Texto Conjuntural: Cone Sul #5 – A interrupção das participações da Argentina no Mercosul

A interrupção das participações da Argentina no Mercosul: Motivações e Implicações da medida

Giulia Schettini

Nessa última sexta feira (24), a Argentina anunciou a interrupção de suas participações nas negociações presentes e futuras do Mercosul (COLOMBO; COLETTA; CARAM, 2020). Frente tal decisão que impacta significativamente as negociações em curso pelo bloco, e considerando o atual contexto de imprevisibilidade, a presente análise de conjuntura se concentra em compreender quais foram os fatores que levaram a Argentina a tomar tal medida e quais seriam as implicações de tal suspensão, no que tange ambas a integração regional assim como os atuais acordos em curso. Para delimitar tais fatores será realizada uma apresentação do histórico das relações no bloco, e quais são suas tendências, além de uma análise não só da atual conjuntura regional, no que tange às divergências políticas e o grau de integração, mas também do contexto em que se encontra o país.

O MERCOSUL foi criado a partir do Tratado de Assunção, em 1991, quando o Paraguai e o Uruguai foram incorporados a um programa de integração já desenvolvido em conjunto entre Argentina e Brasil, visando a criação de um mercado comum (PIANI; KUME, 2005). O bloco, caracterizado como uma União Aduaneira, foi criado em um contexto marcado pelo chamado “regionalismo aberto”, definido como

“Um processo de crescente interdependência no nível regional, promovida por acordos preferenciais de integração e por outras políticas, num contexto de liberalização e desregulação capaz de fortalecer a competitividade dos países da região e, na medida do possível, constituir a formação de blocos para uma economia internacional mais aberta e transparente (CEPAL, 1994)”.

Assim, pode-se entender o mesmo como um esforço de integração regional que visava introduzir e fortalecer o papel de países da América Latina, ou pelo menos de suas maiores economias, na economia política internacional que apresentava tendências a liberalização (FLORÊNCIO; ABREU, 2015). Para isso, o MERCOSUL instituiu a criação de uma TEC (Tarifa Externa Comum), que foi estabelecida em 1995 mas que apenas entraria efetivamente em vigor em 2006 (PIANI; KUME, 2005). Ao longo dos anos a TEC foi diversas vezes flexibilizada frente interesses macroeconômicos dos parceiros do bloco, que, com a aprovação dos parceiros, incorporavam possíveis custos de medidas que violassem essas tarifas (PIANI; KUME, 2005). Dessa forma, a TEC representa um custo para os países na medida em que sacrifica parte dessa liberdade em condução de política comercial em troca de ganhos concretos (FLORÊNCIO; ABREU, 2015).

Esses ganhos são facilmente observados ao longo da primeira década de existência do bloco, uma vez que as exportações de todos os quatro membros do bloco aumentaram significativamente. No entanto, são observados algumas insuficiências do bloco no que se refere a comparações com o grau de exportação regional sobre exportações totais dos países, tendo uma média muito inferior a de outros blocos econômicos, e grau de liberalização observado, além da quantidade de acordos firmados pelo bloco. Ademais, pode-se observar uma recente crise do bloco, que perdeu relevância política e dinamismo comercial ao longo dos anos (FLORÊNCIO; ABREU, 2015).

Apresentado o histórico do MERCOSUL e do recente contexto em que o mesmo se encontra, é importante demarcar a atual situação da Argentina uma vez que esses elementos influenciam o processo de tomada de decisão referente a interrupção das participações do país nas negociações do bloco.

O país enfrenta hoje uma gravíssima crise econômica, com aumento expressivo de taxas de pobreza e desemprego e uma inflação que bateu 53,8% no ano de 2019, além de dívida de U$D335 bilhões (O GLOBO, 2020). No entanto, o cenário do país, que já apresentava dificuldades em lidar com a crise frente divergências políticas entre o presidente Alberto Fernández e a vice Cristina Kirchner, foi intensamente agravado pela atual pandemia (O GLOBO, 2020). O presidente determinou que rígidas medidas de isolamento social fossem adotadas, levando a redução das atividades econômicas do país, nesse contexto, com a já frágil situação econômica que o país se encontrava anteriormente à crise, as previsões do Banco Mundial sobre o PIB do país são de queda em 5,2% (CARMO, 2020).

