslocamento no mundo atualmente. 

A falta de medicamentos, remédios, serviços essenciais e produtos higiênicos, além da repressão política, fez com que houvesse um aumento de 8 mil por cento no número de venezuelanos buscando o reconhecimento de status de refúgio no mundo desde 2014. São mais de 800 mil solicitantes de refúgio da Venezuela (ACNUR, 2024).

Em 2020, mais de 25 milhões de migrantes Latino-americanos fizeram a transição para a região Norte Americana, sendo 5 milhões venezuelanos. Se comparado a quantidade de imigrantes que residiam no continente norte americano em 1990, podemos ver que houve um aumento em 200% nos últimos 30 anos, como mostrado no gráfico de “migrantes para, dentro e da América Latina e Caribe, 1990-2020” do World Migration Report 2022 (WMR, 2022).

A mais recente análise da RMNA, a Análise das Necessidades de Refugiados e Migrantes para 2023, mostra que a maioria dos 7,7 milhões de Venezuelanos espalhados pelo mundo sofrem condições precárias de vida. O relatório também diz que aproximadamente 19% das crianças migrantes não vão à escola, e precisam trabalhar nas ruas com empregos informais (RMNA, 2023). 

E não apenas no continente americano, mas também em outros países da América do Sul. Segundo a Plataforma R4V, são aproximadamente 6,5 milhões de refugiados em 17 países da América Latina e Caribe (R4V, 2023). O próprio Brasil é a casa de mais de 500 mil venezuelanos. 

Diante de fluxos migratórios tão expressivos, países vizinhos à Venezuela adotam posturas diferentes. O Brasil, paralelo à sua tradição diplomática e pacifista, reconhece imigrantes venezuelanos como refugiados após a decisão do Conare que afirma a existência de grave e generalizada violação de direitos humanos: 

A partir dessa decisão, o Brasil passa a aplicar o critério objetivo de reconhecimento da condição de refugiado para venezuelanos – baseado na grave e generalizada violação de direitos humanos (Ministério da Justiça e Segurança Pública).

 Anteriormente, migrantes vindos da Venezuela necessitavam de provar, fundamentalmente, que estavam sob perseguição direta para obter a condição de refugiados. Em contraste, venezuelanos ligados a grupos paramilitares e ao governo venezuelano não são passíveis desse benefício.

O Peru, por sua vez, adotou uma postura mais rígida em face aos migrantes. No passado, os venezuelanos poderiam solicitar um visto humanitário ao chegar no país andino. Recentemente, com a reabertura das fronteiras peruanas após a pandemia da COVID-19, essa medida foi revogada, como informado pelos médicos sem fronteiras em relatório de 2022 (MSF, 2024).

A Colômbia, enfim, país que abriga mais de 1.8 milhões de Venezuelanos (32% do total de migrantes venezuelanos na América Latina) de acordo com dados do Banco Mundial , também oferece medidas humanitárias e de proteção: em 2021, o então presidente Iván Duque anunciou um Estatuto de Proteção Temporária de dez anos para venezuelanos que já estavam na Colômbia, como relatado pela OpenDemocracy.

Um dos relatórios mais recentes sobre a situação de repressão na Venezuela vem do Foro Penal, uma ONG composta por advogados que oferecem serviços jurídicos para pessoas detidas, assim como um contingente de ativistas e voluntários que promovem os ideais da organização. Em um relatório de outubro de 2023, afirma-se que 15 pessoas foram detidas como prisioneiros políticos desde janeiro a outubro de 2023. No total, já são 271 pessoas catalogadas dessa forma. Ainda nesse relatório, comentam a reunião entre funcionários do comitê de direitos humanos da Organização das Nações Unidas e representantes do governo Venezuelano. Segundo o Foro Penal, a maior preocupação do comitê referido está nos casos de desaparecimento e execução extrajudicial com o envolvimento do Estado (Romero, Santomé, 2024).

REFERÊNCIAS

Romero, A; Santomé, G. FORO PENAL. Reporte sobre la opresión en Venezuela. Out. 2023. Disponível em: https://foropenal.com/reporte-sobre-la-represion-en-venezuela-octubre-2023/ Acesso em: 23 jan. 2024

 BASTOS, Julia Pedroni Batista; OBREGÓN, Marcelo Fernando Quiroga. Venezuela em crise: o que mudou com Maduro? Derecho y Cambio Social, [S.L], p. 1-16, 01 abr. 2018. Disponível em: https://www.derechoycambiosocial.com/revista052/VENEZUELA_EM_CRISE.pdf. Acesso em: 23 jan. 2024.

HUMAN RIGHTS WATCH (Venezuela). Human Rights Watch. Arremetida contra opositores: brutalidad, tortura y persecución política en venezuela. Human Rights Watch. [S.L], p. 1-1. 29 nov. 2017. Disponível em: https://www.hrw.org/es/report/2017/11/29/arremetida-contra-opositores/brutalidad-tortura-y-persecucion-politica-en. Acesso em: 23 jan. 2024.

 ACNUR Brasil. Venezuela. 2024. Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/venezuela/ 

Acesso em: 23 jan. 2024.

McAuliffe, M. and A. Triandafyllidou (eds.), 2021. World Migration Report 2022. International Organization for Migration (IOM), Geneva. Disponível em:  https://brazil.iom.int/sites/g/files/tmzbdl1496/files/WMR-2022-EN.pdf Acesso em: 23 jan. 2024.

ACNUR Brasil. Mais de quatro milhões de refugiados e migrantes da venezuela lutam para acessar necessidades basicas nas americas. 12 set. 2023. Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/2023/09/12/mais-de-quatro-milhoes-de-refugiados-e-migrantes-da-venezuela-lutam-para-acessar-necessidades-basicas-nas-americas/ Acesso em 23 jan. 2024.

R4V Brazil. Análise conjunta das necessidades (jna) dos refugiados e migrantes venezuelanos no Brasil – 2023. 20 nov. 2023. Disponível em: https://www.r4v.info/pt/brazil Acesso em: 23 jan. 2024

BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Governo Federal. Especificidades – Haiti e Venezuela. [20–]. Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes/refugio/especificidade-haiti-e-venezuela#:~:text=Nacionais%20venezuelanos%20estão%20dispensados%20de,com%20cédula%20de%20identidade%20civil.. Acesso em: 23 jan. 2024.

MSF. Migrantes venezuelanos no Peru: uma luta pela sobrevivência. 18 Mar. 2024. Disponível em: https://www.msf.org.br/noticias/migrantes-venezuelanos-no-peru-uma-luta-pela-sobrevivencia/#:~:text=O%20Peru%20fechou%20oficialmente%20suas,se%20registrar%20para%20serviços%20essenciais. Acesso em: 23 jan. 2024

The World Bank Data. Supporting Colombian host communities during the covid 19 pandemic. 31 Out. 2024. Disponível em: https://www.worldbank.org/en/results/2021/10/31/supporting-colombian-host-communities-and-venezuelan-migrants-during-the-covid-19-pandemic Acesso em: 23 Jan. 2024

Ellis, C. Open Democracy. Fome e desespero na Venezuela: maiores crises de deslocamento do mundo. 4 Mar. 2024. Disponível em:  https://www.opendemocracy.net/pt/fome-desespero-venezuela-maiores-crises-deslocamento-mundo/ Acesso em: 24 jan. 2024

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