Texto Conjuntural: África Ocidental #8 – A noção da identidade nacional nigeriana reafirmada no contexto pandêmico da COVID-19.

Yasmim Beatriz Marques Alves; Iara Euzane de Oliveira Pereira.

Considerando os problemas identitários que a Nigéria vem enfrentando desde o período colonial, esse trabalho busca mostrar como o cenário da pandemia pode estar contribuindo para reforçar a noção da identidade nacional nigeriana que apresenta dificuldade de consolidação desde o período pré-colonial.

Breve contextualização da questão identitária na Nigéria

Para compreender como o novo coronavírus tem contribuído para mostrar as dificuldades ainda presentes na identidade nacional nigeriana, propõe-se uma breve contextualização do período colonial até o regime democrático em que os vários povos da Nigéria não se identificavam como nigeriano. Apesar da República Federal da Nigéria ter se tornado independente em 01 de outubro de 1960, os diversos grupos étnicos não se viam como uma nação (ÇANCI, ODUKOYA, 2010).

Durante o período colonial, o governo britânico buscou unificar os territórios, mas devido à administração indireta antes da independência, em que, os chefes indígenas tinham autonomia em tomada de decisões sobre sua região, corroborou para que as diferenças regionais se tornassem ainda maiores (BERMAN, 2010).

No Norte do país, à administração indireta foi benéfica para os líderes indígenas, que se beneficiaram com impostos cobrados e administravam as regiões com certa autonomia, uma vez que a maior parte dos valores culturais foi mantido. Por outro lado, a região sul não foi favorecida com esse tipo de sistema, protestaram contra a taxação sobre a água e abusos do governo colonial através da administração indireta (FALOLA; HEATON, 2008).

No período pré independência já existiam partidos políticos que buscavam não apenas à libertação do jugo colonial, mas também representar os interesses políticos dos grupos étnicos. O primeiro partido político na Nigéria e no sul do país foi o Nigerian National Democratic Party (NNDP) em 1923, enquanto o primeiro partido no norte foi o Nothern People’s Congress (NPC) em 1949. A diferença temporal entre o primeiro partido no sul e o primeiro partido no norte, pode ser um indicativo de que os habitantes da região sul estavam mais engajados nas questões políticas e conscientes do domínio colonial (BETTS, 2010), que favoreceu o desenvolvimento econômico e político da região sul nigeriana.

Após a independência em 1960, o território da Nigéria, apesar de unificado, não possuía unidade popular, pois, cada uma das regiões territoriais do país: Norte, Sul, Leste e Oeste, tinham sistemas administrativos próprios. Pós independência, o país mergulhou numa onda de crise política e social em que houve regimes ditatoriais nos anos 1966, 1975, 1983 e 1993, guerra civil entre 1967 a 1970, e disputa por poder político entre os grupos étnicos (FALOLA; HEATON, 2008). Apesar da Constituição de 1999 ter instaurado o regime democrático, isso não impediu a emergência de conflitos étnicos como entre os Hauçás e Iorubás, desde 1999 (SALAWU, 2010).

Diante da caracterização histórica, o colonialismo alterou a dinâmica identitária que existia na Nigéria, as identidades se transformam com frequência e de maneira mais notável em períodos de ascensão econômica. Assim, segundo Mustapha (2000), os indivíduos que tiveram convivência com o colonialismo e que pertenciam a grupos étnicos minoritários na Nigéria passaram a refletir um pensamento em comum, remontando a consciência étnica no princípio do domínio britânico (MUSTAPHA, 2000).

Os repatriados nigerianos em tempo de pandemia.

A dificuldade em manter a economia sólida frente aos desafios provocados pelo COVID-19 fez com que autoridades nigerianas propusessem medidas que amenizassem os efeitos nos setores econômico e social. O presidente Muhammadu Buhari compartilhou em março desse ano com a imprensa que não seria cobrado “a movimentação de produtos agrícolas” (MBAH, 2020), estabeleceu que a parcela mais pobre da população receberia auxílio, e as pessoas deslocadas receberiam alimentos (MBAH, 2020).  

Além disso, o governo nigeriano tem usado parte dos seus recursos econômicos para arcar com viagens de avião de nigerianos evacuados em outros países, mesmo nesse cenário pandêmico em função da diáspora. Assim, o coordenador da Força Tarefa Presidencial Sani Aliyu, salientou a importância de fazer uso dos recursos limitados e garantir que os nigerianos sejam devolvidos com segurança para casa” (OKWUMBU, 2020).