 Ademais, no que tange alinhamentos econômicos dentro do MERCOSUL, já era possível observar um certo afastamento do líder argentino em relação ao Brasil, frente divergências com o chefe do executivo brasileiro, Jair Bolsonaro, desde as eleições presidenciais na Argentina. Não obstante, é possível observar um esforço brasileiro no sentido de uma expansão na abertura econômica, com provável alinhamento tanto do Uruguai quanto do Paraguai sobre essas medidas liberalizantes, além de um interesse do governo brasileiro em reduzir a TEC. (ROSA, 2019)

No atual contexto de crise de saúde e encaminhamento de provável crise econômica, no que tange as perspectivas sobre os próximos passos do bloco, os líderes de Uruguai, Brasil e Paraguai apresentam movimentações no sentido de acelerar negociações de acordos de livre comércio, como negociações com o Canadá, Singapura, Coréia do Sul, Índia e Líbano, enquanto o líder argentino caminha contrariamente ao priorizar medidas mais protecionistas, voltadas a narrativa de proteção de empresas nacionais e da população mais pobre. Tais interesses e divergências constituem os principais argumentos utilizados por Fernández para explicar a suspensão das participações nas negociações presentes e futuras do bloco. (MOLINA, 2020)

Essa suspensão aponta que o país não estará presente nas negociações de acordos de livre comércio já apontados anteriormente, apenas dando continuidade aos acordos já assinados pelo bloco com a União Europeia, em 2019, e Associação de Livre Comércio Europeia (MARIN, 2020). Ademais, tal suspensão se dá somente no âmbito econômico, de forma que a Argentina continuará fazendo parte da cooperação nas áreas de defesa, saúde e política. Na esfera econômica, tal medida implica em novas flexibilizações ao bloco, uma vez que, deverão ser feitas modificações nas restrições de negociação do bloco, que apenas permitem negociações comerciais sobre tarifas feitas em conjunto, fragilizando ainda mais a União Aduaneira. (ARANHA, 2020) Nesse sentido, é possível observar, por parte do Governo brasileiro, a existência da possibilidade de transformação da presente União Aduaneira, marcada por um mercado comum, a uma Zona de Livre Comércio (ZLC), que apresenta maior autonomia para os estados membros. No entanto, tal possibilidade ainda é tida como pouco provável no momento (COLOMBO; COLETTA; CARAM, 2020).

 A possibilidade de transformação do MERCOSUL em uma ZLC teria como consequências a maior autonomia em relação à condução de política comercial dos países membros, com suas respectivas tarifas diferentemente do atual regime de TEC,  mas também a perda de poder de barganha sobre as negociações tratadas (FLORÊNCIO; ABREU, 2015). No que se refere somente a uma flexibilização que não implique em modificação robusta na estrutura do bloco, é apresentada a possibilidade de que o consenso não seja tão limitante no que se refere os interesses de ampliação da abertura comercial por membros do MERCOSUL (TOMAZELLI, 2020).

 Dessa forma, pode-se concluir que a suspensão das participações nas negociações presentes e futuras do MERCOSUL por parte da Argentina possui como causa não apenas o contexto delicado provocados pelas crises econômica e de saúde, mas também divergências políticas entre os membros do bloco no que se refere a condução de política comercial em um cenário de imprevisibilidade e crise eminente.

Além disso, é possível observar uma tendência ao aumento dessas flexibilizações na medida em que pode-se observar não apenas crescentes dificuldades de que se estabeleça consenso entre os principais atores regionais mas também progressiva fragmentação da integração regional. Isso se dá em uma conjuntura em que o MERCOSUL já apresentava diversos desgastes frente a recente crise provocada pela perda de seu dinamismo comercial e de sua influência e frequentes flexibilizações frente dificuldade de que fosse estabelecido o consenso na quantificação da TEC ao longo dos anos, como apresentado na análise (FLORÊNCIO; ABREU, 2015). Tal fragilização do bloco são intensificados a partir da interrupção de atividades de um de seus principais atores, a Argentina, de forma que é importante observar quais serão os próximos passos dos países membros no tocante de suas interações com o bloco, que apresenta tendências de aumento da autonomia dos membros frente observação destes da necessidade de aceleração de acordos.

