Rotas da África Ocidental: Os Trâmites da Migração Africana para o Continente Europeu
Luiz Eduardo Leite Carmo
Nos princípios da organização social humana, o nomadismo tomava conta das populações e a estabilidade em um local geofísico nunca era alcançada, devido a necessidade e busca pela sobrevivência e aos recursos escassos caso houvesse a permanência em um mesmo local durante muito tempo. Com a invenção da agricultura e modernização das técnicas pecuárias e propriamente agrícolas, a humanidade encontrou o modo de vida sedentário, caracterizado pela existência de grandes metrópoles, maior convívio social e, na contemporaneidade, busca cada vez mais por uma vida mais digna e livre de sofrimentos.
Apesar da atualidade e da organização em Estados Modernos permitir e promover direitos humanos e melhores qualidades de vida àqueles que se encontram em algum destes Estados, é inegável que certas unidades políticas estão em enorme desvantagem em relação a outras em diversos quesitos intrínsecos ao bem-estar humano, como acesso a saúde, índice de desenvolvimento humano, expectativa de vida, oportunidades de trabalho digno, dentre múltiplas outras. Com isso, é possível concluir o desejo que alguns indivíduos possuem em migrar, sempre justificando este difícil ato com a esperança de uma vida mais justa e digna.
A partir desse pressuposto, é nítida a vontade – e muitas vezes necessidade – de africanos em migrarem na busca dessas tão esperadas melhores condições de vida e oportunidades de trabalho e educação. Como destino de muitos são os Estados Europeus, os quais possuem índices de qualidade de vida e oportunidades superiores àqueles estabelecidos e ofertados pelos Estados Africanos. Isto, é claro, se dá devido aos diversos processos de colonização europeia, incidentes no Continente Africano, além das devastação e deturpação histórica desses povos e governos, os quais, em muitos casos, houve e ainda há a presença do autoritarismo, militarismo e antidemocracia, também pela instauração de uma democracia muito jovem em seus territórios. Isso é notável já que, somente desde 2020, houveram oito golpes militares no continente africano, sendo ao menos cinco desses na sub-região da África Ocidental.
Assim, são claras as motivações dos migrantes africanos pela busca de oportunidades que nunca lhes foram garantidas, ao outro lado do Mar Mediterrâneo. Muitos embarcam em longas e perigosas jornadas à Europa, deixam tudo para trás e arriscam suas próprias vidas em busca dessas oportunidades, de dignidade humana e de seus supostos direitos à vida e de asilo.
Entretanto, a partir do momento em que existem migrações ou buscas de refúgio por africanos no Continente Europeu, estabelecem-se diversos outros fatores, complicações, atores e garantias ou violações de direitos. Ainda por cima, pelo fato destas migrações serem majoritariamente irregulares e ilegais, os países com maior presença de migrantes irregulares para a Europa estão localizados na África Central e na África Ocidental. Ou seja, aqueles Estados fronteiriços ao Mar Mediterrâneo, cujo quais muitas vezes as embarcações com migrantes partem a alto mar (Argélia, Líbia, Tunísia), não são propriamente aqueles que seus cidadãos mais emigram a países como Itália, Espanha e França.
Diante da realidade encontrada, são existentes algumas rotas de migração que partem do Norte da África ou até da Costa Atlântica em busca de terras europeias. Essas rotas iniciam-se muitas vezes antes mesmo do contato marítimo, havendo excursões que levam africanos do centro do continente até os pontos das rotas marítimas, em que estes finalmente embarcam, muitas vezes em barcos infláveis e pequenos barcos pesqueiros. As migrações ocorrem quase sempre irregularmente e, claramente de forma insegura, gerando consequências como a inundação ou afogamento de diversos desses barcos, o que aumenta exponencialmente o número de óbitos e de desaparecidos.
Dentre as principais rotas marítimas, destacam-se três: a Central Mediterrânea, a Mediterrânea a Leste e a Mediterrânea a Oeste. Cada uma dessas rotas apresenta suas particularidades, trâmites e desafios, o que torna comparações entre elas muito difíceis, visto que algumas variáveis são exclusivas de alguma rota em particular.
