Texto Conjuntural África Austral #36

Corredor do Lobito: possibilidade de desenvolvimento regional ou novo palco de disputa entre grandes potências?

Por Thainá Carmo

Introdução

O Corredor do Lobito que engloba o antigo caminho de ferro de Benguela, desde o início do século XX, é importante para a África Austral por permitir o transporte de inúmeros recursos naturais que são exportados da região para o resto do globo. Todavia, a destruição de parte de suas estruturas na guerra civil angolana, dificultou a continuidade do uso do corredor para esse fim. Dessa forma, o governo tem investido inúmeros recursos na reconstrução do corredor, principalmente pelas receitas advindas da produção de petróleo, mas cerca de 20% do investimento é de origem estrangeira, sendo a China uma das principais financiadoras.

Entretanto, em outubro de 2023, os Estados Unidos e a Comissão Europeia assinaram um acordo de colaboração na expansão e exploração do corredor em uma possível tentativa de reduzir a influência chinesa na região. Juntos, pretendem investir mais de um bilhão de dólares na região, garantindo o comércio, por exemplo, do cobalto, além de outros minérios que atualmente são vendidos para a China (Comissão Europeia, 2023; Gersinho, 2024). Esse relacionamento dúbio tem levantado questões quanto ao descarte do apoio chinês na extensão do corredor, pois não haveria garantias reais do investimento anunciado pelos americanos e europeus, enquanto a China tem atuado diretamente no processo desde o início da reconstrução. Todavia, há ainda uma preocupação maior quanto ao considerável aumento da dívida angolana com a China, que já chega a cerca de vinte e três mil milhões de dólares (Marcos, 2024).

Dessa maneira, é importante questionar as possíveis motivações do investimento europeu e americano na construção do corredor, verificando se há real possibilidade de desenvolvimento regional dos países que abrigam o Corredor do Lobito ou se esse investimento seria apenas um novo palco de disputa entre as grandes potências pela hegemonia na África Austral, bem como pelo controle dos recursos ali disponíveis. É interessante, portanto, questionar o atual embate gerado pelos investimentos na disputa entre o ocidente e o oriente, em um período de multipolaridade sistêmica e como a disputa pelas matérias-primas e recursos podem influenciar positiva ou negativamente o desenvolvimento da região.

Do Caminho de Ferro de Benguela ao Corredor do Lobito: a construção e desenvolvimento de uma estrutura de transportes multimodal

O “Caminho de Ferro de Benguela” (CFB) teve sua construção iniciada no princípio do século XX (1902) sendo terminado em 1929, tendo naquela época o objetivo de facilitar o transporte de cobre para a Europa, levando este minério até os portos angolanos do Oceano Atlântico (Gerding, 2024) o que trouxe períodos de sucesso e prosperidade regional até a destruição de muitos de seus trechos partir de 1966 com o início da guerrilha de resistência ao domínio português, se estendendo durante todo o conflito da guerra civil angolana. Essa importante rota comercial surge a partir de uma concessão da coroa portuguesa de uma licença de construção de uma extensa linha ferroviária, que partia do Porto do Lobito, no oceano Atlântico, em Angola, até a região de Shaba ou Katanga, onde atualmente se encontram a República Democrática do Congo (RDC) e a Zâmbia, um importante centro de onde era produzido é retirado o cobre destinado a Europa (Duarte; Santos; Tjønneland, 2014).

Durante o período da guerra civil, que levou à independência da Angola em 1975, as movimentações do CFB foram quase totalmente paralisadas, fazendo com que países como a Zâmbia e o Zaire fossem obrigados a buscar rotas de transporte e comércio mais dispendiosas para fazer com que seus produtos chegassem aos portos da África Austral e Oriental. Ademais, muitas rodovias foram destruídas dificultando ainda mais a continuidade do transporte de mercadorias, principalmente dentro de Angola, bem como o próprio deslocamento de pessoas pela região (Duarte; Santos; Tjønneland, 2014; Gerding, 2024).