Referências bibliográficas:

COLOMBO, Silvia; COLETTA, Ricardo; CARAM, Bernardo. Argentina suspende participação em negociações comerciais no Mercosul. Folha de São Paulo. 25 abr. 2020. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/04/argentina-suspende-participacao-no-mercosul.shtml> Acesso em: 28 abr. 2020.

ARANHA, Carla. Saída da Argentina das negociações põe em xeque futuro do Mercosul. Exame. 25 abr. 2020. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/mundo/saida-da-argentina-das-negociacoes-poe-em-xeque-futuro-do-mercosul/> Acesso em: 28 abr. 2020

TOMAZELLI, Idiana. Brasil pode tirar proveito de decisão. Estadão. 25 abr. 2020. Disponível em: <https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-pode-tirar-proveito-de-decisao,70003283095> Acesso em: 28 abr. 2020.

MARIN, Denise. Argentina diz não aos acordos externos do Mercosul e se choca com Brasil. Veja. 25 abr. 2020. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/mundo/argentina-diz-nao-aos-acordos-externos-do-mercosul-e-se-choca-com-brasil/> Acesso em: 28 abr. 2020.

MOLINA, Frederico. Argentina abandona negociações futuras do Mercosul e paralisa bloco. El País. 25 abr. 2020. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/internacional/2020-04-26/argentina-abandona-as-mesas-de-negociacao-e-congela-parcialmente-o-mercosul.html> Acesso em: 28 abr. 2020.

FLORÊNCIO, Lima; ABREU, Sérgio. Trajetória do Mercosul e mudança de paradigmas e de posições da política externa brasileira: começo virtuoso e crise recente. Ipea. Brasília. ago, 2015. Disponível em: <http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/5330/1/td_2125.pdf> Acesso em: 28 abr. 2020.

ROSA, Ana Beatriz. Divergências entre Brasil e Argentina ameaçam investimentos para Mercosul. Huffpost. 12 nov. 2020. Disponível em: <https://www.huffpostbrasil.com/entry/brasil-mercosul-saida_br_5dbb31b5e4b066da552e971b?guccounter=1&guce_referrer=aHR0cHM6Ly93d3cuZ29vZ2xlLmNvbS8&guce_referrer_sig=AQAAALKvvQgvdI1Kat2b3eYRdgLpMQRQaLZQqtLrgvTKEWqIZIhraKkCxqq95gTIaab0GZzlk0uTPRXppRCdJz53P7Y4xyQk9BPvIAv-VNKHJyF_I9YY2gZIcxAEDFTZ4OhKk0dT15YxErlYyQ3CEZCNZkVfCUvsON-KfNe8oQP1LXD7> Acesso em: 28 abr. 2020.

CARMO, Marcia. Como medidas de isolamento contra coronavírus aumentaram popularidade do presidente da Argentina. BBC News. 14 abr. 2020. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-52276340> Acesso em: 28 abr. 2020

POR dentro da crise econômica na Argentina. O Globo. 28 jan. 2020. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/podcast/por-dentro-da-crise-economica-na-argentina-24214853

https://oglobo.globo.com/opiniao/argentina-enfrenta-confluencia-de-crises-na-saude-na-economia-1-24392072> Acesso em: 28 abr. 2020.

PIANI, Guida; KUME, Honório. Mercosul: o dilema entre união aduaneira e área de livre comércio.Revista de Economia Politítica, vol.25, no.4. São Paulo. Oct./Dec, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31572005000400004> Acesso em: 28 abr. 2020.

CEPAL. El regionalismo abierto en América Latina: la integración económica al servicio de la transformación productive con equidad. Santiago de Chile: Cepal, 1994

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