Texto Conjuntural África Austral #41

Tragédia dos comuns: a questão dos elefantes em Botsuana como um dilema de ação coletiva 

Por Thainá Carmo

Introdução

No ano de 2019, Botsuana revogou sua antiga proibição à caça, que havia entrado em vigor em 2014. Essa legalização, segundo o governo, se deu pelo exponencial aumento do número de elefantes, o que passou a gerar conflitos entre esses animais e comunidades humanas, levando a destruição de plantações, vilarejos e até mortes, o que aumentou o apoio populacional ao retorno da legalização da caça. Essa medida foi criticada por ativistas ambientais, levando à desconfiança de organismos internacionais e a tentativas de sanções por países europeus. 

Essa atenção internacional ao caso de Botsuana trouxe luz ao problema enfrentado pelo país, que busca medidas de contenção do aumento da população de elefantes. Considerando que em outros países já houve casos de a legalização levar a extinção de espécies que não conseguiram se reproduzir no mesmo nível da caça e do aumento do consumo de recursos naturais limitados por essas populações humanas e de elefantes em crescimento, esse problema pode ser observado pelas lógicas dos dilemas de ação coletiva e pela possibilidade do problema se concretizar futuramente como uma tragédia dos comuns.

Dessa maneira, a presente análise pretende discutir o problema da legalização da caça em Botsuana como um dilema de ação coletiva, a partir das teorias de Garrett Hardin (1968), Mancur Olson (2002) e Elinor Ostrom (2015), buscando nesses autores possibilidades para a superação do dilema. Além disso, também serão analisados estudos de autores que estudam o tema do conflito humano-elefante, principalmente em Botsuana, verificando as abordagens desses autores quanto às visões e problemas locais que aumentam a complexidade desse conflito, bem como as possibilidades de superação ou mitigação do dilema em suas perspectivas e achados. Dessa maneira, a seguinte análise está dividida nos seguintes tópicos: a apreciação mundial em torno da imagem dos elefantes, a questão dos elefantes em Botsuana, o tema da caça em Botsuana como um dilema de ação coletiva e a possibilidade de uma Tragédia dos Comuns, possibilidades de superação do dilema e preservação da vida animal a partir da perspectiva de Hardin, Olson e Ostrom, possibilidades de superação do dilema a partir da perspectiva de autores que estudam o conflito humano-elefante, e por fim, a conclusão a partir dos dados encontrados e teorias de base para essa análise.

A apreciação mundial em torno da imagem dos elefantes

Não há dúvidas de que os elefantes encantam gerações, por meio de sua imagem majestosa, pela sua força e tamanho e pela crença de que estes animais possuem uma memória acima do comum e lhe são gratos por toda a vida quando são tratados com amor, o que é reforçado principalmente por obras ocidentais em filmes como “Dumbo” (1941) e por livros como “O encantador de elefantes” (2017) de Lawrence Anthony. Todavia, essa não é a mesma visão e realidade vivida por parte da população de Botsuana e outros países da África Austral que convivem diariamente com hordas desses animais e enfrentam dificuldades no convívio.

Diversas organizações como a “The Earth Organization” atuam na conservação direta, no combate à caça furtiva e na conscientização quanto a violências sofridas pelos animais e importância da preservação. Ainda assim, a caça de maneira geral e a caça furtiva se apresentam como um dos principais problemas enfrentados pelos defensores da vida animal na tentativa de conservação das espécies e muitas vezes acabam por precisar lutar inclusive contra governos locais que apresentam medidas favoráveis à caça, que levam à sua legalização.

A questão dos elefantes em Botsuana

A caça em Botsuana havia sido proibida desde 2014, o que afetou a renda gerada pelo turismo, que não apenas gerava renda, mas garantia empregos possibilita o fornecimento de seguros e bolsas de estudos originados pelo programa governamental de “Gerenciamento de Recursos Naturais Baseado na Comunidade (CBNRM) iniciado em meados da década de 1990” (Velempini, 2021, p. 414).

Todavia, em 2019, o governo do país voltou atrás e suspendeu a proibição, medida bastante apoiada pela população local, mas fortemente condenada por órgãos de proteção ambiental e ativistas internacionais (Velempini, 2021; Hughes, Fisayo-Bambi, 2024). Isso também gerou algumas desconfianças, principalmente por órgãos de conservação e por outros Estados, devido a decisão ter acontecido em um momento próximo ao período eleitoral de Botsuana (Pozo et. al., 2019). Porém, o governo alegou na época que essa era uma decisão baseada nas necessidades da população que estava convivendo diariamente com o problema. 