A partir da destruição das principais infraestruturas do CFB, o governo angolano tem buscado investir em sua reconstrução para retomar o potencial de desenvolvimento que ele traz para a região, desenvolvendo a partir dele o “Corredor do Lobito”, um corredor de transporte que abrange não apenas o CFB, mas portos, estradas e rodovias, aeroportos, plataformas logísticas, se estendendo por uma área que é ocupada por 26% da população angolana. Dessa maneira, o governo tem utilizado seus próprios recursos financeiros, principalmente advindos da extração de petróleo para continuar desenvolvendo toda a estrutura do corredor (Duarte; Santos; Tjønneland, 2014; Santos, 2023).

O Corredor abriga o porto mais próximo de regiões ricas na produção de valiosos minerais na RDC e na Zâmbia, bem como de produções agrícolas, mas pretende ser fonte de desenvolvimento a toda a África Austral, já tendo favorecido o crescimento de negócios de grande e pequenas empresas locais como as de transporte de enxofre (Duarte; Santos; Tjønneland, 2014; Santos, 2023). Essa potencialidade de transporte e comércio de mercadorias demonstrada pelo Corredor tem atraído investidores externos, que veem grandes benefícios futuros ao participar do processo de reconstrução.

Figura 1: Interligação das estruturas de transporte ao longo do Corredor do Lobito

Fonte: Comissão Europeia (2024)

Dentre os investidores externos, está a China, possivelmente o país que mais destinou investimento para a região com a finalidade direta de desenvolvimento regional, não apenas por meio do fornecimento de empréstimos, mas também da participação direta na construção de infraestrutura para o corredor, utilizando mão-de-obra chinesa. Além disso, a China tem investido na região desde 2004, em um momento em que a maior parte dos países ocidentais não estavam dispostos a fazê-lo(Corkin apud Duarte; Santos; Tjønneland, 2014). 

O primeiro acordo de investimento, concedido pelo Export-Import Bank of China, no valor de US$ 2 bilhões, se deu por um tipo de acordo que ficou conhecido como “Modelo de Angola” e se baseava no pagamento do empréstimo concedido por meio do fornecimento de petróleo para a China. O investimento foi seguido por inúmeros outros que objetivavam a reconstrução de linhas férreas que saiam dos portos de Luanda, Lobito e Namibe, além de reconstruções de estradas, de unidades habitacionais em 18 regiões, um polo industrial em Viana e um aeroporto em Luanda. Para que isso fosse possível, inúmeras empresas (principalmente estatais) foram responsáveis por obras de ampla magnitude, dentre elas “a China Road and Bridge Corporation, a China State Construction Engineering Corporation, a China Guangxi International Construction e a Jiangsu” (Duarte; Santos; Tjønneland, 2014, p. 2).

Para além desses investimentos, em outubro deste ano, a China já havia anunciado que investiria pelo menos mais 50 bilhões de dólares na região nos próximos três anos. É esperado que além das 300 empresas que já se encontram na região, 200 empresas chinesas passem a atuar na reconstrução do corredor (Marcos, 2024).

O próprio interesse e investimento chinês tem chamado a atenção de países do ocidente que passaram a enxergar os potenciais da região, principalmente quanto a produção de minérios que são essenciais no processo de transição energética, como por exemplo o cobalto, mineral importante para a produção de diversos produtos eletrônicos, como as baterias utilizadas nos carros elétricos. Isso levou, no ano de 2023, à formalização de uma declaração conjunta dos Estados Unidos e da Comissão Europeia de investimento na revitalização das estruturas do corredor, auxiliando a Angola, Zâmbia e a República Democrática do Congo a encontrarem novos investidores, que deverão arcar com pelo menos mais um bilhão de dólares (Comissão Europeia, 2023; Gerding, 2024).

A iniciativa americana e europeia de investimento na expansão do corredor não apenas traz uma possibilidade ainda maior de desenvolvimento da região, mas tem gerado preocupações de estudiosos quanto a existência de adequadas condições políticas para lidar com os interesses dessas grandes potências na região, junto da China, o que tem levantado questões quanto ao futuro do desenvolvimento do corredor (Marcos, 2024). Considerando especialmente que os chineses foram coautores do processo de reabilitação do Caminho de Ferro de Benguela, já tendo investido em diversos setores para a expansão do corredor, há preocupações quanto a essa nova aliança entre os Estados Unidos, União Europeia, Angola, Zâmbia e RDC, que não terá a participação chinesa. Há ainda a preocupação de uma troca do “certo pelo duvidoso”, pois não foram dadas garantias reais para os investimentos que foram anunciados por essas potências ocidentais (Marcos, 2024).

