Texto Conjuntural África Austral #40

 Cooperação Brasil e Namíbia: parceria estratégica para o desenvolvimento

Por Gabriela Amorim Silva

Introdução

A relação diplomática entre Brasil e Namíbia é extensa, se iniciou em 1990, com a independência do país africano, e a cooperação naval e militar é o ponto forte da relação dos dois países. O intercâmbio de técnicas e conhecimentos é de extrema importância e gera ganhos recíprocos, fortalecendo a ascensão do Atlântico Sul como uma área pacífica e cooperativa (Rizzi, Cossul, Bueno, 2023).

Brasil e Namíbia entrelaçam cada vez mais a sua relação naval desde 1994, com o Acordo de Cooperação Naval, e revela a sua importância para a segurança da região do Atlântico Sul (Pereira, Fabricio, 2024). Além disso, é um exemplo do desenvolvimento das relações sul-sul na ordem internacional neoliberal que sofre alterações, aproximando-se cada vez mais de países do sul global e diversificando suas conexões diplomáticas. Sendo assim, esta análise conjuntural irá explorar a relação naval e militar entre Brasil e Namíbia e seus desdobramentos.

Atlântico Sul e Zona de Paz e Cooperação

    Com o fim da Guerra Fria e a ascensão de uma ordem internacional multipolar, o Atlântico Sul se inseriu em um plano de defesa do continente americano, que antes era um papel do Norte, especificamente dos Estados Unidos (Aguilar, Sérgio, 2013). Além disso, o Atlântico Sul é uma rota marítima estratégica para a economia e política internacional devido às suas características geográficas que permitem um trânsito de cargas e uma comunicação mais fácil, sendo o meio de passagem de várias matérias primas, como o petróleo vindo do Golfo Pérsico (Penha, 2011).

    Com o crescimento da importância da área para o ambiente internacional, é notório a importância do mar para os países, pois o oceano é um meio de ligação que deve ser protegido para que o Estado não se enfraqueça, como é destacado por Mahan (1890) em sua teoria do poder marítimo. O autor compreende e reforça a relevância da marinha para o poder de um Estado e sua política externa, visto que é uma área de expansão do comércio e proteção de potenciais inimigos e ameaças, e para enquadrar um Estado no poder marítimo deve-se analisar seu posicionamento e extensão geográfica, seu caráter governamental e seu caráter pró-naval (interesses nacionais no exterior).

    Nesse contexto, é importante mencionar que Brasil e Namíbia fazem parte da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS), que foi criada em 1986, por iniciativa do Estado brasileiro e apoio da Argentina, e conta com 24 países1 sul-americanos e a costa ocidental africana. De acordo com o Ministério da Defesa do Brasil, o fórum tem o objetivo de ser um mecanismo em prol da cooperação para a manutenção da paz e segurança da região, desenvolvimento socioeconômico, proteção ambiental e integração multilateral, com foco em temas marítimos. Essa zona é importante para os países do Atlântico Sul por ser mais um meio de estreitamento e fortalecimento de suas relações, comunicação e aprimoração de acordos e projetos para a segurança e defesa marítima.

    “Dado a incapacidade das forças militares de alguns países na região sul-atlântica, bem como a inadequada estratégia militar relativa à segurança marítima regional, esses países tornam-se vulneráveis à penetração de forças externas e do crime organizado internacional – pirataria, narcotráfico. Para lidar com esses desafios e manter o Atlântico Sul uma zona de paz e cooperação, os países sul-atlânticos têm buscado respostas no âmbito da cooperação técnica a nível Sul-Sul” (Rizzi, Cossul, Bueno, 2023).

    A Relação Brasil e Namíbia

    A cooperação entre Brasil e Namíbia é a cooperação brasileira mais antiga, iniciada em 1994, trazendo ganhos para ambas as nações. O desenvolvimento das Forças de Defesa Namibianas é um exemplo de sucesso dessa relação: a Marinha do Brasil forneceu apoio por meio da formação militar-naval dos oficiais, em um período de dez anos, sendo responsável pela formação de 90% dos militares namibianos (Cariôto, Cerqueira, 2024).

    A relação entre ambos é marcada pela assimetria, visto que o Brasil possui uma capacidade política, econômica e militar mais desenvolvida do que a Namíbia, além de ser um país com uma posição de maior destaque no ambiente internacional (Rizzi, Cossul, Bueno, 2023). Contudo, essa característica não impede que essa relação traga ganhos para ambos: para a Namíbia possibilitou o desenvolvimento naval e do setor de defesa logo após a sua independência, e para o Brasil, permitiu ampliar sua comunicação com o continente africano e reforçar sua posição de destaque no Atlântico Sul. O intercâmbio entre as marinhas possibilita o desenvolvimento de ambos os países, além de corroborar com a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul, que ambos participam. 