Após a legalização da caça, o país passou a delimitar cotas de caça anuais como forma de atender à população que depende da renda derivada da atividade. Essa população, além de depender da renda que a caça gera, se sente prejudicada pelo aumento da população de elefantes, que tem ocasionado estragos a vilas, plantações e até a morte de moradores locais (Hughes, Fisayo-Bambi, 2024).

Atualmente é estimado que Botsuana tenha uma população de cerca de 130.000 elefantes, a maior do mundo. A região do Delta do Okavango, uma das que apresentam maior densidade humano-elefante, abrigava em seu território cerca de 16.000 pessoas e 11.000 elefantes, ainda em 2017 (Pozo et al., 2017). Numa tentativa de reduzir essas hordas, o país já enviou 8000 para a Angola e ofereceu mais 500 para Moçambique (Hughes, Fisayo-Bambi, 2024), o que fez pouca diferença para o conflito humano-elefante na região.

É importante ressaltar que cerca de 70% dessa população de elefantes não está em reservas, tendo contato direto com populações humanas por diversas regiões do país, o que ocasiona a maior parte dos conflitos (Velempini, 2021). Além de consumirem toneladas de alimento e água, tem causado danos à plantação, poços, vilarejos e ocasionado mortes por pisoteamento (CNN, 2024). Esse foi um dos motivos para que a própria população começasse a cobrar e defender novamente a legalização da caça, já que culpabilizam a anterior política de preservação pelo atual problema enfrentado, parecendo ver na caça uma possibilidade de saída ou redução do problema. 

Imagem 1: Densidade de elefantes por quilômetro quadrado no continente africano

Fonte: PaulAllen.com (2016)

Esse aumento das hordas ocasiona diversos problemas, como a invasão de plantações. Esse é um dos maiores problemas do conflito humano-elefante na África, bem como um dos principais motivos para uma visão mais negativa dos elefantes pela população do país que passa a cada vez mais defender a caça como uma possível solução para os repetidos embates na região. Velempini, em 2021, realizou um estudo para avaliar o conflito entre humanos e elefantes no Delta do Okavango, a partir de entrevistas com residentes, e demonstrou que parte considerável da população local afirma que os elefantes destroem seus meios de sobrevivência, pisoteando plantações, ocasionando estragos em locais de armazenamento das colheitas, além das próprias casas e de suprimento de água. Isso levou a um deslocamento de grupos humanos para regiões afastadas das margens dos rios, que geralmente são as mais afetadas pelas “invasões” desses animais (Velempini, 2021).

Além disso, o pisoteamento e morte de pessoas também é bastante comum, havendo relatos de que “os elefantes danificam as culturas, quebram cercas, danificam a propriedade e perseguem, ferem e às vezes matam gado e pessoas” (Songhurst; McCulloch; Coulson, 2016). Populares afirmam ainda que parte dessa grande população de elefantes são originárias dos países vizinhos e buscam refúgio em Botsuana, por não haver um controle da caça nesses países. 

Isso leva ao problema da caça furtiva, também muito comum na região, que consiste na caça ilegal desses animais, geralmente para o tráfico de marfim (e do corno de rinocerontes) devido aos altos preços do mercado. Ainda em 2010, a caça furtiva na África havia sido responsável por um número de mortes que ultrapassa a capacidade de reprodução das espécies nativas de elefantes, o que gerou preocupação quanto à possibilidade de declínio e uma futura extinção desses animais no continente. Esse preocupante aumento na morte dos animais pela caça furtiva se dá por um aumento na procura de obras de arte e decoração além de joias e troféus que são considerados símbolos de status para as classes média e alta, principalmente da Ásia. Em Moçambique, no ano de 2012, a população de rinocerontes desapareceu graças a ações de caça furtiva e tráfico que dificultam a preservação das espécies e a manutenção da biodiversidade (Anderson; Jooste, 2014).