O esforço do governo no que diz respeito aos nigerianos que estão fora do país tem dividido opiniões, uma vez que, uma parcela dos nigerianos acredita que os repatriados devem arcar com suas despesas (BENSON, 2020). Apesar do governo alegar não ter recursos suficientes para arcar com as despesas dos repatriados, que ao retornarem à Nigéria devem permanecer em isolamento por 14 dias, tem feito esforços significativos para garantir o repatriamento. Isso pode ser evidenciado pelas medidas adotadas em que 253 nigerianos foram evacuados do Reino Unido, 265 dos Emirados Árabes e 160 dos Estados Unidos, além disso, alguns estudantes que estão na capital sudanesa também serão contemplados de forma gratuita, segundo o Ministro das Relações Exteriores, Geoffrey Onyeama, que também lamenta a restrição do benefício diante da situação econômica da Nigéria (ADEBOWALE, 2020).

Essa situação pandêmica sinaliza uma possível mudança no que diz respeito a identidade nacional nigeriana, pois independente da região que o repatriado faz parte, o governo não deixou de se esforçar para atender as necessidades dos seus cidadãos que estão em outro território. Essa conduta do governo é esperada no que cerne as obrigações do Estado, mas ao se pensar que a etnização na política ainda é presente no país, a etnia dos repatriados seria um fator decisivo para a política estatal.

REFERÊNCIAS

ADEBOWALE, Nike. COVID-19: Nigerians stranded in Thailand to pay nearly N300,000 “quarantine fees” each. Premium Times, Wednesday, June 17, 2020. Disponível em: https://www.premiumtimesng.com/news/headlines/392904-covid-19-nigerians-stranded-in-thailand-to-pay-nearly-n300000-quarantine-fees-each.html Acesso em: 17/06/2020

BENSON, Emmanuel Abaha. COVID-19: Nigerians react as CNB partners NNPC to feed, accommodate Nigerian returnees. Nairametrics, May 19, 2020. Disponível em: https://nairametrics.com/2020/05/19/covid-19-nigerians-react-as-cbn-partners-nnpc-to-feed-accommodate-nigerian-returnees/ Acesso em: 16/06/2020

BERMAN, Bruce. Ethnicity, Patronage and the African State: the politics of uncivil nationalism. Affrican Affairs. 1998. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/31093535_Ethnicity_Patronage_and_the_African_State_The_Politics_of_Uncivil_Nationalism Acesso em: 15/03/2020

BETTS, Raymond F. A dominação europeia: métodos e instituições. In:História geral da África, VII: África sob dominação colonial, 1880-1935 / editado por Albert Adu Boahen. – 2.ed. rev. – Brasília : UNESCO, 2010. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=5RbOygAACAAJ&dq=%C3%81frica+sob+domina%C3%A7%C3%A3o+colonial&hl=en&sa=X&ved=0ahUKEwjX67iJlInqAhW-ELkGHaLZBbIQ6AEINDAB Acesso em: 09/06/2020

ÇANCI, Haldun; ODUKOYA, Opeyemi Adedoyin.  Ethnic and Religious crises in Nigeria. 2016. Disponível em: http://www.accord.org.za/ajcr-issues/ethnic-religious-crises-nigeria/. Acesso em: 01/10/2018.

FALOLA, Tonin; HEATON, Matthew M. A History of Nigeria. The United States of America, Cambridge University Press, New York. 2008. Disponível em: https://books.google.com.br/books/about/A_History_of_Nigeria.html?id=XygZjbNRap0C&redir_esc=y Acesso em: 25/05/2020

MBAH, Fidelis. Nigeria announces lockdown of major cities to curb coronavírus: The 14-day lockdown enforced in the comercial hub, Lagos, neighbouring Ogun and the nation’s capital, Abuja.  ALJAZEERA, March 30, 2020. Disponível em: https://www.aljazeera.com/news/2020/03/nigeria-announces-lockdown-major-cities-curb-coronavirus-200330095100706.html Acesso em: 31/03/2020

MUSTAPHA, Abdul. Transformation of minority identities in post colonial Nigeria. In: JEGA, Attaihiru et al. Identity Transformation and Identity Politics under Structural Adjustment in Nigeria. Stockholm, 2000.  Disponível em: http://www.diva-portal.org/smash/get/diva2:248993/FULLTEXT01.pdf Acesso em: 17/01/2020

OKWUMBU, Ruth. Nigeria set to resume evacuation of Nigerians in diáspora. Those who wish to be evacuated are first expected to get registered with the Nigerian missions. Nairametrics, June 8, 2020. Disponível em: https://nairametrics.com/2020/06/08/nigeria-set-to-resume-evacuation-of-nigerians-in-diaspora/ Acesso em: 15/06/2020

SALAWU, Blessing. Ethno-Religious Conflicts in Nigeria: Causal Analysis and Proposals for New Management Strategies. Ilorin.European Journal of Social Sciences. volume 13. 2010. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/267564274_Ethno-Religious_Conflicts_in_Nigeria_Causal_Analysis_and_Proposals_for_New_Management_Strategies Acesso em: 05/06/2020

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