Fugindo da violência
Data: 17/10/2019
Salma Freua Assumpção
Esta análise conjuntural tem como objetivo abordar, de forma sucinta, a crise de refugiados presente nos últimos anos na região dos Grandes Lagos, na África. A mídia, de forma geral, noticia exaustivamente a “crise dos refugiados” na Europa, que nos últimos anos está recebendo – ou não – pessoas vindas de refúgio de outros continentes, principalmente da região do Oriente Médio, como os sírios, que enfrentam uma guerra em seu país desde 2011. Em outros pontos do mundo, porém, crises humanitárias também ocorrem e milhares se deslocam para outros lugares, e esse cenário envolve países com condições financeiras muito menores do que os países europeus. Esse é o caso do Burundi, da Tanzânia, do Congo, entre outros.
O Burundi é o segundo país mais pobre do mundo, segundo uma lista da Global Finance Maganize, de 2016. Este pequeno país da África já foi colônia da Alemanha, parte de Ruanda, tutelado pela Bélgica, pela Organização das Nações Unidas (ONU) e só teve sua independência de fato em 1962. Após essa data, continuou com grande instabilidade política, passando por uma monarquia, república, vários golpes, uma guerra civil e milhares de mortos. A crise mais recente, por sua vez, começou com o anúncio em 2015 que o presidente da época, Pierre Nkurunziza, concorreria ao terceiro mandato – o que era proibido pela constituição do país. Isso gerou um confronto entre apoiadores e opositores, e, em três meses, mais de 80 pessoas foram mortas. Em julho de 2015, Nkurunziza, de forma suspeita, venceu as eleições presidenciais, e desde então uma escalada de tensão e violência assola o país.
O general responsável pela segurança pessoal do presidente foi assassinado, assim como membros de grupos rebeldes contra o governo, além de centenas de pessoas mortas em confronto e acusações de tortura por parte do Estado. Um mês depois que o presidente anunciou que concorreria a um terceiro mandato, alguns generais do exército tentaram aplicar um golpe em Nkurunziza, mas não obtiveram sucesso. O governo, por sua vez, acusa a oposição de estar provocando protestos violentos (KOSTMANN; SANDNER, 2016).
O líder da oposição, Agathon Rwasa, obteve 19% dos votos para a presidência, e descreveu o resultado das eleições como uma “piada”, afirmando que essa não foi a expressão do voto dos eleitores, e sim uma armação da comissão eleitoral. De acordo com organizações regionais e internacionais, condições para uma eleição livre e credível de fato não foram alcançadas, e, para Rwasa, o Burundi está passando por uma ditadura há anos, e os burundianos querem mudança devido à corrupção e matanças extrajudiciais (PIERRE NKURUNZIZA WINS, 2019).
Diante desse cenário, milhares de burundianos veem saindo de seu país e indo para os seus vizinhos, como o Congo – país mais pobre do mundo, segundo os mesmos dados acima citados, Uganda, Ruanda e Tanzânia. Este último é o que recebe mais refugiados do Burundi, e hoje enfrenta uma crise humanitária, sem possibilidade de acolher devidamente a todos que estão vindo a seu território. De acordo com o site de notícias da ONU, cerca de 74% dos refugiados e candidatos a asilo da Tanzânia são do Burundi e os outros 26% são da República Democrática do Congo. Além disso, a grande maioria vive em acampamentos próximos da fronteira e muitos estão lá há décadas (NA TANZANIA, 2019).
Nessa situação, há falta de alimento, medicamentos, muitos jovens não estão na escola e, aqueles que estão, encontram-se em salas de aulas superlotadas, além de abrigos inadequados, o que leva a um desafio a segurança dessas crianças, que ficam mais expostas à violência e exploração sexual. A prostituição, o casamento forçado e infantil são uma das poucas alternativas encontradas por meninas e mulheres. Apesar da ajuda da Tanzânia em receber esses milhares de refugiados, os recursos que o país recebe são insuficientes para garantir condições dignas para muitas pessoas. A comunidade internacional está doando muito pouco para essa crise e falando menos ainda desse assunto (NA TANZANIA, 2019).