Foi nesse contexto que uma notícia recente chamou a atenção do mundo: pela segunda vez neste mesmo ano (2024), o presidente de Botsuana, Mokgweetsi Masisi, havia ameaçado enviar parte das hordas de elefante para a Alemanha (cerca de 20.000). Anteriormente, no mesmo ano, Masisi havia ameaçado enviar 10.000 para o Hyde Park, em Londres. Tudo isso aconteceu após a Inglaterra e a Alemanha defenderem restringir a importação de troféus de caça devido a preocupações com a caça furtiva, o que irritou o governo de Botsuana que alegou que uma proibição na importação desses troféus afetaria a economia regional e todos aqueles que se beneficiam da receita dos safaris (Hughes, Fisayo-Bambi, 2024). O governo e grande parte da população defendem fortemente a caça como uma possibilidade de resolução do aumento dos elefantes e por isso, a tentativa inglesa e alemã de proibir esses troféus não foi bem aceita. 

O tema da caça em Botsuana como um dilema de ação coletiva e a possibilidade de uma Tragédia dos Comuns

O conceito de Dilema de Ação Coletiva, ou a Lógica da Ação Coletiva, foi descrita inicialmente por Mancur Olson em 1965, e pretendia explicar como os grupos agem na provisão ou manutenção de bens públicos e comuns. Para o autor, especialmente se tratando de grupos grandes, há uma tendência de que as pessoas ajam buscando atender a seus interesses individuais e não ao interesse coletivo. Para o autor, ainda que esses indivíduos tenham maiores benefícios se agirem conjuntamente para prover um bem, eles preferem agir pensando em seus ganhos individuais.

Na mesma lógica de Olson, em 1968, Garrett Hardin, introduz o conceito de “Tragédia dos Comuns”, que seria a capacidade humana de explorar recursos de forma insustentável, visando seu próprio benefício, o que prejudicaria o bem comum, podendo inclusive levar a escassez ou extinção desse bem. Hardin, que tem no problema da população, ou melhor, da superpopulação, uma de suas principais preocupações, afirma que a população humana tende a crescer de forma exponencial ao mesmo tempo em que vivemos em um mundo finito, com recursos também finitos, e dessa forma só pode suportar uma população que também seja finita, para que os recursos disponíveis sejam adequadamente suficientes para todos. Para o autor, um aumento populacional desenfreado deveria vir acompanhado de uma limitação no uso dos recursos disponíveis ao nosso consumo. Todavia, não é isso o que acontece.

Para Hardin e para Olson, atores individuais racionais tendem a priorizar a maximização de seus ganhos e assim, buscam explorar cada vez mais os recursos que estão disponíveis para todos, sem fazer um “desconto de futuro” adequado, ou seja, não conseguem enxergar a possibilidade futura de esgotamento daquele bem que é coletivo e deveria estar igualmente disponível para todos, e assim exploram aquele bem cada vez mais. Agindo dessa maneira, Hardin (1968) afirma que os indivíduos estão destinados à ruína, pois a crença em uma “liberdade dos comuns”, a liberdade de explorar sem limitações os recursos naturais disponíveis, traria a ruína de todos.

Esclarecendo esses conceitos, podemos começar a pensar a questão dos elefantes em Botsuana, como um dilema de ação coletiva que leva a possibilidade de uma tragédia dos comuns. O aumento da população de elefantes em Botsuana precisa ser pensado a partir da perspectiva de que a população humana também está em crescimento e os dois grupos precisam de recursos naturais para sua sobrevivência, que entretanto são finitos e não estão disponíveis para uma população infinita. Além desses recursos, os próprios elefantes podem ser pensados como um “bem comum” que precisa ser conservado para que não se chegue a uma possível extinção que afetaria todo um sistema ecológico, trazendo possíveis prejuízos à comunidade. Todavia, se esses elefantes também geram prejuízos em sua coabitação com a população humana, levando a destruição de vilas, de fontes de recursos hídricos como poços d’água, de plantações e à própria morte de pessoas, quais seriam as possibilidades de solução para esse dilema? 

Possibilidades de superação do dilema e preservação da vida animal a partir da perspectiva de Hardin, Olson e Ostrom

Retomando a perspectiva de Olson, um aspecto central para o autor é a presença de “free-riders” ou caronas, que são aquelas pessoas que não contribuem para o provimento do bem (nesse caso, a proteção dos elefantes) e ainda assim se beneficia do resultado da ação coletiva, o que culminaria em uma provisão ineficiente do bem (uma preservação não eficaz dos animais). Podemos pensar por exemplo de caronas aqueles indivíduos que se beneficiam da caça furtiva, lucrando por meio da caça ilegal dos animais enquanto parte da população, órgãos e instituições tentam de maneira ineficiente manter a preservação, o que leva a um número tão alto de morte dos animais que chega a ultrapassar sua capacidade de reprodução.

