O custo da ascensão econômica de Botsuana por meio da extração de diamantes: violação de direitos humanos e exploração de trabalhadores e povos originários
Por Gustavo Lucas de Oliveira Alves
INTRODUÇÃO
Desde 1966, com a descoberta dos diamantes no Botsuana, o país se tornou um dos mais ricos do continente africano, sendo atualmente o segundo maior exportador de diamantes do mundo, atrás apenas da Rússia. Com a descoberta dos diamantes e outros recursos naturais, o governo da época decretou que os recursos naturais pertenciam ao país, ignorando o fato de existirem povos originários e indígenas nas regiões onde estão concentradas as bases de recursos naturais, deixando a administração dos diamantes à mineradora local Debswana e a De beers (KOFFI,2021).
Desde então, o governo botsuanês usa os recursos financeiros para investir em saneamento básico, infraestrutura, saúde e educação, algo que fez com que o país, anteriormente considerado um dos mais pobres do continente africano, agora seja um dos mais ricos do continente em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) per capita (TRADING ECONOMICS, 2022). Contudo, Botsuana deixou a desejar em relação à divisão de renda: atualmente, a desigualdade social no país é enorme, de acordo com o índice de Gini. Nesse sentido, é importante ressaltar que quem sofre com os impactos das desigualdades sociais no país são os mineiros e as comunidades originárias, que são marginalizadas e têm seus direitos humanos frequentemente violados, mesmo sendo os responsáveis por atuarem na extração de diamantes e outros recursos naturais.
DESENVOLVIMENTO DE BOTSUANA E O LUCRO DA MINEIRAÇÃO DE DIAMANTES
No século XXI, Botsuana é considerado próspero para os padrões dos países africanos. Seu PIB per capita é maior que o brasileiro, sendo avaliado em US$ 7.830.671 (CEID DATA, 2021). O país teve sua independência em 1966 e o primeiro presidente foi Seretse Khama, que na época era o único entre a população de Botsuana com ensino superior — o ex-presidente estudou na África do Sul e no Reino Unido, formando-se em Artes e Direito. Após a independência de Botsuana, o país estava assolado pela pobreza extrema a qual o governo britânico havia deixado durante a colonização, com aproximadamente 95% da população em situação de extrema pobreza (LEWIN, 2010).
O presidente Khama implementou uma democracia-liberal participativa e durante seu governo houve investimento em infraestrutura urbana, educação, modernização da capital, geração de emprego e o principal: na saúde, que enfrentou uma epidemia de AIDS/HIV no século passado. Para gerir esse movimento de organização e desenvolvimento, o governo contou com a mineração de recursos naturais para conseguir obter fundos monetários para investir no país (LEWIN, 2010). Em destaque está a mineração de diamantes, que gerou e ainda gera muito lucro: representam 22% do produto interno bruto (PIB) e 38% das receitas do orçamento do Estado, 80% das exportações e 23% das receitas aduaneiras (KOFFI,2021). O governo de Botsuana deixou os diamantes sob controle das empresas estatais Debswana e Diamond Trading Empresa Botsuana (DTCB), que depois passaram a ter investimentos externos e ações financiadas pela empresa de mineração De Beers, associada a AngloAmerica (LEWIN, 2010).
Outro motivo que colaborou para o desenvolvimento econômico botsuanês foi a ausência de conflitos internos, como aconteceu em Angola no início do século XXI e em Ruanda na década de 1990. Tal fato permitiu que o país possuísse estabilidade de governança e facilidade de estabelecer uma democracia parlamentar. Algo que também contribuiu para diminuição da pobreza no país é a baixa população: na época da independência, havia 566 mil habitantes e, atualmente, 2,588 milhões de habitantes (WORLD BANK, 2021). Esse é um número baixo populacional, considerando países ricos e populosos africanos, como a Nigéria, que possui uma população de 213,400 milhões de habitantes, com PIB de 440 bilhões, que é o país mais rico do continente africano, mas um dos que possuem as maiores taxas de extrema pobreza (WORLD BANK, 2021).
Historicamente, Botsuana é reconhecido como um raro caso de país que deu certo após a colonização no continente africano, que possui um governo responsável, democrático, menos corrupto e um exemplo de governo no combate a pobreza extrema e administração financeira. Porém, o país possui uma dependência da extração de diamantes, o que o deixa vulnerável a uma possível crise no setor da mineração, uma vez que os outros recursos naturais do país não conseguem substituir o lucro dos diamantes (WORLD BANK, 2023).
