O dilema de segurança no Sudão do Sul frente ao acordo de paz
Yasmim Beatriz Marques Alves
A República do Sudão do Sul apesar de ser independente enfrenta uma série de problemas relacionados à baixa infraestrutura de transportes, energia ou comunicações, ainda é muito dependente do Sudão porque necessita deste para o escoamento e exportação do petróleo (OLIVEIRA e SILVA, 2011) e instabilidade política devido a disputa entre as lideranças. Diante de tal situação, o objetivo desse texto conjuntural é analisar o impacto da relação entre os governantes na segurança do país após o acordo de paz.
As dificuldades no que tange a segurança do Sudão do Sul estão enraizadas no passado antes mesmo do movimento separatista que deu origem ao novo Estado. O Acordo de Paz Global (CPA) não foi capaz de deter outros conflitos com Darfur e também entre os principais combatentes Forças Armadas do Sudão (SAF) e Exército Popular de Libertação do Sudão (SPLA). Ademais, apesar dos esforços da CPA outros grupos armados que não eram parceiros do SPLA foram intensificados, como por exemplo a Força de Defesa do Sudão do Sul (SSDF), o Exército de Libertação do Sudão do Sul (SSLA) e o Exército de Resistência do Povo (PRA). No ano de 2006 o CPA determinou que esses grupos se juntassem ao SPLA (LOKUJI, 2011). Além disso, vale ressaltar que após o golpe de Estado no Sudão que instaurou um regime fundamentalista-islâmico, o SPLA ampliou a quantidade de crianças recrutadas para seu exército e efetuou ataques contra civis (CAMPOS, 2017).
De acordo com Johnson (2014): no ano de 2013 ocorreu disputa por poder dentro do partido SPLM e isso contribuiu para a emergência de facções no exército do Sudão, SPLA. A raiz dos problemas em 2013 está nos aspectos político e militar que não foram resolvidos na década de 90 e a incorporação de facções rivais ao exército após a assinatura do CPA em 2005. A rivalidade entre o atual presidente do Sudão do Sul Salva Kiir e o líder rebelde Riek Machar não findou com o Acordo de Paz assinado em 2015 que poria fim ao massacre no país devido as sequelas do passado. “Cartum passou a apoiar a insurgência do LRA no norte da Uganda, em retaliação ao apoio prestado por Uganda à SPLM/A” (CARDOSO, 2015, p.45). Outrossim, a Força de Defesa Popular da Uganda (UPDF) favoreceu o SPLA nos momentos de guerra e de paz provendo suprimentos e também aconselhamento estratégico corroborando para agravar a guerra civil sudanesa (SHOMERUS, 2007). Para além, tem-se outra questão no que cerne as tensões políticas que está relacionado ao fato de que o CPA foi projetado pensando-se que John Garang continuaria como líder do SPLM/A e chefe do governo do Sudão do Sul (GoSS), porém, com seu falecimento quem assume é Salva Kiir e Machar como vice-presidente. A posteriori, Kiir além de práticas de corrupção adotou medidas políticas que colocaram em xeque sua credibilidade e colaborou para que membros do partido o isolassem e apoiassem Machar. Com o intuito de se manter no poder e inibir qualquer possibilidade de mudança de status quo Salva Kiir demitiu Riek Machar, acusado de golpe, e todo seu gabinete além de desintegrar as estruturas políticas do SPLM o que provocou o exílio de Machar no Sudão. Em seguida, houve conflito entre as forças que apoiavam Machar e as forças que apoiavam Siir exacerbando ainda mais a rivalidade entre ambos (CAMPOS, 2017).
Apesar da relação conturbada entre Siir e Machar a criação da Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD) foi importante para diminuir as tensões e chegar a um acordo. O objetivo central da IGAD é “contribuir para promover a paz, segurança, desenvolvimento sustentável e integração regional na região da IGAD, aumentar a eficácia do setor de segurança dos Estados membros para enfrentar ameaças comuns transnacionais, regionais e nacionais à segurança” (IGAD,2019). Além disso, foi o principal agente intermediador na guerra civil no Sudão proporcionando diálogos entre Cartum e o SPLM/A que resultou na assinatura do acordo de paz em 2005 (CARDOSO, 2015). Não obstante, a aliança entre as lideranças do Sudão do Sul foi imprescindível para a solidez política no país nos primeiros anos após a independência, mas o descontentamento de grupos armados que contestaram o acordo de paz e juntamente com seus atos terroristas, sobretudo em áreas petrolíferas dificultam a paz no território (CARDOSO, 2015).
