Commodities, Wikileaks e Percepção: Uma breve análise da política externa do Equador no Pós-correísmo
Data: 29\08\2019
Ricardo Memoli
Em Novembro de 2010 o governo da Suécia emitiu uma ordem de prisão contra Julian Assange por supostos episódios de abuso sexual. Ele negou as acusações e afirmou que esta seria apenas uma forma de facilitar uma futura extradição aos Estados Unidos. Apesar disso, o hacktivista se entregou à polícia de Londres em Dezembro de 2010 e foi solto após pagar fiança. Diante da negativa de seu apelo contra a extradição à Suécia, o governo do Equador lhe concedeu asilo de sua embaixada em Londres em Agosto de 2012, e lá permaneceu até ser levado em custódia pela Polícia Metropolitana de Londres, em Abril de 2019. A ordem de prisão por parte da justiça britânica foi decretada por violação de termos da fiança, e não pelo processo iniciado pela Suécia. Destarte, proponho uma breve análise da influência que o afastamento político de Lenín Moreno, atual presidente Equatoriano, de seu antecessor, Rafael Correa, e a queda do preço do petróleo tiveram no encarceramento de Assange.
Wikileaks
Julian Assange criou o portal Wikileaks em Outubro de 2006 com o objetivo de “publicar material original junto às notícias para leitores e historiadores possam ver a evidência da verdade” (WIKILEAKS, 2011, tradução nossa). Em 2010 Chelsea Manning, então analista de inteligência do exército dos Estados Unidos, transferiu arquivos da rede confidencial do exército a um pendrive e os forneceu a Assange, que os publicou no Wikileaks. O departamento de justiça norte americana acusa Assange de incentivar e auxiliar na obtenção ilegal dos arquivos. O caso contra ele não é baseado na divulgação de ditos documentos, já que isto criaria um precedente perigoso contra a liberdade de imprensa, protegida pela primeira emenda à constituição do país (ESTADOS UNIDOS, 1789).
O caso tem gerado fortes disputas nos Estados Unidos, país com um amplo histórico de proteção das liberdades individuais. Por um lado, diversos jornalistas têm se levantado em defesa do acusado, dizendo que qualquer tipo de represália contra ele estaria em discordância com os preceitos de liberdade de imprensa sob os quais a democracia do país foi construída. Outros questionam a moralidade por trás de suas ações, enfatizando os métodos ilegais por ele utilizados para conseguir acesso aos documentos confidenciais e a divulgação aparentemente indiscriminada destes, que teria posto em risco a segurança dos países e dos agentes individuais mencionados pelas publicações.
Mudanças na política externa equatoriana
Lenín Moreno foi vice-presidente do Equador entre 2007 e 2013, servindo na administração de Rafael Correa. Em 2017 venceu as eleições e se tornou presidente do país. Após eleito, Moreno passou a distanciar-se de seu antecessor em diversos aspectos, desde a abertura do diálogo com os Estados Unidos à redução do gastos públicos. Enquanto o ex-mandatário buscava demonstrar a fortaleza do estado Equatoriano agindo como líder das instituições regionais, seu sucessor tende a propôr um maior alinhamento com o seu mais importante aliado comercial, os Estados Unidos. Esta aproximação pode ser explicada, em parte, pela queda do preço do barril de petróleo. Durante a era Correa, o preço médio do barril foi de USD 83.66, o que gerou uma movimentação econômica importante para o país. No entanto, a partir do 2015, houve uma queda significativa no preço do barril, chegando a USD 46.54 em 2019. Considerando a vulnerável posição econômica atual do Equador, não surpreende que o país busque ativamente colaborar com os interesses daquelas nações com as quais vê maiores oportunidades de intercâmbio comercial com vistas a reverter o declive econômico causado pela redução do preço do commodity que representa 29% das exportações do país em 2017 (Observatory of Economic Complexity, 2019). Esta política tem funcionado, considerando o aumento de 19.5 % das exportações do Equador aos Estados Unidos em 2018 com relação ao 2017.
Assim, colocar Assange à disposição destes países é um passo natural nesta direção. Sob a administração do ex-presidente Rafael Correa, o governo Equatoriano facilitou a estadia de Assange na embaixada, protegendo-o e fornecendo-lhe a estrutura necessária para que desse seguimento a suas atividades no Wikileaks. Para o ex-mandatário, o ativista era um asset importante em sua política oposicionista frente aos Estados Unidos e servia como símbolo desta. No entanto, desde que Moreno assumiu o poder, ele passou a ser sujeito a uma série de regras cada vez mais restritivas. Dentre elas destacam-se a proibição do uso do sistema de internet da embaixada, controle do número de visitas que poderia receber semanalmente e a suspensão do pagamento do serviço de lavanderia e limpeza de seu espaço pessoal. Finalmente, em abril de 2019 o presidente equatoriano revogou o asilo do Australiano, apontando seu comportamento “errático” e “desrespeitoso” como principal motivo da decisão. Porém, o mandatário garantiu ter tomado medidas para assegurar que seu antigo hóspede não seria extraditado a países onde existe a pena de morte ou onde a tortura é utilizada como método de interrogação.