AS INFRAÇÕES DE DIREITOS TRABALHISTAS DOS MINEIROS
Ao longo dos anos, Botsuana conseguiu grandes lucros com a extração de diamantes, algo positivo para o país, mas não para todos habitantes. A principal mão de obra para extração de recursos, os mineiros, sofreram e ainda sofrem com a falta de direitos, sendo submetidos ao trabalho em condições de risco, falta de equipamentos e danos progressivos à saúde física, neurológica e imunológica. Muitos mineiros adoecem após trabalharem nas minas, entrando em contato com resíduos químicos e pó de mineração. Com isso, diversos trabalhadores contraíram tuberculose, silicose, doenças crônicas e HIV. Em 2013, foi registrado um número de 338 pessoas com tuberculose para cada 100 mil habitantes e, no mesmo ano, 18,5% da população possuía HIV (BRIAN CITRO, 2020). Nas minas de extração mineral, alguns ex-mineiros relatam falta de equipamentos de segurança e mapeamento de riscos das minas. Ainda assim, as empresas alegavam segurança nas minas, mas com tempo muitos funcionários sofreram graves lesões (WEITZMAN, 2013). Dessa forma, é visível uma grande negligência para com a vida dos mineiros botsuanos.
Em um sistema capitalista, como o que foi imposto em Botsuana, há a maximização dos lucros e um alto nível de negligência aos direitos humanos por parte do governo e das empresas no país, que falham na responsabilidade com a vida dos funcionários, inclusive nas políticas nacionais de Botsuana. Tal situação recorrente no país africano se relaciona com o materialismo histórico desenvolvido por Karl Marx e Friedrich Engels ([1846]/2015).
O materialismo histórico de Marx enfatiza que as relações de produção são o fundamento da ordem social. A influência do sistema de produção capitalista pode ser notada nas minas de diamantes em Botsuana. Essas minas podem envolver grandes empresas internacionais ou nacionais visando lucro e o acúmulo de capital. Com isso, as empresas ignoram a segurança dos trabalhadores, aproveitam as más condições de trabalho, pagam salários baixos e negam-lhes direitos básicos. Essas ações violam os direitos humanos e são explicadas pelo modo de produção capitalista. Na mina de diamantes de Botsuana há uma clara divisão entre proprietários de minas, mineradoras e trabalhadores. Os mineiros enfrentam condições de trabalho perigosas e inumanas enquanto latifundiários e empresas lucram com essas desigualdades estruturais que contribuem para as violações dos direitos humanos, porque são negados aos assalariados condições adequadas de trabalho, segurança, retribuição justa e acesso a serviços básicos (BRIAN CITRO, 2020).
A busca por diamantes levou a práticas de exploração que priorizam o lucro sobre o bem-estar dos trabalhadores e o respeito aos direitos humanos. Isso pode acontecer por meio de acordos comerciais desfavoráveis, roubo de herança, corrupção e falta de regulamentação. Nesse contexto, é compreensível que as violações dos direitos humanos contra os mineiros nas minas de diamantes do Botsuana não sejam incidentes isolados, mas um produto de estruturas sociais, relações de produção capitalista e circunstâncias econômicas específicas.
A EXCLUSÃO DOS POVOS ORIGINÁRIOS APÓS O CRESCIMENTO DA MINEIRAÇÃO NO PAÍS
Além dos mineiros, os povos originários sofrem com os avanços da mineração de diamantes em Botsuana. Eles foram retirados de suas moradias e deslocados das regiões onde foram instaladas grandes minas. Principalmente as comunidades Gana, Gwi e Tsila dos San, ou seja, as etnias que não são Tswana. Os Tswanas são maioria no país e as políticas sociais e tomadas de decisão sejam feitas a partir do pensamento e bem-estar da maioria étnica Tswana (WEITZMAN, 2013).
Os povos originários, também chamados de os bosquímanos (em inglês, Bushman), nome dado aos povos indígenas na região da África Austral, também enfrentam escassez de água, cujo acesso é dificultado pelo governo botsuano por usar as terras dos bosquímanos para a mineração, sendo negligentes com os direitos de vida dos originários que acabam morrendo por desidratação, depressão e desnutrição (WEITZMAN, 2013).