De acordo com Hardin (1968), há algumas possibilidades para a superação de um dilema de ação coletiva baseado na utilização de recursos naturais finitos. O primeiro deles seria a regulação ou controle centralizado, o que também é explicitado por Olson (2015), que define a possibilidade de ser necessária uma intervenção estatal ou de alguma autoridade central. Para esses autores, uma alternativa seria, portanto, que uma autoridade regulamentasse o “uso”, delimitando leis, regras que garantam essa “utilização”, mas também a sustentabilidade do recurso no longo prazo. No caso dos elefantes, que utilizam de muitos dos recursos naturais que o ser humano também utiliza, como a água e o espaço, o governo já tem atuado delimitando leis, que antes proibiram a caça e atualmente legalizam-a como forma de controle não da escassez, mas do aumento da população de elefantes. Todavia, considerando os elefantes também como um bem, é preciso ter cuidado com a vida e possibilidade de extinção dos animais que já habitavam esses espaços antes dos humanos, o que também culminaria em uma tragédia.

Além disso, Hardin (1968) considera a privatização dos recursos uma possibilidade de solução e Olson (2002) propõe entre uma de suas soluções, o provisionamento do bem por um pequeno grupo. O autor define que em grupos pequenos, a coordenação da ação dos indivíduos é mais fácil e geralmente têm mais interesse no resultado que será obtido pela ação coletiva, o que os leva a trabalhar de maneira mais comprometida para a provisão do bem. Nessas duas perspectivas, é possível pensar na privatização de espaços para abrigar esses animais, como por exemplo a delimitação de reservas de proteção que consigam os proteger da caça e, ao mesmo tempo, evitar o conflito entre eles e os humanos habitantes da região.

Uma alternativa interessante nos argumentos de Hardin (1968) é a de mudança nos valores e ética coletiva, e para Olson (2002), a promoção de normas sociais e cultura coletiva que poderiam partir de uma conscientização sobre a importância dos elefantes para o ecossistema da região e a importância da preservação. Isso, no entanto, é dificultado pela própria situação de conflito que as populações da Botsuana vivem ao presenciar diferentes formas de destruição e mortes causadas por esses animais, e pela ação estatal, que tem facilitado as leis para a caça, indo contra os defensores da preservação. Entretanto, é possível observar que já existe certo nível de conscientização por parte daquela população, a partir da fala de alguns moradores do Delta do Okavango, delimitados pelo estudo de Velempini (2021) como: 

“As pessoas e os animais selvagens estão todos no mesmo ambiente. Todos nós estamos aumentando. Então, quando você e eu dizemos que precisamos aprender a proteger o meio ambiente, devemos considerar o aumento populacional tanto das pessoas quanto dos animais selvagens. Todas as espécies estão em busca de alimento para sobreviver. No passado, não havia congestionamento de pessoas e infraestrutura no rio Okavango.” (Velempini, 2021, p. 417-418)

“Em 1979, eu estava aqui como um menino. Era tudo floresta. Onde há muitas pessoas morando, o espaço para habitação humana se expande. No passado, os animais selvagens podiam vagar por aqui, quando havia menos gente. Agora, as pessoas também invadiram áreas onde os animais costumavam viver, pois a população humana está aumentando.” (Velempini, 2021, p. 418)

Dessa maneira, é possível notar que já existe certo nível de conscientização em uma parte – mesmo que pequena – da população e ainda que a conscientização possa ser uma alternativa difícil, talvez seja uma das mais necessárias e que a longo prazo possa trazer mais benefícios por permitirem a implementação de medidas de proteção da vida selvagem ao mesmo tempo que pode gerar a busca e implementação de novas alternativas para a solução do conflito.

Olson (2002) define ainda a criação de instituições de governança compartilhada e contratos sociais como uma das formas de solução. Para o autor, essas instituições servem para o monitoramento e regulação do comportamento dos grupos, fazendo com que cumpram suas responsabilidades reduzindo a chance de surgirem free-riders. No caso do conflito humano-elefante, para que essa medida funcione, é possível pensar na delimitação de leis que funcionam como uma medida coercitiva para a proteção dos elefantes, por exemplo, com altas penalidades ou multas para quem cometer atos de caça, e a proteção daqueles que fazem denúncias, uma forte preocupação de comunidades da África do Sul, onde havia forte presença da caça furtiva. Pessoas dessas comunidades, ainda que não fossem favoráveis à caça, permaneciam em silêncio por medo de represálias de traficantes de marfim e corno (Anderson; Jooste, 2014).

