Texto Conjuntural Países Amazônicos #17

TRÁFICO NA FRONTEIRA COLOMBIANO-PERUANA: AMAZÔNIA ENTRE O ABANDONO ESTATAL E A EXPANSÃO NARCO
17/07/2025
Por: Isabela Buters Godinho
A fronteira amazônica entre Colômbia e Peru, marcada por densas florestas e rios de difícil navegação, representa hoje um dos eixos menos visíveis, porém mais estratégicos, do narcotráfico transnacional na América do Sul. A ausência crônica de presença estatal efetiva, somada às condições socioeconômicas precárias de populações ribeirinhas e indígenas, criou um espaço ideal para a consolidação de redes criminosas ligadas à produção, refino e circulação de cocaína. Nesse contexto, o narcotráfico não apenas explora a geografia do abandono, como também molda formas alternativas de poder e organização social nas margens do Estado.
Distribuição dos cultivos de coca na América do Sul

(https://www.researchgate.net/figure/Map-outlining-each-of-the-known-South-American-coca-growing-regions-investigated_fig1_299369374)


Historicamente, tanto o Peru quanto a Colômbia estiveram entre os maiores produtores de folha de coca do mundo. Enquanto o Peru se consolidou como o principal fornecedor de matéria-prima para o narcotráfico nas regiões de Loreto e Ucayali, a Colômbia, especialmente no departamento do Putumayo, tornou-se um centro de refino e circulação da droga. A fronteira entre os dois países, por sua vez, é fluida e de difícil controle. Os rios Putumayo, Napo e Amazonas funcionam como corredores logísticos, permitindo a mobilidade de cargas ilegais sem grande interferência das autoridades estatais.
Mapa de rotas e zonas de tráfico no Putumayo

(https://insightcrime.org/investigations/expanding-drug-trafficking-peru-colombia-brazil-border/)


A atuação de grupos armados irregulares na região é um agravante significativo. Na Colômbia, dissidências das FARC e do ELN mantêm presença ativa no Putumayo, utilizando a renda gerada pelo narcotráfico para financiar suas operações e controlar territórios. Essas organizações impõem regras, taxas e sanções, muitas vezes substituindo o Estado na regulação da vida cotidiana. No lado peruano, embora a presença armada seja menos institucionalizada, redes intermediárias de narcotraficantes locais operam em articulação com os grupos colombianos, facilitando o trânsito da droga e articulando circuitos de lavagem de dinheiro.
As populações locais são as mais impactadas por esse contexto. Ribeirinhos e indígenas, como os povos Tikuna, Huitoto e Yagua, vivem em meio a ameaças constantes, recrutamento forçado, trabalho escravo e deslocamentos forçados. Muitas dessas comunidades são pressionadas a colaborar com redes criminosas , seja por medo, seja por necessidade. O narcotráfico, nesse cenário, se insere como parte da economia regional: oferece trabalho, segurança e renda em locais onde o Estado é ausente ou hostil.
As estratégias de combate ao tráfico implementadas por Colômbia e Peru ainda se baseiam fortemente na militarização e na erradicação forçada dos cultivos de coca. Tais ações, embora pontuais, têm demonstrado baixa eficácia. A destruição de plantações, sem alternativas econômicas viáveis, gera instabilidade social e conflitos locais. A experiência da Colômbia com o Plano Patriota e a do Peru com o Plano VRAEM revelam que sem o fortalecimento das instituições civis e da infraestrutura básica , como saúde, educação, saneamento e transporte, o ciclo do tráfico se mantém. A repressão sem inclusão apenas desloca a produção e aprofunda a vulnerabilidade.
Além disso, a cooperação internacional ainda é limitada. A ausência de uma política amazônica integrada entre os países sul-americanos impede a construção de estratégias de inteligência e fiscalização conjuntas. Fronteiras como a do Putumayo permanecem como zonas cinzentas, ignoradas pelas metrópoles políticas e dominadas por redes ilegais que operam com agilidade logística e controle territorial.
Mapa da expansão da coca entre 2018–2023

(https://ojo-publico.com/5157/narco-deforestation-new-coca-map-destroys-andean-amazon)
Dessa forma, a fronteira entre Colômbia e Peru não é apenas uma linha geográfica, é um símbolo das contradições que marcam a Amazônia: entre soberania e abandono, entre desenvolvimento e exclusão, entre repressão e resistência. Romper esse ciclo exige mais do que patrulhamento: exige políticas públicas enraizadas nos territórios, que combinem segurança humana, justiça social e reconhecimento cultural.

REFERÊNCIAS
ACNUR. Informe sobre desplazamientos forzados en la Amazonía. Genebra: ACNUR, 2022. Disponível em: https://www.acnur.org. Acesso em: 17 jul. 2025.
CONAMAQ. Alternativas al cultivo de coca en la Amazonía peruana: políticas de desarrollo y erradicación. Lima: Ediciones CONAMAQ, 2019.
HERNÁNDEZ, L. El narcotráfico y los grupos armados en la Amazonía colombo-peruana. Bogotá: Ediciones Pensar, 2019.
HRW – HUMAN RIGHTS WATCH. Perú y Colombia: comunidades atrapadas entre el narcotráfico y el abandono estatal. Nova York, 2022. Disponível em: https://www.hrw.org. Acesso em: 17 jul. 2025.
INSIGHT CRIME. Expanding drug trafficking on the Peru-Colombia-Brazil border. InSight Crime, [s. l.], 2023. Disponível em: https://insightcrime.org/investigations/expanding-drug-trafficking-peru-colombia-brazil-border/. Acesso em: 17 jul. 2025.
JARAMILLO, F. La erradicación de cultivos ilícitos en América del Sur: impactos y desafíos. Bogotá: Fundación Ideas para la Paz, 2018.
OJOPÚBLICO. Narco-deforestation: new coca map destroys the Andean Amazon. Ojo Público, [s. l.], 2023. Disponível em: https://ojo-publico.com/5157/narco-deforestation-new-coca-map-destroys-andean-amazon. Acesso em: 17 jul. 2025.
RESEARCHGATE. Map outlining each of the known South American coca growing regions. ResearchGate, [s. l.], 2016. Disponível em: https://www.researchgate.net/figure/Map-outlining-each-of-the-known-South-American-coca-growing-regions-investigated_fig1_299369374. Acesso em: 17 jul. 2025.
TOTAL NEWS AGENCY. La expansión del narcotráfico en la frontera de Perú con Colombia y Brasil. Total News Agency, [s. l.], 10 ago. 2023. Disponível em: https://totalnewsagency.com/2023/08/10/la-expansion-del-narcotrafico-en-la-frontera-de-peru-con-colombia-y-brasil/. Acesso em: 17 jul. 2025.
UNODC – UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME. World Drug Report 2023. Viena: UN Publications, 2023. Disponível em: https://www.unodc.org/unodc/en/data-and-analysis/wdr2023.html. Acesso em: 17 jul. 2025.

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