Sobre a prisão de Assange, Correa comentou que é “uma das maiores humilhações da história do país. E vai destruir a credibilidade internacional do Equador” (CORREA, 2019). Para o ex-presidente equatoriano, manter Assange sob seu domínio representava um trunfo de sua política externa. Ao não ceder às pressões de atores poderosos para facilitar a sua prisão, seu governo enviava uma mensagem de liderança e autonomia no cenário internacional. No entanto, é necessário considerar que sua confiança na capacidade do Equador de assim se posicionar era, em parte, ancorada numa economia aquecida pelo alto preço médio do barril de petróleo durante a sua gestão.
Conclusão
Percebe-se nesta breve análise a necessidade de considerar a atuação do presidente Lenín Moreno no caso de Julian Assange observando tanto as pressões externas do mercado internacional como suas próprias percepções políticas frente à sociedade equatoriana como antigo aliado político de Rafael Correa. Robert Jervis indica que
A lógica nos permite distinguir entre o “ambiente psicológico” (o mundo como o ator o vê) e o “ambiente operacional” (o mundo no qual a política será levada a cabo) e argumentar que as políticas e as decisões devem ser mediadas pelos objetivos, cálculos e percepções dos estadistas. (JERVIS, 1976, p. 13, tradução nossa).
A resolução do governo de Moreno de entregar australiano à Polícia Metropolitana de Londres envia dois sinais muito claros: sua visão da necessidade de fomentar uma política econômica liberal e a ruptura definitiva de sua relação com Rafael Correa. Assim, entende-se como a percepção do presidente Equatoriano do cenário político doméstico e das tendências do mercado internacional nos últimos dois anos foram de grande relevância para a prisão de Julian Assange.
REFERÊNCIAS:
JERVIS, Robert. Perception and misperception in international politics. New Edition, p. 13-31. Princeton; Oxford: Princeton University Press, 1976.
ESTADOS UNIDOS. Constituição dos Estados Unidos da América. Folha de São Paulo. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs20129807.htm
VIANA, Natalia. “Prisão de Assange é vingança pessoal do presidente equatoriano”, diz Rafael Correa. Agência Pública. Disponível em: <https://apublica.org/2019/04/prisao-de-assange-e-vinganca-pessoal-do-presidente-equatoriano-diz-rafael-correa/>.
BORJA, María Sol. Julian Assange podría convertirse en la piedra en el zapato de Ecuador. The New York Times. Disponível em: <https://www.nytimes.com/es/2019/04/18/julian-assange-lenin-moreno/>.
What does Ecuador export? Observatory of Economic Complexity (OEC/MIT). Disponível em: <https://atlas.media.mit.edu/en/visualize/tree_map/hs92/export/ecu/all/show/2017/>.
- Assange demanda al gobierno de Ecuador por sus “derechos fundamentales”. El Comercio. Disponível em: <https://elcomercio.pe/mundo/actualidad/julian-assange-demanda-gobierno-ecuador-derechos-fundamentales-noticia-nndc-569300>.
ESPA, Sara. Ecuador rompe hasta en lo simbólico con el modelo político de Rafael Correa. EL PAÍS. Disponível em: <https://elpais.com/internacional/2019/03/16/america/1552769459_278119.html>.
POLÍTICA, Redacción. La política exterior pasó de Gobierno a una de Estado. El Telégrafo. Disponível em: <https://www.eltelegrafo.com.ec/noticias/politica/3/politica-exterior-cancilleria-ecuador>.
BOOTH, William. WikiLeaks’ Assange arrested in London, accused by U.S. of conspiring in 2010 computer hacking attempt. Disponível em: <https://www.washingtonpost.com/world/europe/wikileakss-julian-assange-evicted-from-ecuador-embassy-in-london/2019/04/11/1bd87b58-8f5f-11e8-ae59-01880eac5f1d_story.html?noredirect=on&utm_term=.577da4ce15a0>
SAVAGE, Charlie. Press Freedoms and the Case Against Julian Assange, Explained. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2019/04/11/us/politics/assange-indictment.html>