Para além da lógica de privatização ou delimitação de autoridade central para resolução do problema, Elinor Ostrom (2015), uma das principais pesquisadoras da governança dos bens, apresenta uma perspectiva mais voltada para a capacidade da própria comunidade resolver um dilema de ação coletiva ou possível tragédia dos comuns. A autora define outras medidas para solucionar um dilema de ação coletiva que levariam a uma gestão adequada dos bens comuns e que vai na contramão da teoria de Hardin, que acreditava que recursos comuns seriam superexplorados caso nenhuma medida de controle do uso desses bens fosse tomada.

Ostrom sugere possibilidades como a autogestão e governança local, pois, para ela, muitas vezes as próprias comunidades têm seus recursos para gerenciar o provimento do bem de maneira eficiente e sustentável. Isso pode ser verdade para a gestão de recursos como a água, porém, no caso da preservação, como isso poderia ser possível, se a maior parte da população defende a caça como medida de controle da população de elefantes?

A autora identificou comunidades ao redor do mundo que conseguiam gerenciar bem seus recursos sem levar a seu fim, culminando em uma tragédia dos comuns. O que ela delimita é que as comunidades seguiam alguns princípios básicos que tornavam a gestão dos bens mais eficiente e sustentável. São eles: a delimitação de limites claros de quem tem direito de usar o recurso e os limites para seu uso; regras que sejam compatíveis a cada comunidade; participação da comunidade na criação de regras que normatizam o uso e a manutenção dos recursos; monitoramento eficaz por meio de observadores que podem ser os próprios moradores das comunidades que utilizam os recursos; sanções graduais para quem descumprir as regras delimitadas pela comunidade; mecanismos de resolução de conflitos que sejam acessíveis e baratos para resolver as disputas; reconhecimento da autonomia da comunidade sem grandes interferências externas; e, por fim, a aplicação de uma governança multinível quando necessário, com a participação de outros níveis de gestão, incluso o Estado.

A importância do trabalho de Ostrom (2015), se dá exatamente por apresentar novas alternativas que vão além das tradicionais defendidas que priorizam a privatização ou estatização de recursos comuns, mostrando que a cooperação comunitária pode ser o principal fator para uma gestão eficaz desse dilema. Todavia, considerando a divergência de pensamentos das comunidades em Botsuana afetadas pela questão dos elefantes, é preciso pensar na suficiência de uma gestão que parta apenas da comunidade ou da necessidade de privatização e interferência estatal como já tem ocorrido ao longo dos anos, alternando entre momentos de legalização e proibição da caça pelo governo como uma forma de tentar controlar ou reduzir o problema.

Possibilidades de superação do dilema a partir da perspectiva de autores que estudam o conflito humano-elefante

Apesar de os elefantes serem vistos como o principal problema nesse dilema por grande parte da população e pelo próprio governo, os seres humanos também transformam o ambiente em que vivem e a forma como o modificam é um dos principais fatores nesse conflito. Com o aumento populacional na região, as florestas e savanas que antes eram o habitat desses animais tem sido destruída para a construção de residências, turismo, exploração agrícola, o que interfere no deslocamento desses animais pelo espaço (Songhurst; McCulloch; Coulson, 2016; Velempini, 2021).

Songhurst, McCulloch e Coulson (2016) estudam o comportamento de elefantes africanos no Delta do Okavango, no nordeste da Botsuana, onde eles compartilham seu habitat com humanos, analisando os fatores que influenciam o deslocamento desses animais. O que o estudo descobriu deveria ser um fator de grande importância ao discutir o conflito humano-elefantes. Os autores demonstraram que os elefantes possuem meios de evitar o conflito com humanos, utilizando caminhos que não passam por assentamentos e áreas cultivadas, e ao se moverem por áreas de risco, que apresentam maior presença humana, formam grupos grandes para se deslocarem com maior segurança. 

