Texto Conjuntural: Golfo da Guiné #15 – O trabalho infantil em São Tomé e Príncipe

Mariane Monteiro da Costa

O trabalho infantil refere-se a crianças trabalhando em contravenção às normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) contidas nas Convenções 138 e 182[1]. Isto envolve crianças menores de 12 anos trabalhando em quaisquer atividades econômicas, aquelas com idades entre 12 e 14 anos envolvidas com trabalhos mais que leves, e todas as crianças envolvidas nas piores formas de trabalho infantil. (UNICEF, s/d).

Este é um problema que atinge milhões de crianças ao redor do globo. Dados recentes do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), da OIT e do Banco Mundial indicam que cerca de 168 milhões de crianças entre 5 e 17 anos já trabalham. Algumas destas crianças sofrem com outras formas de trabalho infantil, tais como a escravidão e práticas análogas como o trabalho forçado, crianças utilizadas como soldados de guerra, exploração sexual ou são usadas por adultos em atividades ilícitas, incluindo o tráfico de drogas. (UNICEF, 2017).

Apesar de o número de crianças que passam por essa situação ter decrescido, ainda há muito a se melhorar. Estima-se que até 2020, ainda teremos mais de 100 milhões de crianças trabalhando forçosamente, número bastante elevado. A persistência do problema cria uma ameaça para as economias nacionais e tem consequências negativas a curto e longo prazo no que tange o cumprimento dos direitos da criança, incluindo a exposição à violência e a negação da educação. Além disso, o trabalho infantil reforça ciclos de pobreza e impede o progresso para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Um desses ODS é de “assegurar a proibição e eliminação das piores formas de trabalho infantil, incluindo o recrutamento e o uso de crianças soldado, e até 2025 acabar com o trabalho infantil em todas as suas formas”. (UNICEF, 2017, tradução minha[2]).

O trabalho infantil está presente em todos os continentes. As estimativas indicam que a situação é pior na Ásia e na região do pacífico, sendo seguida pela África, que possui cerca de 48 milhões de crianças trabalhadoras. Isto significa que 29% – quase uma criança em três – é economicamente ativa antes mesmo de chegar aos 15 anos de idade. (UNICEF, s/d). Em São Tomé e Príncipe, especificamente, a taxa de trabalho infantil, no período de 2010 a 2016, é de 26% das crianças, sendo que a maioria delas é proveniente de áreas rurais. (UNICEF, 2017).

 São Tomé e Príncipe é uma ilha localizada no Golfo da Guiné e possui uma população de pouco mais de 201 mil pessoas. A economia do país é pequena e baseada primordialmente na produção agrícola e depende da exportação de cacau. A ilha depende das importações de comida, combustíveis, da maioria dos bens manufaturados e a mudança nos preços das commodities afetam a taxa de inflação do país. (CIA, 2018).

São Tomé e Príncipe ratificou a Convenção sobre os Direitos da Criança em 1991. (OHCHR, 2014). O artigo 32 desta Convenção versa sobre o trabalho infantil:

1 – Os Estados Partes reconhecem o direito da criança de estar protegida contra a exploração econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho que possa ser perigoso ou interferir em sua educação, ou que seja nocivo para sua saúde o para seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social.
2 – Os Estados Partes adotarão medidas legislativas, sociais e educacionais com vistas a assegurar a aplicação do presente Artigo. Com tal propósito, e levando em consideração as disposições pertinentes de outros instrumentos internacionais, os Estados Partes deverão, em particular:

a) estabelecer uma idade mínima ou idades mínimas para a admissão em emprego;

b) estabelecer regulamentação apropriada relativa a horários e condições de emprego;

c) estabelecer penalidades ou outras sanções apropriadas a fim de assegurar o cumprimento efetivo do presente Artigo. (UNICEF BRASIL, s/d).