Dessa maneira, esta análise partirá da perspectiva realista ofensiva de John Mearsheimer e da delimitação estrutural de sistema mundo de Immanuel Wallerstein para discutir o recente acordo de investimento no corredor do Lobito firmado entre os Estados Unidos, a Comissão Europeia, Angola, Zâmbia e República Democrática do Congo e o histórico de investimento e participação chinesa na construção de infraestrutura no corredor. Será investigado  se esses investimentos podem se apresentar como reais possibilidades de desenvolvimento econômico, social e infraestrutural da região ou apenas um novo palco de disputa entre as grandes potências de um mundo instável e multipolar.

O Corredor do Lobito como novo palco de disputa entre as grandes potências à luz do Realismo Ofensivo de Mearsheimer 

De acordo com a perspectiva realista ofensiva de John Mearsheimer, “as grandes potências (…) estão sempre buscando oportunidades de ganhar poder sobre seus rivais, com a hegemonia como seu objetivo final” (Mearsheimer, 2001, p. 29) e fazem isso para sobreviver em um sistema anárquico onde nem sempre é possível contar com a cooperação de outros atores e nem se sabe ao certo suas intenções. Isso leva os países a buscar recursos para aumentar seu poder cada vez mais, garantido sua capacidade de defesa e sobrevivência contra o ataque de outros. 

O autor delimita em sua obra que os Estados são atores racionais que observam e conhecem bem seu ambiente externo para que possam pensar estrategicamente e encontrar meios de sobreviver nele. Os Estados considerados grandes potências buscam elevar ou manter sua posição no sistema, tendo como principal objetivo ser uma hegemonia regional no sistema internacional (Mearsheimer, 2001). Todavia, ainda segundo o autor, todo o ganho de poder de uma potência equivale à redução de poder de outra, alterando a balança de poder vigente. Assim, se a economia de determinada potência se eleva, ela terá maiores condições de investir em segurança, levando a um maior investimento, por exemplo, no desenvolvimento ou compra de armamentos, o que pode ser visto pelas outras potências como uma ameaça, já que não sabem as reais intenções da primeira, gerando um dilema de segurança.

Entretanto, se tornar o único hegêmona regional do globo não é um papel fácil – talvez nem seja possível -, pois para Mearsheimer (2006), o mundo é muito grande e o melhor a se fazer é ser o hegêmona da sua região do mundo. Na história moderna, os Estados Unidos têm sido o único hegêmona de sua região desde o fim da União Soviética (URSS), em 1989. Mas essa posição não é exclusivamente sua, o que o leva a necessidade de garantir que nenhuma outra potência se torne um segundo hegêmona em outra região. 

A China, porém, após o fim da URSS, é o país que mais chegou e chega perto dessa posição e, considerando a perspectiva estadunidense, torna-se uma questão de segurança que a China continue seu crescimento e sua cooperação cada vez mais próxima do ocidente. A cooperação e o investimento chinês em vários países, em especial os da África Austral, garantem a ela recursos essenciais a seu desenvolvimento econômico, que impactam diretamente no seu poder regional e, é claro, no seu investimento em tecnologia, incluso o setor bélico, o que pode ser uma incidente preocupação para o ocidente, principalmente para os Estados Unidos, que como hegemonia regional, é o país mais afetado pelo crescimento e expansão da China. 

O aumento de poder chinês significa, a partir da teoria de Mearsheimer, uma redução do poder estadunidense, que como um ator racional que observa e conhece seu ambiente externo, precisa agir objetivando a manutenção do status quo no ambiente internacional. Entretanto, cada vez mais é possível enxergar uma maior aceitação da China e seus programas de investimento no sul global, ao mesmo tempo que aumentam as críticas às medidas dos Estados Unidos no ambiente internacional, principalmente em relação a seu intervencionismo, o que já pode ser um sinal da mudança na balança de poder e do aumento da influência chinesa enquanto a influência estadunidense se mostra enfraquecida.