Além disso, os autores afirmam que não há estudos que consigam comprovar que esses animais são atraídos para áreas de cultivo, mas sim que essas áreas de cultivo e assentamento humano estão localizadas em corredores migratórios que já eram utilizados pelos elefantes pela própria disponibilidade de água e alimento. Todavia, essa modificação do habitat animal faz com que pessoas de comunidades da região também persigam, machuquem e matem elefantes em certos momentos, o que mostra que a violência não começa só de um dos lados.

Imagem 2: Elefantes atravessando estrada do Panhandle do Delta do Okavango

Fonte: Sesinyi (2020) / Velempini (2021)

Dessa maneira, as próprias ações do ser humano, bem como seu aumento populacional (e não apenas dos elefantes) podem ser vistas como uma das principais, senão a principal causadora desse conflito, o que para Velempini (2021), reforça a necessidade de uma ecopedagogia que ensine a valorizar e apreciar os bens comuns naturais que o planeta abriga. Considerando que lavouras e reservas de água disponíveis para esses elefantes hoje abrigam comunidades humanas e lavouras, é normal que esses animais se desloquem por essas áreas na busca por alimentos e migração que culminam na destruição de infraestrutura de comunidades humanas (Velempini, 2021). Dessa maneira, é preciso olhar um pouco mais para o ser humano e não apenas para os elefantes, e como mudanças de práticas humanas que não interfiram na vida desses animais podem ser essenciais para o problema e para que seja possível uma coexistência pacífica.

Assim, uma das medidas citadas pelos autores é a proteção desses caminhos dos elefantes por meio de zonas de amortecimento, livres da presença de comunidades humanas por pelo menos 1 quilômetro (Songhurst; McCulloch; Coulson, 2016; Velempini, 2021). Seria necessário remover zonas de cultivo e comunidades da estradas que já faziam parte das rotas migratórias desses animais, para evitar novas ocorrências de invasões de plantações e outros ambientes. Os autores citam inclusive a utilização de outros meios de dissuasão como o uso de capsicum oleoresin (uma substância extraída das pimentas) ou mesmo de abelhas para gerar maior estímulo negativo para os elefantes não adentrarem regiões povoadas e de cultivo.

Para os autores, todas essas medidas podem ser tão importantes quanto a criação de reservas (Songhurst; McCulloch; Coulson, 2016), mas sem restringir os animais a um determinado espaço, reduzindo áreas que já se habituaram a utilizar. Todavia, é necessário que existam meios de continuar monitorando o movimento desses animais para que a medida seja efetiva, bem como que os governantes e autoridades locais demonstrem vontade política para que esse tipo de implementação funcione.

Velempine (2021, p. 411), considerando a importância de identificar a opinião populacional nesse processo, afirma que o “o futuro dos elefantes em Botsuana se encontra em buscar uma relação sustentável entre a necessidade dos elefantes e das pessoas”. De acordo com o que é proposto por Ostrom (2015), Velempini (2021, p. 412) delimita ainda a importância de estabelecer estratégias que possam ser colocadas em prática pela comunidade local, de maneira interdisciplinar, com a presença por exemplo de “agentes de vida selvagem, professores, agricultores, pessoas locais e veterinários”, o que pode ser mais bem desenvolvido com a ajuda de instituições globais interessadas no problema. É necessário, portanto, haver uma governança compartilhada entre governo, comunidades e autoridades locais,que mantenham um envolvimento contínuo nesse processo, e que envolva a educação e conscientização local, principalmente em aspectos que envolvam a preservação da natureza e da vida animal.

Velempini (2021) ainda reforça a necessidade de que o governo de Botsuana considere as descobertas de pesquisas que envolvem o conflito entre seres humanos e elefantes e trazem ideias de superação desse dilema, para que consiga equilibrar os efeitos da revogação da caça com a proteção da reputação do país como um importante destino para o ecoturismo internacional. É preciso considerar os benefícios que a população acredita ter com o turismo para a caça, mas demonstrar que esses mesmos benefícios podem ser alcançados, por exemplo, por meio do ecoturismo ou do que o autor considera uma “caça sustentável”, o que também é demonstrado na fala de um morador local, oficial de vida selvagem do Departamento de Vida Selvagem e Parques Nacionais (DWNP) que afirma: 

“As pessoas locais podem matar um animal selvagem problemático, mas elas devem entender que os animais selvagens são um recurso para todos. Eles atraem turistas que visitam para atividades como observação de animais, safáris de caça e pesquisa” Velempini (2021, p. 420).