    O início da relação foi extremamente importante para a marinha namibiana, que pode se estruturar com mais facilidade após a sua independência. Como exemplo, a Marinha Brasileira auxiliou no levantamento hidrográfico na costa, em 1997, e realizou uma proposta para os limites de sua Plataforma Continental à Comissão de Limites da Plataforma Continental das Nações Unidas (Agência Marinha de Notícias, 2024).

    Ao longo desses 30 anos, a Marinha da Namíbia, por meio da Marinha do Brasil, capacitou milhares de militares, construiu e estruturou seu porto, principalmente em Walvis Bay, e teve acesso a equipamentos, técnicas e tecnologias para se desenvolver. Como exemplo desse auxílio,  o Brasil contribui para a estruturação naval namibiana principalmente após a criação do Grupo de Assessoramento Técnico de Fuzileiros Navais (GAT-FN), em 2009, que levou o surgimento do Corpo de Fuzileiros Navais da Namíbia anos depois. A Marinha Brasileira visita com frequência a Namíbia para exercícios militares. Neste ano, o navio “Defensora” chegou em Walvis Bays, no litoral namibiano, e para além dos treinamentos, foram comemorados os 30 anos de relação diplomática entre os países. Além disso, em 2022, para a comemoração do Bicentenário da Independência do Brasil, o navio “NS Elephant” chegou no Rio de Janeiro, e foi o primeiro navio namibiano a atravessar o Oceano Atlântico.

    “Uma das formas de cooperação brasileira é a “cooperação tecnica” que consiste no suporte técnico, ao invés do apoio financeiro que é mais tradicional, enviando especialista em diversos setores para as áreas onde possui recursos técnicos fracos” (Aguilar, 2022, tradução própria2).

    Mesmo com vários eventos internacionais que trouxeram danos para as economias, como a crise de 2008 e a pandemia do COVID-19, a relação entre os Estados não sofreu abalos e continuou avançando, “consolidando a ideia de valorização da região em uma política de Estado permanente e presente em sua Estratégia Nacional de Defesa (Pereira, Fabricio, 2024). Ademais, em sua política externa nesses últimos anos, o Brasil prioriza países do sul global como uma forma de se inserir ainda mais no cenário internacional e projetar a indústria bélica brasileira por meio da cooperação —  que se torna uma espécie de vitrine para seus produtos e serviços. 

    De acordo com Vivian Los Sanmartin, Embaixadora do Brasil na Namíbia, o acordo entre as nações é extremamente importante, como ela mesma diz: 

    “à medida que a Namíbia embarca em uma nova fase de desenvolvimento econômico, ao explorar as abundantes reservas de petróleo recentemente descobertas, os desafios relativos à segurança na sua zona offshore exigirão novas ações e soluções. A Marinha do Brasil, que, há muito, é responsável pela segurança das plataformas offshore de petróleo e gás do Brasil, está pronta para compartilhar sua experiência e conhecimento com a Namíbia” (Cariôto, Cerqueira, 2024).

    Assim, a relação entre os dois países do Atlântico Sul se fortalece cada vez mais, e é por meio da cooperação que ambos desenvolvem suas marinhas, se projetando no ambiente internacional. Os ganhos são mútuos: o avanço naval namibiano foi exponencial, capacitando seus militares e oficiais com a Marinha Brasileira, que também orienta a Marinha Namibiana para a sua autonomia e o progresso. Simultaneamente, o Brasil projeta sua marinha como uma instituição confiável e desenvolvida, com tecnologias e técnicas no ambiente internacional, e destaca suas relações com países do sul global (Rizzi, Cossul, Bueno, 2023).

    Imagem 1 – NS “Elephant”, no Rio de Janeiro, por ocasião do Bicentenário da Independência do Brasil

    Fonte: Marinha do Brasil, 2022.

    Considerações Finais

    Dessa forma, essa análise conjuntural explora a relação entre Brasil e Namíbia e os seus desdobramentos, com o enfoque nas suas relações navais. Conclui-se então que a relação entre as duas nações é de amizade e confiança, na qual há um crescimento mútuo.

    O Brasil se consolidou mais no continente africano e a Base Industrial de Defesa Brasileira (BID) se aprimorou, como exposto:

    “o Acordo Naval entre Brasil e Namíbia simboliza um triunfo de valor político, diplomático e militar às políticas externa e de defesa brasileiras, pela longevidade e pelos resultados concretos, por isso, conclui-se, de valor estratégico. A confiança e a cooperação entre os dois lados do Atlântico Sul apenas reforça e consolida a paz e a cooperação nesta região” (Rizzi, Cossul, Bueno, 2023).