Começando pela Rota Central Mediterrânea, ela busca a Itália e suas ilhas partindo do Norte da África, geralmente da Tunísia ou da Líbia, com exceções vindas da Argélia ou do Egito. Como anteriormente pontuado, os migrantes são das mais variadas nacionalidades e muitos deles são de fato recebidos por entidades italianas. Entretanto, esta não é a situação mais comum, visto a maioridade de desaparecimentos e mortes das embarcações e dos migrantes, ou também de interseções feitas por autoridades europeias ou norte africanas, principalmente tunísias ou líbias (BLACK, 2021).
Estas interseções são pontuadas como search and rescue missions, ou seja, missões de procura e resgate, realizadas pelas próprias autoridades governamentais, quase sempre de países banhados pelo Mar Mediterrâneo, visto que as rotas migratórias concentram-se em seu entorno. Por seu nome autoexplicativo, essas missões vão em busca de embarcações africanas irregulares, para procurar embarcações desaparecidas ou resgatar migrantes das possibilidades do alto mar (BLACK, 2021).
A Rota Central Mediterrânea é considerada a rota migratória mais mortal do mundo, contando mais de 17.000 mortos ou desaparecidos desde 2014. Devido a esse perigo e a continuidade de migrantes irregulares, Organizações Não Governamentais (ONGs) também são operadoras de resgates e apoio a esses migrantes, visto que as embarcações não são consideradas seguras e geralmente partem superlotadas. É importante ressaltar que essas operações não têm como objetivo ajudar os migrantes em sua missão de chegar às terras europeias, mas de levá-los novamente a um local seguro no Continente Africano, com prioridade para sua volta ao país de origem (BLACK, 2021).
Por sua vez, a Rota Mediterrânea a Leste, geralmente possui como destino a Grécia e suas ilhas por meio de uma passagem pela Turquia. Entretanto, migrantes irregulares que optam por essa rota têm tido cada vez mais dificuldades devido a um tratado firmado entre a União Europeia e a Turquia de limitar os migrantes que vão da Turquia às ilhas gregas. É importante citar que a Grécia compõe a União Europeia e que os migrantes que utilizam dessa rota geralmente vem do Oriente Médio e do sul asiático, de países como Síria, Iraque e Afeganistão, ou seja, tais migrantes não são ou partem de países africanos (BLACK, 2021).
Assim sendo, destaca-se também a Rota Mediterrânea à Oeste, que é enfocada partindo do norte da África à Espanha e suas ilhas. Entretanto, a região da África Ocidental possui suas peculiaridades, tornando esta rota em realidade, em uma diversidade de rotas, incluindo viagens que partem do Marrocos e da costa algeriana, pelo estreito de Gibraltar, Mar de Alborão e até como rotas terrestres por Melilla e Ceuta, duas cidades autônomas espanholas que se localizam ao norte da África, banhadas pelo Mar Mediterrâneo (BLACK, 2021).
Apesar de sua proximidade com o continente europeu, as rotas ocidentais mediterrâneas e a chegada à Espanha ou outros países europeus têm sido extremamente difíceis, visto já as dificuldades encontradas em alto mar, sendo contabilizadas 2.200 mortes desde 2014; a pouca qualidade das embarcações; as operações de procura e resgate; e as barreiras estabelecidas pela Espanha e outros países europeus. Também é interessante citar a dificuldade das rotas por Ceuta e Melilla devido a violência, doenças e falta de acesso ao sistema de saúde local (BLACK, 2021).

A rota, ou melhor, rotas da África Ocidental não eram muito utilizadas, como apresentado em dados da Organização Internacional para Migrações (OIM), de 2000 a 2016, sendo mais de 7.000 pessoas as quais haviam cruzado continentes por essas rotas. Enfrentando, no ano de 2017 foram registradas 21.546 pessoas que conseguiram chegar à costa espanhola por meio dessa(s) rota(s), sem contar a quantidade de mortos ou desaparecidos. Em 2018, mais de 50.000 pessoas chegaram ao Continente Europeu por essas rotas, com mais de 180.000 africanos tentando cruzar o Mar Mediterrâneo na busca de melhores oportunidades e qualidade de vida. Nos anos seguintes, as estatísticas reduziram, devido principalmente a uma grande atenção da União Europeia à questão das migrações irregulares (BLACK, 2021).
Além das rotas mediterrâneas, a sub-região da África Ocidental se diferencia por seu contato com o Oceano Atlântico, de onde surgem outras rotas que buscam ilhas europeias, como as Ilhas Canárias ou o próprio Continente Europeu. Essas rotas são extremamente perigosas e já causaram mortes e desaparecimento de milhares de africanos. Além disso, dificultam operações de procura e resgate realizados por entidades estatais e ONGs, devido a imprevisibilidade do Oceano e dos barcos que se lançam contra ele (BLACK, 2021).