É importante, portanto, integrar as necessidades de toda a comunidade, alinhando estratégias e políticas públicas que visem a solução do problema, reduzindo os impactos do conflito humano-elefante, conservando esses animais de maneira sustentável e ao mesmo tempo garantindo a manutenção de ganhos econômicos e sociais com uma utilização responsável da natureza e seus recursos.

Concluindo, para Velempini (2021), é difícil que o problema seja totalmente extinto, bem como a caça desses animais, mas já existem diferentes meios que possibilitam a mitigação do problema, de maneira sustentável, garantindo a coexistência humano-elefante e a possível redução desse conflito.

Conclusão

A reversão da proibição da caça em Botsuana em 2019 foi apoiada pela população, mas muito criticada por ambientalistas e governos internacionais. Todavia, de acordo com o governo, a medida foi tomada como uma forma de reduzir o aumento das hordas de elefantes e problemas relacionados, como a destruição de plantações, danos a vilarejos, mortes, além das alegações de que a proibição à caça afetou a economia e o turismo local, o que ocasionou em um forte apoio populacional ao retorno a caça.

Todavia, o problema da caça pode ser visto como um dilema de ação coletiva, pois o aumento da população de elefantes e de humanos gera um conflito, já que ambos dependem dos mesmos recursos naturais limitados. Embora os elefantes sejam considerados um bem comum, sua superpopulação causa danos à população humana, destruindo plantações, poços e até matando pessoas. A solução para esse dilema exige encontrar um equilíbrio entre a preservação dos elefantes e a necessidade de recursos para as comunidades locais, evitando uma situação em que ambos os grupos sejam prejudicados, levando à falta de recursos para a sobrevivência humana ou a extinção dos elefantes na região. A caça controlada poderia ser uma possível resposta, mas também gera desafios éticos e ambientais.

A partir da perspectiva de Hardin, Olson e Ostrom, foi possível observar algumas possibilidades de superação para um dilema como esse. Hardin delimita a regulação centralizada e a privatização dos recursos, o que no caso desse dilema poderia ser a delimitação de reservas pelo Estado ou a privatização desses espaços para preservação animal. Além disso, é importante haver mudança na ética e valores coletivos, aumentando a conscientização sobre o problema. Para Olson, a intervenção de uma autoridade central, como o governo, pode regulamentar o uso dos recursos e a própria caça, garantindo que seja sustentável e não sobreutilizada. Enquanto isso, Ostrom delimita alternativas que vão na direção contrária à centralização e privatização, como a autogestão comunitária, que a partir do respeito a alguns princípios como a delimitação do uso, participação comunitária na criação de regras, monitoramento e sanções graduais, pode ser eficiente na resolução do conflito. Assim, segundo esses autores, a solução para o dilema em Botsuana pode envolver uma combinação de governança local, intervenção estatal e privatização de áreas de proteção, desde que essas medidas sejam adaptadas à realidade local e considerem o equilíbrio entre os interesses humanos e a preservação ambiental.

A superação desse conflito, de acordo com autores que estudam o tema, deve considerar que a causa não vem apenas dos elefantes, mas da própria modificação humana do ambiente em que os animais já viviam, bem como do aumento da população humana. Os elefantes, de acordo com seus estudos, conseguem modificar seus comportamentos para evitar regiões com grande quantidade de pessoas e muitas vezes se envolvem nesse conflito, não apenas por oportunismo, mas por essas comunidades humanas, plantações e outras estruturas estarem dentro de suas rotas migratórias. Dessa maneira, algumas possíveis formas de mitigar esse conflito poderiam envolver a criação de zonas de amortecimento dentro das rotas, junto de outras medidas de dissuasão que desencorajem os elefantes a invadir áreas de assentamentos. É importante ainda que a comunidade participe ativamente desse processo por meio de uma governança compartilhada, que tenha a participação do governo, da população e de especialistas, e que, acima de tudo, sejam feitas medidas que incentivem a educação na promoção da conscientização ambiental e dos benefícios que a preservação da vida animal podem oferecer às comunidades.

Portanto, embora o conflito humano-elefante talvez não possa ser completamente erradicado (pelo menos no curto prazo), é possível mitigar o problema por meio de ações coordenadas e sustentáveis, que envolvem tanto a proteção ambiental quanto o apoio ao desenvolvimento econômico local.

Referências

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OSTROM, Elinor. Governing the commons: The evolution of institutions for collective action. 1. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2015. 294 p.

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