O caso dos bosquímanos já foi denunciado à Corte Internacional de Justiça, em um caso em que a etnia San ganhou na justiça o direito a voltarem às suas antigas terras, a reserva de Kalahari, que foi criada em 1961 como um lugar de preservação a cultura, caça e tradições dos povos indígenas de botsuana (WINTERS, 2015). Mesmo tendo ganhado o caso na justiça, o governo do país ignorou o resultado e continua a impedir o povo San de usufruir de suas terras e viver como seus costumes. Cada vez que os Sans tentam retornar para suas terras são expulsos da região (WEITZMAN, 2013). A área de preservação é essencial por uma questão de sobrevivência dos indígenas, devido ao acesso a água e alimentação da região. Excluídos de seus devidos habitats, os bosquímanos acabam não sobrevivendo ou tendo que abandonar o estilo de vida natural do bosque.
Nesse caso, é possível associar essa luta dos povos bosquímanos com o conceito de Necropolítica, criado pelo filósofo camaronês, Achille Mbembe. O conceito do autor define que o governo possui controle e manipula a vida e morte (MBEMBE, 2020). Entende-se que essa escolha baseia-se em princípios de classe, gênero, raça e etnia. No caso do Botsuana, essa preferência sobre a vida e a morte recai sobre a preferência étnica, onde a população não-Tswana é excluída das decisões políticas e do direito à liberdade.
Ao negar aos bosquímanos o acesso à água e aos territórios de preservação, as autoridades botsuanas exercem um controle sobre a vida e a morte dessas comunidades. Essa restrição deliberada pode ser vista como uma forma de marginalizar e desempoderar os bosquímanos, dificultando seu sustento e modo de vida tradicional. Além disso, o despejo forçado dos bosquímanos de suas terras ancestrais pode ser interpretado como uma expressão de necropolítica. Ao desalojar essas comunidades indígenas de suas terras, as autoridades exercem controle sobre suas maneiras de vida, sua identidade cultural e sua relação com o ambiente natural. Essa prática de desapropriação e deslocamento pode ter consequências devastadoras para a existência dos bosquímanos como povo e sua conexão com suas raízes históricas e territoriais.
CONCLUSÃO
Em conclusão, é possível analisar que Botsuana é mais um país onde o capitalismo sobrepõe as ações políticas e a estrutura social. Tanto no caso dos mineiros quanto no dos bosquímanos, há negligência por parte do governo, que opta por maximizar os lucros ao invés de priorizar a saúde e o bem-estar da população, que é de sua responsabilidade. Isso fica explícito ao analisar o caso à luz do materialismo histórico com relação aos direitos humanos dos mineiros e o conceito de necropolítica com os bosquímanos. Em ambos os casos, o governo permitiu e ainda permite que tais mazelas aconteçam no país. Faz-se importante pontuar, contudo, que essa situação não é algo que acontece apenas em Botsuana, mas é um problema geral das sociedades capitalistas, onde o lucro custa o bem-estar social e até mesmo a vida humana. Além de considerar inaptos aqueles grupos sociais que preferem não se integrarem ao estilo de vida capitalista de produção, quais sejam, os indígenas e os povos tradicionais, por não gerarem lucro às indústrias e empresas, são considerados sem utilidade para sociedade capitalista.
REFERÊNCIAS
CEIC DATA. Botsuana PIB Per Capita. Disponível em: https://www.ceicdata.com/pt/indicator/botswana/gdp-per-capita. Acesso em: 2 jun. 2023.
BRIAN CITRO, M. M. &. K. P. All Risk and No Reward. t [s.l: s.n.]. 2020. Disponível em: https://www.cesr.org/sites/default/files/All%20Risk%20and%20No%20Reward%20-%20Botswana%20Miners%20Right%20to%20Health%20Project%20Report%20%28October%202020%29_0.pdf.
KOFFI, Omar Lucien. O Botswana ainda tem controle sobre seus diamantes? Le Journal de l’Afrique, 2021. Disponível em: https://lejournaldelafrique.com/pt/Botsuana-ainda-tem-controle-sobre-seus-diamantes/.Acesso em: 3 jun. 2023.
LEWIN, M. Botswana’s success: Good governance, good policies, and Good Luck. 2010. Disponível em:<https://documents1.worldbank.org/curated/en/304221468001788072/930107812_201408253094647/additional/634310PUB0Yes0061512B09780821387450.pdf>. Acesso em: 4 jun. 2023.
MARX, C.; ENGELS, F. La Ideologia Alemana. [s.l.] Createspace, 2015.
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WEITZMAN, H. De Beers in Botswana: A corporation ‘s impact on human rights, 2013. Disponível em: https://enoughproject.org/blog/de-beers-botswana-corporations-impact-human-rights. Acesso em: 4 jun. 2023.
WINTERS, O. J. The Botswana bushmen’s fight for water & land rights in the central Kalahari game reserve. Columbia University, v. 13, p. 16, 2015.
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