O papel desempenhado por mulheres no al-Shabaab
Amanda Gomes Dezontini
O grupo militante Harakat al-Shabaab al- Mujahideen, mais conhecido como Al-Shabaab emergiu a partir de dois grupos islâmicos somalis: a União Islâmica (UI) e a União dos Tribunais Islâmicos (UTI). O primeiro grupo tinha como objetivo derrubar o governo, pois o mesmo não seguia as normas do islã como forma de governar e, também, queriam unificar a ‘’Grande Somália’’, que seria composta pelo nordeste do Quênia, região de Ogaden da Etiópia e Djibuti, e assim adicioná-los ao estado somaliano existente. O segundo grupo, UTI, tinha como objetivo difundir a ideologia jihadista não apenas na Somália, mas também internacionalmente. (GARTENSTEIN-ROSS, 2009)
Isto posto, o grupo (al-Shabaab) surgiu como uma ala radical da União dos Tribunais Islâmicos da Somália em 2004, enquanto estavam combatendo tropas etíopes que invadiram o país para apoiar o governo de Muhammad Siad Barre, que chegou ao poder após um golpe de estado. Além disso tinham como objetivo implementar um estado islâmico, obedecendo ao código da ‘’sharia’’ (ou lei divina) e derrubar o governo somali. A partir disso, o grupo se difundiu por variados pontos do país, formando diversas células armadas, os quais, a partir da observação da figura 1, identificaram-se como principais: a capital Mogadíscio, áreas portuárias em Kismayo e zonas rurais (BUZZO, 2018).
Imagem 1: Mapa da ocupação de al-Shabaab na Somália

Todavia, o al-Shabaab perdeu grande controle territorial do país. Em 2011, foram forçado a se retirar da capital, Mogadíscio, após serem atacados pela Missão da União Africana na Somália (AMISOM) e a sair do importante porto de Kismayo, através do qual o grupo obtinha dinheiro, pois lucravam com o comércio de carvão existente na cidade. Além disso, há influência de um terceiro agente contra a al-Shabaab: os Estados Unidos da América. Desde 2008 os EUA realizam ataques aéreos nos locais onde estão presentes os membros do grupo e em 2017, Donald Trump aprovou um plano político para aumentar as operações contra a al-Shabaab (BBC, 2017).
Desta forma, embora sejam realizadas operações contra o grupo e tais operações os enfraqueçam, o mesmo ainda é capaz de realizar grandes ataques e conseguiu recuperar o controle de algumas cidades, que havia perdido para a União Africana. De acordo com a BBC News, isto ocorre pelo fato de ‘’isto segue um corte no financiamento da União Europeia (UE), em meio a alegações de corrupção dentro da força da UA, composta por tropas de Uganda, Burundi, Quênia, Etiópia e Djibuti.’’.
Isto posto, cabe analisar como o grupo atua no país; com isto, neste artigo será analisado o papel desempenhado por mulheres e meninas no grupo. Dito isso, em uma primeira abordagem cabe salientar que o governo não supre as necessidades mais básicas e complexas das mulheres, as levam a se submeter, muitas vezes, a casamentos forçados com membros do grupo, pois desta forma terão o mínimo de direito garantido por eles.
Para tanto, com um estudo de caso realizado pelo Crisis Group, aponta a cooperação das mulheres como sendo decorrente de dois principais fatores, são eles: sobrevivência e a busca por melhores direitos. Ainda muito jovens, as meninas recebem incentivos e/ou obrigações que devem cumprir para se juntar a algum membro, pois o governo somali é ineficiente no que se refere a questão de políticas públicas responsáveis por garantir ajuda a sua população como um todo.
‘’O governo da Somália fez alguns esforços: em áreas controladas pelo governo […] um número crescente de meninas ingressou no sistema escolar e o número de funcionárias aumentou nos últimos anos. Mas poderia fazer mais. O Parlamento não aprovou uma lei de crimes sexuais, por exemplo, e o governo tomou algumas medidas para combater a violência sexual, inclusive pelas forças de segurança. O sistema de justiça praticamente quebrado da Somália oferece pouco às mulheres.’’ (CRISIS GROUP, 2019)
Neste contexto, o papel das mulheres é de extrema importância para a realização dos ataques na Somália; elas desempenham a função de ajudar o grupo a reforçar o domínio em áreas que possuem controle, auxiliam o movimento a resistir à pressão externa e até contrabandeiam armas . Tais tarefas são desempenhadas através da doutrinação exercida pelas mesmas; as mulheres utilizam de ser papel persuasivo para convencer outras mulheres a se juntarem ao movimento e a conseguir mais militantes para o grupo, desta forma, convencem mulheres e homens a doar dinheiro ou outros bens materiais, como jóias e roupas, para conseguir recursos e apoio para a sobrevivência do al-Shabaab.
