Crise política na Venezuela se agrava e oposição ganha força
Por Gustavo Parreiras Freitas de Oliveira
Nas últimas semanas, a Venezuela tem sido palco de uma intensificação na crise política interna do país, o que tem atraído a atenção da comunidade internacional por diversos fatores. O primeiro deles é uma acusação feita pela Organização das Nações Unidas (ONU) de que ocorrem torturas, assassinatos e abusos sexuais contra opositores do governo. Segundo, essas práticas estão ocorrendo mediante ordens diretas e/ou contribuições do presidente Nicolás Maduro, além do ministro da defesa, dos diretores de segurança da Venezuela e de seu serviço de inteligência (BBC, 2020). O país, no ano de 2019, começou a cooperar com a Humans Right Watch, os autorizando a entrar em prisões esporadicamente para entrevistar detentos e investigar anomalias que potencialmente fossem encontradas. Nos últimos meses deste ano, os funcionários da organização não obtiveram permissão por parte do presidente e não conseguiram nenhuma resposta do Estado (NEW YORK TIMES, 2020).
Nos dias seguintes, ocorreu a reunião da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) onde Maduro não tentou se redimir de nenhum tipo de críticas feitas à ele e afirmou que o motivo de tantos venezuelanos estarem deixando o país e buscando asilo nos vizinhos se deve a fatores econômicos, que de acordo com ele, são responsabilidade das sanções provenientes dos Estados Unidos (EUA) com relação à Venezuela. Não obstante, Juan Guaidó, presidente interino reconhecido por grande parte da comunidade internacional, também se pronunciou na reunião, pedindo a ajuda internacional e afirmando que as vias diplomáticas haviam se esgotado. Ele também requereu que as eleições venezuelanas fossem assistidas pela União Europeia (EL PAÍS, 2020). A situação ocorrida na AGNU reafirma um cenário de instabilidade política muito grande que não tem previsão para que se encerre, tendo em mente a força da oposição liderada por Guaidó e, em contrapartida, o autoritarismo de Maduro.
Pouco após a União Europeia se pronunciar pedindo um adiamento das eleições venezuelanas, previstas para 6 de dezembro de 2020, Maduro foi a público alegando que essa proposta seria um absurdo e que não isso não seria acatado pelo país, além de afirmar que interferências externas não seriam toleradas. Esse discurso por parte do presidente desencadeou uma reação dentro da oposição que se rejeita a participar das eleições, a qual atestou que fará o possível para boicotar o processo eleitoral (G1, 2020). A pressão internacional sobre o país está cada vez maior. Foi avistado próximo a costa da Venezuela um navio militar dos Estados Unidos, que foi recebido como uma mensagem de intimidação por Maduro, que alegou ser um “ato de provocação”. No entanto, a marinha estadunidense disse que tal navio era parte de uma manobra de combate ao narcotráfico (CLARIN, 2020).
Henrique Capriles, ex-governador do estado de Miranda e um dos mais importantes opositores ao governo Maduro, também vem se pronunciando ao longo do último mês, formando uma segunda frente oposicionista por discordar das atitudes tomadas pelo “presidente interino” Juan Guaidó, caracterizando-as como ineficientes. Capriles tem afirmado ainda que o acompanhamento das eleições pelas grandes potências poderia abrir novos caminhos para o restabelecimento da democracia (NEW YORK TIMES, 2020). Entretanto, o pedido da União Europeia para que as eleições fossem adiadas foi negado por Maduro; frentes oposicionistas, consequentemente, afirmaram que irão boicotar as eleições, o que torna o cenário ainda mais incerto. Nesse sentido, Capriles afirmou, após o comunicado presidencial, que não participaria das eleições caso o pedido da UE não fosse acatado, na medida em que seria impossível um processo “justo, democrático e competitivo” dentro do prazo estipulado (EL PAÍS, 2020).
A perda de coesão da frente oposicionista se dá por inúmeros fatores. O primeiro deles foi a divisão da mesma com a entrada de Capriles, o que pode gerar impactos extremamente negativos nos resultados das possíveis eleições que estão por vir. Além disso, o não adiamento e a tentativa de boicote gera medo na população, que se vê sem saída dentro de um governo extremamente autoritário. As acusações não respondidas por Maduro e os discurso e atitudes totalitários criam um clima tenso de pânico. Muitos não se rebelam, não por falta de ímpeto contra o governo, mas por medo de serem reprimidos e perseguidos pelo Estado.
A situação na Venezuela é extremamente instável, não sendo possível prever quando e como ocorrerão as eleições. Embora a oposição seja apoiada pelas grandes potências, a imprevisibilidade da política interna venezuelana não permite nenhuma previsão exata do que ocorrerá. A grande questão remanescente nesse embate parece ser como restaurar um regime democrático em meio à um governo extremamente autoritário.
Referências:
NICK, Bruce. Venezuelan Leaders Implicated in Crimes Against Humanity by U.N. Investigators. New York Times, 2020. Disponível em: <https://ww.nytimes.com/2020/09/16/world/americas/venezuela-un-killings-torture.html>. Acesso em 01 out. 2020.
OS crimes contra a humanidade dos quais comissão da ONU acusa Maduro. BBC, 2020. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-54185536>. Acesso em 01 out. 2020.
MARTÍNEZ, Mariana. Venezuela’s Opposition Splits Over Taking Part in Coming Elections. NEW YORK TIMES, 2020. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2020/09/06/international-home/venezuela-elections-maduro.html>. Acesso em 07 out. 2020.
MOLEIRO, Alonso. Capriles se recusa a participar das eleições de dezembro na Venezuela se não forem adiadas. EL PAÍS, 2020. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/internacional/2020-10-01/capriles-se-recusa-a-participar-das-eleicoes-de-dezembro-na-venezuela-se-nao-forem-adiadas.html>. Acesso em 07 out. 2020.
MOLEIRO, Alonso. Na ONU, Maduro culpa Washington por crise na Venezuela e pede fim das sanções. EL PAÍS, 2020. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/internacional/2020-09-24/na-onu-maduro-culpa-washington-por-crise-na-venezuela-e-pede-fim-das-sancoes.html>. Acesso em 01 out. 2020.
NICK, Bruce. Venezuelan Leaders Implicated in Crimes Against Humanity by U.N. Investigators. New York Times, 2020. Disponível em: <https://ww.nytimes.com/2020/09/16/world/americas/venezuela-un-killings-torture.html>. Acesso em 01 out. 2020.
PRESSE, France. Governo da Venezuela diz que pedido da União Europeia para adiar eleições legislativas é inadmissível G1, 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/10/01/governo-da-venezuela-diz-que-pedido-da-uniao-europeia-para-adiar-eleicoes-legislativas-e-inadmissivel.ghtml>. Acesso em 01 out. 2020.
UN barco de guerra de EE.UU. se aproxima a Venezuela y Caracas denuncia una “provocación”. CLARIN, 2020. Disponível em: <https://www.clarin.com/mundo/barco-guerra-ee-uu-aproxima-venezuela-caracas-denuncia-provocacion-_0_CUGv3Xgw1.html>. Acesso em 01 out. 2020.