    Ademais, no pós independência, a Namíbia conseguiu se expandir exponencialmente. Através da marinha brasileira, o país conseguiu desenvolver sua marinha como um todo, desde treinamentos, equipamentos, tecnologias e técnicas, formação militar e estrutura de navios e portos. O intercâmbio de projetos é benéfico para ambos, além de corroborar com a garantia do ZOPACAS e aumentar a importância da região e das relações Sul-Sul no ambiente internacional. 

    A Marinha da Namíbia obteve inúmeras conquistas com o apoio da Marinha Brasileira, por meio do intercâmbio de informações, treinamentos, conhecimentos e equipamentos, desde navios, técnicas para construção de portos e criação de grupos militares como o GAT-FN, sndo aspectos de extrema importância para as políticas de estratégias de defesa que cada país possui. As conquistas namibianas foram importantes para o Brasil, visto que reforçam a qualidade e eficiência da Marinha Brasileira, que se coloca como aliada principalmente para os países do sul atlântico.

    Imagem 2- Militar da Namíbia durante formatura na CIAA, em 2016 

    Fonte: Marinha do Brasil, 2016.

    Referências

    AGUILAR, S. L. C. SOUTH ATLANTIC: THE RELATIONS BETWEEN BRAZIL AND AFRICA IN THE FIELD OF SECURITY AND DEFENSE. AUSTRAL: Brazilian Journal of Strategy & International Relations, [S. l.], v. 2, n. 4, 2022. DOI: 10.22456/2238-6912.41288. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/austral/article/view/41288. Acesso em: 28 nov. 2024.

    MAHAN, Alfred T. The Influence of Sea Power Upon History, 1660-1783. Boston: Little, Brown, and Company, 1890. Disponível em: <https://ia902708. us.archive.org/13/items/seanpowerinf00maha/seanpowerinf00maha.pdf>. 

    Ministério da Defesa. Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS). 2014. Disponível em:  https://www.gov.br/defesa/pt-br/assuntos/relacoes-internacionais/foruns-internacionais-1/zona-de-paz-e-cooperacao-do-atlantico-sul-zopacas 

    PENHA, Eli Alves. Relações Brasil-África e geopolítica do Atlântico Sul. 2011.

    PEREIRA, Alexander de Oliveira; FABRICIO, Luiz Fernando Da Mata. Os 30 anos do acordo de cooperação naval entre o Brasil e a Namíbia. IV Simpósio do CFN: os desafios da prontidão operativa em um mundo em transformação, 2024.  Disponível em: http://portaldeperiodicos.marinha.mil.br/index.php/ancorasefuzis/article/view/6157 

    Primeiro-Tenente (T) Cariôto; Primeiro-Tenente (RM2-T) Thaís Cerqueira. Irmãs de armas: 30 anos do Acordo de Cooperação Naval Brasil-Namíbia. Agência Marinha de Notícias. Março, 2024. Disponível em: https://www.agencia.marinha.mil.br/internacional/irmas-de-armas-30-anos-do-acordo-de-cooperacao-naval-brasil-namibia 

    RIZZI, Kamilla Raquel; COSSUL, Naiane Inez; BUENO, Patrick. Cooperação técnico-militar do Brasil com a Namíbia: aspectos de uma parceria estratégica. Revista Brasileira de Estudos Africanos, Porto Alegre, v. 8, n. 15, p. 150-170, jan./jun. 2023. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/rbea/article/view/132060 

    TEIXEIRA, Luís Henrique Vighi; CORADINI, Luiz Fernando; COSTA, Renata Alves da; PEREIRA, Analúcia Danilevicz. A cooperação técnica militar Brasil-Namíbia e a projeção da base industrial de defesa brasileira. Revista da Escola Superior de Guerra, v. 36, n. 76, p. 79-104, jan./abr. 2021. Disponível em: https://revista.esg.br/index.php/revistadaesg/article/download/1100/952/2421#:~:text=Ao%20longo%20de%20mais%20de,Ministério%20da%20Defesa%20da%20Namíbia

    1. África do Sul, Angola, Argentina, Benin, Brasil Cabo Verde, Camarões, Congo, Costa do Marfim, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Libéria, Namíbia, Nigéria, República Democrática do Congo, São Tomé e Príncipe, Senegal, Serra Leoa, Togo e Uruguai ↩︎
    2. “One  of  the  forms  of  cooperation  employed  by  Brazil  is called “technical cooperation” which consists of technical support, not financial as  in  traditional  cooperation,  sending  specialized  bodies  in  certain  sectors  to empower segments of the population in areas of knowledge where there is a lack of technical resources.” ↩︎

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