Existem, atualmente, refugiados do Burundi retornando às suas casas, no entanto, a ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) busca garantir que aqueles que estejam voltando estejam fazendo isso de forma voluntária, e que recebam condições de reintegração. Esse número ainda é pequeno, pois o país ainda enfrenta uma instabilidade política grande e tem governantes que continuam não protegendo os seus próprios cidadãos (NA TANZANIA, 2019).
O governo da Tanzânia, no entanto, nos últimos meses, está pressionando esta população para voltar ao Burundi, e o presidente já proferiu discursos comunicando aos refugiados para voltarem a suas casas, não insistirem em ficar na Tanzânia ou esperarem por cidadania em seu país, afirmando que o Burundi está, agora, estável. Essa última declaração, porém, é, no mínimo, polêmica, pois com a aproximação das eleições presidenciais no Burundi, que estão marcadas para ocorrer no próximo ano, observadores estão advertindo sobre o risco de novas ondas de violência no país (TANZANIA PRESIDENT TELLS, 2019).
Referências Bibliográficas
ACNUR e parceiros buscam 296 milhões de dólares para gerir crise de refugiados do Burundi: Esse é um resumo do que foi dito pelo porta-voz do ACNUR Charlie Yaxlei – a quem o texto citado pode ser atribuído – na coletiva de imprensa de hoje no Palais des Nations, em Genebra.. 2016. ACNUR (Ed.). Disponível em: <https://www.acnur.org/portugues/2019/01/17/acnur-e-parceiros-buscam-296-milhoes-de-dolares-para-gerir-crise-de-refugiados-do-burundi/>. Acesso em: 21 ago. 2019.
BEAUMONT, Peter. Tanzania warns return of hundreds of Burundian refugees is just the start. 2019. Disponível em: <https://www.theguardian.com/global-development/2019/oct/07/tanzania-warns-return-of-hundreds-of-burundian-refugees-is-just-the-start>. Acesso em: 15 out. 2019.
CALEIRO, João Pedro. Os 15 países mais pobres do mundo: Quase todos os países mais pobres do mundo estão na África, e muitos nem chegam a ter mil dólares em PIB per capita por paridade de poder de compra. 2016. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/economia/os-15-paises-mais-pobres-do-mundo/>. Acesso em: 21 ago. 2019.
KOSTMANN, Claire-marie; SANDNER, Philipp. Burundi: uma cronologia da crise. 2016. Disponível em: <https://www.dw.com/overlay/media/pt-002/burundi-uma-cronologia-da-crise/19415248/40251154>. Acesso em: 21 ago. 2019.
NA TANZANIA, chefe do Acnur pede mais apoio para 330 mil refugiados. 2019. ONU NEWS (Ed.). Disponível em: <https://news.un.org/pt/story/2019/02/1659031>. Acesso em: 21 ago. 2019.
PEREIRA, Nelson. Tanzânia à beira de crise humanitária com refugiados do Burundi. 2015. Disponível em: <https://pt.euronews.com/2015/05/19/tanzania-a-beira-de-crise-humanitaria-com-refugiados-do-burundi>. Acesso em: 21 ago. 2019.
PIERRE NKURUNZIZA WINS. (Comp.). Burundi elections: Pierre Nkurunziza wins third term. 2015. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/world-africa-33658796>. Acesso em: 15 out. 2019.
TANZANIA PRESIDENT TELLS. (Comp.). Tanzania president tells Burundi refugees to ‘go back home’. 2019. Disponível em: <https://www.dw.com/en/tanzania-president-tells-burundi-refugees-to-go-back-home/a-50803967>. Acesso em: 15 out. 2019.
TANZANIA vai repatriar refugiados do Burundi. JORNAL DE ANGOLA (Ed.). 2019. Disponível em: <http://jornaldeangola.sapo.ao/mundo/africa/tanzania-vai-repatriar-refugiados-do-burundi>. Acesso em: 21 ago. 2019.
Fonte da imagem: PHYS.org