Os barcos que buscam as Ilhas Canárias ou outras regiões pelo Oceano Atlântico geralmente partem do Marrocos ou da Mauritânia, com migrantes que ficam dias ou até semanas sem os suprimentos necessários para sobrevivência. A ONG espanhola Associación Pro Derechos Humanos de Adalucia (2007) afirmou que em 2006, quando mais de 30.000 pessoas chegaram à Espanha por meio dessa rota, um em três barcos desapareceram durante o trajeto às Canárias (BLACK, 2021).
Assim como em 2016, houve um pico de migrações irregulares africanas em 2006 e os anos que os seguiram. Após alguns anos tais migrações diminuíram devido a acordos tratados entre a Espanha ou a União Europeia e países africanos cujo a maioria dos migrantes era nativo, dentre eles: Gâmbia (2006), Guiné (2007), Cabo Verde (2008), Mali (2008) e Níger (2009), além de um memorando com o Senegal em 2006 e a fundação do Centro de Informação e Gestão de Migração no Mali (BLACK, 2021).
Em um contexto mais atual, mortes continuam sendo registradas próximas às costas de Marrocos, Senegal, Mauritânia e muitos outros países. Dessa forma, assim como sempre foi, a contabilização de pessoas desaparecidas ou mortas que embarcam na aventura da migração irregular ao Continente Europeu continua muito difícil e incerta. Além disso, o Mixed Migration Centre (MMC) reportou que a pandemia de COVID-19 não foi um minimizador das migrações, mas sim uma ameaça, colocando em pauta mais motivos socioeconômicos para a migração irregular (BLACK, 2021).
Através de tantos processos irregulares migratórios do Continente Africano para o Continente Europeu e de tantas mortes e desaparecimentos presentes, chega-se a algumas conclusões. Primeiramente, a União Europeia e os países africanos, ou mesmo a própria União Africana, não possuem políticas que unifiquem os processos de segurança do migrante e sua gerência; há a deturpação da dignidade humana e direitos humanos além de um paradoxo nas operações de procura e resgate, que querem ajudar e proteger os migrantes, mas muitas vezes acabam os levando a situações de vulnerabilidade social que previamente se encontravam.
Outrossim, existe pouca pesquisa científica e atividades que promovam a redução da imigração ilegal e irregular, além das situações de vulnerabilidade constantemente experenciadas no Continente Africano, pelos cidadãos das mais diversas nacionalidades. Ademais, existe uma imensa dificuldade na instauração de mecanismos que melhorem a qualidade de vida e índices sociais em África, tendo em vista é claro as consequências permanentes de processos de colonização e exploração. Não há humanos que deveriam arriscar sua vida para fugir de uma situação de instabilidade, violência, insegurança ou simplesmente em busca de uma vida mais digna. Isso nos provoca o questionamento a respeito da condição de imigrante ou de refugiado àqueles que buscam por direitos humanos.
Referências Bibliográficas:
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Black, J., 2021. Maritime Migration to Europe: Focus on the Overseas Route to the Canary Islands. IOM. Geneva
BRASIL DE FATO. Africanos que tentam chegar à Europa pela Tunísia são mandados de volta para o deserto. Brasil de Fato, 28 set. 2023. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2023/09/28/africanos-que-tentam-chegar-a-europa-pela-tunisia-sao-mandados-de-volta-para-o-deserto. Acesso em: 30 set. 2023.
DW. Deportações: o papel africano na gestão migratória da Europa. DW, 28 set. 2023. Disponível em: https://www.dw.com/pt-002/deporta%C3%A7%C3%B5es-o-papel-africano-na-gest%C3%A3o-migrat%C3%B3ria-da-europa/a-65621436. Acesso em: 30 set. 2023.
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Kohnert, Dirk, African Migration to Europe: Obscured Responsibilities and Common Misconceptions (May 2007). GIGA Working Paper No. 49, Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=989960
O JACARÉ. No Diva em Paris, a imigração africana assombra a Europa. O Jacaré, 23 set. 2023. Disponível em: https://ojacare.com.br/2023/09/23/no-diva-em-paris-a-imigracao-africana-assombra-a-europa/#google_vignette. Acesso em: 30 set. 2023.