Considerando-se as práticas políticas do atual presidente do Sudão do Sul e do vice-presidente que foram acusados de “violar os direitos humanos incluindo tortura, assassinato, estupro e detenção forçada” (ROACH, 2016, p.349) ambos não teriam legitimidade para governar o país uma vez que a imagem que reverbera tanto Sistema Internacional quanto no território sudanês é negativa. Ademais, como ambos já se envolveram com milícias fica mais difícil de combater o terrorismo que somado aos problemas de “corrupção, facções militares e instabilidade econômica” (ROACH, 2016, p.343) tolhem o controle estatal nas fronteiras e a ordem dentro do território. Mesmo diante da implementação do acordo de paz em 2015 e Kiir convocando Machar para retomar seu posto de Vice-Presidente não foi suficiente para que a paz e segurança fossem instauradas, pois “em julho de 2016, um surto de violência de quatro dias foi desencadeado na capital, deixando cerca de 300 mortos. Surgiu então o medo de uma nova guerra civil (ROACH, 2016).
Apesar dos esforços da CPA, IGAD, Missão das Nações Unidas Para o Sudão do Sul (UNMISS) e Assembleia Legislativa de Transição (TLA) para implementação da paz e manutenção desta não terem obtido o resultado esperado é imprescindível um acordo entre Salva Kiir e Riek Machar mesmo diante das acusações de violação de direitos humanos para a formação de um governo provisório. Logo, o dilema de segurança no Sudão do Sul frente acordo de paz perpassa pela questão da incredibilidade dos líderes e a necessidade deles para combater o terrorismo, a miséria que assola o país, os milhares de refugiados entre outras necessidades basilares para um Estado seguro.
Referências
BAREGU, Mwesiga, LOKUJI, Alfred. Understanding Obstacles to Peace. International Development Research Centre, 2011. Disponível em: https://idl-bnc-idrc.dspacedirect.org/bitstream/handle/10625/46419/IDL-46419.pdf?sequence=1&isAllowed=y Acesso em: 26/10/2019
CAMPOS, Lígia. O atual conflito no Sudão do Sul. Observatório de Cooperação Internacional, 2017. Disponível em: https://www.marilia.unesp.br/Home/Extensao/observatoriodeconflitosinternacionais/serie—o-atual-conflito-no-sudao-do-sul.pdf Acesso em: 26/10/2019
CARDOSO, Nilton.Análise da arquitetura africana de paz e segurança: o papel da Igad na estabilização do Chifre da África. Universidade federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015. Disponível em: https://www.academia.edu/32149978/An%C3%A1lise_da_Arquitetura_Africana_de_Paz_e_Seguran%C3%A7a_o_papel_da_IGAD_na_estabiliza%C3%A7%C3%A3o_do_Chifre_da_%C3%81frica Acesso em: 30/10/2019
IGAD-SSP. Disponível em: https://igadssp.org/index.php/about-us-main-menu/objective-mission Acesso em:30/10/2019
JOHNSON, Douglas.The political crisis in South Sudan. African Studies Review, 2014. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/278326401_The_Political_Crisis_in_South_Sudan Acesso em: 29/10/2019
OLIVEIRA, Lucas e SILVA, Igor. Sudão do Sul: novo país, enormes desafios. Meridiano 47 vol. 12, 2011. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/279647431_Sudao_do_Sul_novo_pais_enormes_desafios/fulltext/58816750a6fdcc6b790ddb33/279647431_Sudao_do_Sul_novo_pais_enormes_desafios.pdf?origin=publication_detail Acesso em: 28/10/2019
ROACH, STEVEN. South Sudana: a volatile dynamic of accountability and peace. The Royal Institute of International Affairs. Oxford, 2016. Disponível em:file:///C:/Users/Yasmin/Desktop/%C3%81rea%20de%20Trabalho/Clippings/South%20Sudan%20a%20volatile%20dynamic%20of%20accountability%20and%20peace%20ROACH.pdf Acesso em: 30/10/2019
SCHOMERUS, Mareike. The Lord’s Resistance Army in Sudan: A History and Overview. Small Arms Survey, 2007. Disponível em: http://www.smallarmssurveysudan.org/fileadmin/docs/working-papers/HSBA-WP-08-LRA.pdf