Nesta conjuntura, devido aos membros do al-Shabaab não poderem acessar serviços públicos do país, como hospitais, farmácias ou até lojas, utilizam das mulheres para desempenhar papéis domésticos tradicionais, como o cuidado com a família, ou neste caso, com o grupo. Com isto, muitas vezes recrutam mulheres que são capazes de prestar serviços de assistência médica ou apenas para o cuidado geral do grupo, como a alimentação. Não obstante, há outra função desempenhada por elas: a coleta de informações. Atores governamentais, de segurança na Somália ou a população local, não veem as mulheres como uma ameaça e muitas vezes não suspeitam que elas trabalham para o grupo. Devido a essa percepção, os indivíduos estão mais dispostos a conversar abertamente com as mulheres, podendo desta forma contar-lhes informações úteis para a atuação local do grupo. (DONNELLY, 2018)
Portanto, para muitas mulheres, viver sob o comando do al-Shabaab pode oferecer melhores oportunidades e perspectiva de como serão suas vidas; visto que a Somália é considerado um Estado falido, ou seja, não é capaz de prover bens públicos ou segurança para a sua população (ROTBERG, 2002). Entretanto, apesar de ocorrerem situações em que suas vidas são colocadas em risco, por exemplo quando o grupo é atacado por oponentes, ainda assim o al-Shabaab torna aspectos sociais e econômicos menos difíceis para as mulheres, lhes proporcionando mais autonomia e emancipação em um Estado que elas são vistas como inferiores aos homens.
Referências:
BBC, News. Who are Somalia’s al-Shabaab?. África. 22 de dez. de 2017. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/world-africa-15336689> Acesso em: 28 de out. de 2019
GARTENSTEIN-ROSS, Daveed. The Strategic Challenge of Somalia’s Al-Shabaab Dimensions of Jihad. Middle East Quarterly. 2009. Disponível em: <https://www.meforum.org/2486/somalia-al-shabaab-strategic-challenge?gclid=CLT-qeawsKMCFYxi2godo0-W3w> Acesso em: 29 de out. de 2019.
Group, Crisis. Women and Al-Shabaab’s Insurgency. África, 27 de jun. de 2019. Disponível em:<https://www.crisisgroup.org/africa/horn-africa/somalia/b145-women-and-al-shabaabs-insurgency>. Acesso em: 28 de out. de 2019.
DONNELLY, Phoebe. Women in Al-Shabaab through a New War’s Lens. Disponível em:<https://www.wiisglobal.org/women-in-al-shabaab-through-a-new-wars-lens/>. Acesso em: 09 de nov. de 2019.
HASEN, Jarle Stig. Al-Shabaab in Somalia: The History and Ideology of a Militant Islamist Group. 1, ed. Oxford University Press, 2013. Disponiível em: <https://books.google.com.br/books?hl=pt-PT&lr=&id=ZTtpAgAAQBAJ&oi=fnd&pg=PP1&dq=al+shabaab+in+somalia&ots=2ILsqBs–4&sig=YPSnWqarCsbabijM8JU1amxD7fA#v=onepage&q=al%20shabaab%20in%20somalia&f=false> Acesso em: 28 de out. de 2019.
WEST, Sunguta. Asset or Victims: A Portrait of Women Within al-Shabaab. Disponível em:<https:/jamestown.org/program/asset-or-victims-a-portrait-of-women-within-al-shabaab> Acesso em: 09 de novem. de 2019.
WILLIAMS, Paul. In Somalia, al-Shabab targeted U.S. and E.U. forces this week. Here’s what these troops are doing there. 03 de out. de 2019. Disponível em: <https://www.washingtonpost.com/politics/2019/10/03/somalia-al-shabaab-targeted-us-eu-forces-this-week-heres-what-these-troops-are-doing-there/> Acesso em: 31 de out. de 2019.