Desta maneira, segundo as normas do Direito Internacional, ao ratificar a Convenção o país se compromete tanto a nível interno quanto internacional e, portanto, deve seguir à risca o que é expressado no texto da Convenção. (PIOVESAN, 2013). No entanto, o trabalho infantil é um problema reconhecido em São Tomé e Príncipe. Desde 2011 o governo são tomense vem fazendo pequenos avanços em relação ao trabalho infantil. Primeiramente, aprovou quatro áreas consideradas como alvo para combater o problema. Em seguida, lançou o programa Rede Nacional para a Educação para Todos, que inclui uma coleção de dados estatísticos ampla para melhor entender o status atual da educação no país. Porém, os programas do governo não focam em todos os setores que as crianças se envolvem com as piores formas de trabalho infantil. (USDLBILA, 2011).

As crianças das cidades e dos centros urbanos se envolvem em trabalhos perigosos, principalmente a venda de mercadorias nas ruas. Crianças que trabalham nas ruas são vulneráveis a condições climáticas severas, acidentes de trânsito e crimes. A forma mais comum de trabalho infantil em São Tomé e Príncipe é o trabalho leve em fazendas e plantações em áreas rurais. Crianças que trabalham na agricultura podem usar ferramentas perigosas, transportar cargas pesadas e aplicar pesticidas nocivos à saúde. E, por fim, algumas crianças trabalham como domésticas. Assim, trabalham longas horas e são isoladas em casas privadas onde estão suscetíveis a abusos físicos e sexuais. (USDLBILA, 2011).

Diante do exposto, mesmo o Estado são tomense reconhecendo o problema, na prática, pouco foi feito. É necessário que o país adote, de fato, medidas que possam evitar ao máximo a prática que é tão comum na região. Assim, é preciso monitorar principalmente as áreas em que o trabalho infantil acontece com maior frequência. Além disso, o incentivo para que as crianças permaneçam e se mantenham na escola deve ser maior e pode ser um recurso fundamental para cortar o problema pela raiz. É importante também que a sociedade internacional se mobilize em relação a esta questão: o país assinou e ratificou o Tratado Internacional que reconhece os direitos das crianças então, como se comprometeu com esta causa, o Estado deve cumpri-lo. O papel dos demais Estados seria de pressionar e incentivar que São Tomé e Príncipe adote as medidas necessárias para cumprir e acabar com o trabalho infantil em seu território. Por fim, é essencial reconhecer o trabalho das Organizações Internacionais, tal como a UNICEF, de pôr em prática os direitos da criança e pensar em ações conjuntas com elas, que podem ter muito a contribuir em termos de soluções inovadoras por causa de sua experiência no assunto.

REFERÊNCIAS

CIA. The World Factbook: Togo. Central Intelligence Agency, 2018. Disponível em: <https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/to.html&gt; Acesso: 16 set. 2018.

OHCHR. Status of Ratification Interactive Dashboard: ratification of 18 International Human Rights Treaties. Office of the High Comissioner of Human Rights, 2014. Disponível em: <http://indicators.ohchr.org/&gt; Acesso em: 18 set. 2018.

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. Editora Saraiva, 14ª edição, São Paulo, 2013.

UNICEF(a). Child Labour. Unicef Data, Global Databases, Novembro de 2017.

UNICEF(b). Child Protection from violence, exploitation and abuse: child labour. Unicef, maio de 2017. Disponível em: <https://www.unicef.org/protection/57929_child_labour.html&gt; Acesso em: 18 set. 2018.

UNICEF. Factsheet: Child Labour. s/d. Disponível em: <https://www.unicef.org/protection/files/child_labour.pdf&gt; Acesso em: 18 set. 2018.

UNICEF BRASIL. Convenção sobre os Direitos da Criança. Unicef Brasil, s/d. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10120.html&gt; Acesso em: 18 set. 2018.

UNITED STATES DEPARTMENT OF LABOR’S BUREAU OF INTERNATIONAL LABOR AFFAIRS. 2011 Findings on the worst forms of child labor. USDLBIL, 2011. Disponível em: <https://www.dol.gov/ilab/reports/child-labor/findings/2011TDA/saotomeprincipe.pdf&gt; Acesso em: 18 set. 2018.

 

[1] A Convenção 138 define a idade mínima de admissão ao trabalho e empregos, enquanto a Convenção 182 determina as piores formas de trabalho infantil.
[2] Secure the prohibition and elimination of the worst forms of child labour, including recruitment and use of child soldiers, and by 2025 end child labour in all its forms.

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