Dessa maneira, nada seria mais viável, a partir da teoria realista ofensiva, que a intervenção americana nesse fenômeno. De acordo com Mearsheimer (2006), todas as vezes que alguma potência ascendeu mostrando a possibilidade de se tornar um hegêmona regional, os Estados Unidos intervieram de alguma forma derrubando essas potências, o que é visível nas duas Grandes Guerras, bem como na Guerra Fria. Assim, ainda que não na forma de conflito direto, a interferência ocidental, particularmente estadunidense, no crescimento do poder chinês e em seus projetos de cooperação com o sul global, como no caso do Corredor do Lobito, servem para travar a influência chinesa na região, como uma forma de manutenção da atual balança de poder, assim como de garantir a sua própria influência e o abastecimento de recursos naturais tão importante para seu próprio crescimento, e é claro, para a manutenção de sua segurança.

A China, no momento, controla os meios de abastecimento de recursos naturais importantes para a transição energética, por meio de seu investimento e presença na África Austral desde os anos 2000 que garantem seu acesso a esses bens. O acesso chinês ao corredor é importante não só pelo controle do abastecimento, mas pelo próprio acesso ao oceano Atlântico, o que também traria inúmeras vantagens comerciais para a China, influenciando em suas relações com o ocidente (Gerding, 2024). Ademais, é possível encontrar na Zâmbia e RDC muitos projetos de mineração de empresas chinesas, sendo que empresas ocidentais, como a suíça Glencore que está presente na região, são bastante escassas. A China também é a maior compradora de minérios da RDC, sendo que em 2022, o país processou mais de três quartos de toda a produção global de cobalto, o que reforça a força de sua presença e relação comercial na região. São nesses setores que convém ao ocidente enfrentar a presença chinesa para tentar obter influência e poder na região (Gerding, 2024).

Dessa forma, o acordo de trabalho para a extensão do Corredor do Lobito deixando os chineses de fora do projeto, se mostra, na perspectiva realista ofensiva de Mearsheimer, como uma disputa pela balança de poder e consequentemente, pela hegemonia, que acabam por tornar regiões do sul global, como a África Austral, palco direto de disputa geopolítica que visa a sobrevivência dessas grandes potências no sistema internacional. Isso é feito por meio do controle da região a partir do consumo de seus principais recursos, importantes para o contínuo desenvolvimento dessas potências, bem como para a manutenção e aumento de seu poder. 

Os investimentos no Corredor do Lobito como possibilidade de desenvolvimento regional a partir da perspectiva de Wallerstein 

A teoria do Sistema-Mundo de Immanuel Wallerstein analisa a dinâmica do capitalismo no globo, a partir de uma perspectiva histórica, tentando compreender como essa dinâmica molda as relações entre os países do sistema e as regiões do globo. Para o autor, os sistemas-mundiais são sistemas consideravelmente grandes, que abrangem diversas e distintas culturas e que podem ser vistos como uma entidade econômico-material que se baseia em uma evidente divisão do trabalho que se manifesta na divisão desse sistema em três zonas interdependentes: o Centro, a Periferia e a Semiperiferia (Wallerstein, 1976).

Para o autor, os países localizados no centro são aqueles considerados desenvolvidos, industrializados, que controlam a produção de bens de alta tecnologia e valor agregado, e muitos deles, é válido ressaltar, possuíram colônias ao longo dos séculos e mantiveram práticas imperialistas até o século passado (Wallerstein, 1976). São países como os Estados Unidos, a Inglaterra, a Alemanha e o Japão. Os países da periferia são aqueles menos desenvolvidos, muito dependentes e explorados, fornecendo matéria-prima e mão-de-obra barata, principalmente para os países do centro. Nesse caso, se encontra boa parte dos países da América Latina, bem como da África Subsaariana, inclusive os países da África Austral. E, por fim, os países da semiperiferia, são aqueles intermediários, que apresentam algumas características de países do centro e algumas da periferia. Esses são os países considerados emergentes ou em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, da Índia e da própria China (Wallerstein, 1976).

Para o autor, a lógica de acumulação de capital presente no capitalismo é o que define as relações entre esses países, reforçando a exploração da periferia pelo centro. Todavia, com a evolução desse sistema, mudanças vão acontecendo a partir de expansões econômicas e crises que influenciam também em mudanças hegemônicas, fazendo com que em distintos períodos, diferentes países (geralmente as potências ocidentais) controlem o comércio, a economia e até a cultura mundial, como é o caso dos Estados Unidos no século XX (Wallerstein, 1976).

Todavia, o século XXI tem mostrado um crescimento cada vez maior dos países emergentes da periferia, fazendo com que a própria China se aproxime cada vez mais do centro, o que faz com que, ainda que ela apresente características periféricas, seja a 2ª principal economia do mundo, se aproximando cada vez mais de se tornar a primeira. Esse acontecimento se mostra como um novo ciclo de hegemonia, dessa vez, com um país que pode avançar rapidamente da semiperiferia para o centro, ainda que essa mobilidade entre as categorias seja difícil.

Entretanto, é preciso considerar um dos principais aspectos da teoria de Wallerstein, que define que o subdesenvolvimento de certas regiões não é acidental, mas consequência direta da posição desses países no sistema-mundo. Para o autor, a exploração da mão-de-obra barata e dos recursos naturais da periferia é o que os mantém nessa condição, sem prognósticos que demonstram uma real possibilidade de desenvolvimento dessas regiões.

Regiões como a África Austral, em especial  Angola, Zâmbia e RDC, que se encontram na condição de periferia, veem na reconstrução e funcionamento do Corredor do Lobito uma chance real de desenvolvimento e prosperidade para a região que já sofreu por séculos com a exploração do ocidente. O aparecimento da China nesse contexto é atrativo para muitos governantes locais que veem nos investimentos chineses condições favoráveis para alavancar o desenvolvimento de seus respectivos países, principalmente ao adotar o princípio de não interferência. Esse princípio possibilita à China investir e cooperar com países que sofrem embargos e que as empresa ocidentais muitas vezes não podem se relacionar, o que gera vantagens para a China que tem pouca concorrência nessas regiões e para esses países que, até pouco tempo, recebiam baixo investimento externo (Alves, 2010).

Para além da não interferência, a China, diferente por exemplo do Fundo Monetário Internacional (FMI), não impõe condições para a concessão de empréstimos e oferece crédito de longo prazo concedido por instituições financeiras chinesas. Além disso, talvez o principal ponto de sua relação com os governos africanos se encontra nos investimentos em infraestrutura, como é o caso do corredor, o que torna mais fácil para a China conseguir licenças para exploração dos recursos naturais da região, algo muito bem visto pela população e principalmente as elites africanas que em muito ressentem as potências ocidentais que construíram apenas estruturas que fossem realmente necessárias para a exploração dos recursos da região, sem trazer nenhum real benefício para os países explorados (Alves, 2010).

Os investimentos chineses, como já discutido anteriormente, foram introduzidos em um momento em que governos ocidentais não tinham a pretensão de investir além de explorar os recursos naturais desses países. A China definia esses investimentos como uma cooperação vantajosa para as duas partes ao não interferir na política daqueles países e manteve contato com mais de 100 partidos de mais de 50 países africanos sem também tentar levar sua ideologia política para o continente africano (Andrade, 2024). Não há dúvidas quanto à afirmação de que essa parceria gera muitos benefícios, todavia, estudiosos, diplomatas e economistas, tanto ocidentais quanto africanos, veem essa cooperação como uma “armadilha da dívida” (Andrade, 2024).

Se este for o caso, pode ser visto como uma estratégia feita de forma consciente pelo governo chinês que visa emprestar quantias exacerbadas a países africanos trazendo-os para mais perto da influência chinesa, ao mesmo tempo em que impõe a esses países dívidas insustentáveis (Andrade, 2024). Tal prática ajudaria a manter a dependência desses países ao governo chinês, pois passam a estar presos pela dívida ou pela concessão de recursos naturais, que pode não compensar o investimento chinês. A própria Angola já tem uma dívida com a China que chega a 23 bilhões de dólares, valor quase seis vezes o que o país deve aos Estados Unidos (Marcos, 2024).

Dessa forma, a partir da teoria do Sistema-Mundo de Wallerstein, é possível analisar que a África Austral, anteriormente explorada principalmente pelas potências europeias, continua  e continuará na condição de periferia não apenas pela exploração, mas agora pelo endividamento por uma nova hegemonia que ascende a partir do declínio do poder americano – que tem se exacerbado desde a década de 1970 (Wallerstein, 2004) –, a hegemonia chinesa. Considerando a disputa pelos recursos da região que trouxe a  Comissão Europeia com suas antigas potências colonialistas de volta à região, traz novos desafios para a África Austral sair de sua condição periférica, pois ao mesmo tempo em que a cooperação e os investimentos aumentam a dependência desses países, também se mostram como uma chance de desenvolvimento e melhora das condições de vida da população, principalmente aquelas diretamente beneficiadas pela reestruturação do Corredor do Lobito.

Entretanto, é preciso também observar que muitos estudiosos e economistas acreditam em uma real possibilidade de desenvolvimento para a região, pois a construção de tantas infraestruturas, não apenas de transporte, mas escolares, hospitalares, dentre outros serviços, serão verdadeiramente benéficos para a região e agora com o investimento europeu e estadunidense, há esperança de que hajam mais investimentos em transporte, eletricidade, dentre outros importantes setores que auxiliam no processo de desenvolvimento. Há, dessa forma, uma crença por parte da comunidade acadêmica de que a reestruturação e expansão do corredor efetivam a possibilidade de desenvolvimento regional e reforçam a importância de se manter uma integração e coesão locais, fortalecendo a cooperação regional que pode ser um dos principais pontos de foco dos governos locais e de organizações locais como a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) (Santos, 2023), para a concretização do desenvolvimento, quem sabe, possibilitando a essa região uma futura saída da condição de periferia do mundo. 

Conclusão

O Corredor do Lobito se apresenta como uma importante estrutura de diferentes meios de transportes na África Austral que facilitam o deslocamento e comércio de muitos recursos naturais na região, reduzindo inclusive o tempo de importação e exportação de mercadorias para todo o mundo. Considerando as potencialidades que o corredor traz ao comércio mundial, e o longo histórico de investimento chinês na região, ele passou a despertar o interesse de outras potências mundiais que precisam dos recursos disponíveis na região para seu contínuo desenvolvimento.

Nesse contexto, o corredor se tornou palco de disputa entre as principais potências do sistema internacional, em especial, os Estados Unidos e a China, o que se deu, – a partir da perspectiva de Mearsheimer – pela necessidade de os Estados Unidos, que por certo tempo foi a única potência regional do sistema de tentarem se manter nessa condição, pois a ascensão chinesa na posição de uma segunda hegemonia e o aumento de seu poder impactam diretamente na redução de poder estadunidense e na sua sensação de segurança. A forte influência chinesa na região se apresenta como uma ameaça à posição dos Estados Unidos no sistema internacional, levando a sua interferência na relação da China com os países abrangidos pelo corredor.

Essa disputa, pode se mostrar como positiva, considerando o aumento do interesse, das relações comerciais e do investimento internacional na região. Todavia, a partir da perspectiva de Sistema-Mundo de Wallerstein, é possível que essa relação com a China e o ocidente mantenham  Angola, Zâmbia e a República Democrática do Congo, bem como os outros países da África Austral numa condição perpétua de periferia, se tornando cada vez mais dependente da relação não só pelo fornecimento de matérias-primas para a produção de bens de alto valor agregado, que são novamente consumidos pelos países periféricos, mas também pelo endividamento, que já se encontra em níveis exorbitantes.

Portanto, é preciso que os países e organizações responsáveis pelo desenvolvimento do Corredor do Lobito consigam trabalhar em conjunto para que estabeleçam relações com os países ocidentais e com a China que sejam realmente mutuamente benéficas para os dois lados, sabendo lidar com a presença de Estados com interesses divergentes na região, para que não percam parcerias que possam se mostrar realmente eficazes no desenvolvimento dos países da África Austral. Todavia, como afirma o diplomata e professor universitário gambiano Abdju Djeu, é preciso que os governos africanos tenham uma ótima capacidade de negociação para que não hipoteque o futuro da sua população (Andrade, 2024).

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