Texto Conjuntural: África Ocidental #14

A luta contra a mutilação genital feminina e os agravantes socioeconômicos na Guiné-Bissau.

Sofia de Freitas Machado.

A mutilação genital feminina (MGF) é uma espécie de ritual que acontece majoritariamente em países africanos e do Oriente Médio e trata-se da retirada de parte ou todos os órgãos femininos externos. Alguns estudos afirmam que mulheres já eram submetidas a esse tipo de prática a mais de 5.000 anos na região do Egito. A “justificativa” está relacionada a cultura de algumas nações que veem a MGF como um jeito de controlar a vida sexual feminina, controlando a virgindade das mulheres até o casamento, e em outras culturas é um ato que serve como um meio de não permitir o prazer sexual feminino. Em suma, a prática é realizada de uma forma deplorável, com instrumentos cortantes sem esterilização, sem medicamentos ou anestésicos e com grande falta de higiene. Ademais, as mulheres e crianças submetidas a esse tipo de ritual sofrem além do físico, consequências psicológicas capazes de deixar traumas e cicatrizes profundas.

Estatísticas de MGF
O mapa acima foi elaborado pela organização The Woman Stats Project, que combinou informações sobre o assunto e dados da ONU e do Unicef. Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-47136842

Em características gerais, a Guiné-Bissau é um país localizado na África Ocidental que faz fronteira com o Senegal ao norte, Guiné ao sul e ao leste e com o Oceano Atlântico a oeste. As religiões que predominam no país são o Islamismo, com aproximadamente 50% da população convertida, o Cristianismo com 10% e o restante continua a manter as crenças nativas animistas (Wikipédia, 2021), tendo como idioma oficial o Português.

A principal forma de sustento é através da agricultura, que absorve “cerca de 80% da força de trabalho local”. Nesse sentido, o país que tem sua economia com baixo desenvolvimento é detentor de um dos seis piores Índices de Desenvolvimento Humano, por volta de 0,289, tem um PIB baixíssimo e uma expectativa de vida de cerca de 46 anos (BRASIL ESCOLA, 2021) Esse contexto dá margem a determinados tipos de conduta, inclusive a mutilação genital feminina que em consonância com a baixa renda das famílias tende a crescer, visto que acontecem mais casamentos forçados e surge um aumento considerável de violência e maus tratos contra mulheres.

Mulher mostra lâmina
Instrumento utilizado para a MGF. Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-47136842

Certamente podemos perceber que há uma intensa relação entre a mutilação genital feminina e os problemas econômicos, já que são realizados maiores registros de casos quando o país enfrenta algum tipo de crise, como atualmente tem enfrentado com o Covid-19. Para as meninas da Guiné-Bissau, quando lhes faltam fatores básicos como o alimento e o acesso a saúde, acaba sobrando a vulnerabilidade e assim são induzidas ao que aparentemente é a única opção, o casamento forçado. Além do mais, segundo o ativista Fatumata Djau Baldé (DW, 2021), “há informação de um aumento da mutilação genital feminina no país, mas ninguém denuncia, principalmente na região de Gabu”. O que dificulta o rastreamento e a punição desse tipo de conduta.

Todavia, é importante considerar que a luta contra a MGF já alcançou alguns avanços históricos pois o país aprovou em 2011 a Lei n°14/2011 que foi criada para prevenir, combater e reprimir a excisão/mutilação feminina em todo território da Guiné-Bissau. A lei traz em seu texto artigos que definem o conceito de excisão, punem a omissão da ocorrência dos atos e traz algumas penalidades para aqueles que continuarem praticando. Sem dúvidas, a Lei 14/2011 trouxe um maior resguardo físico e psicológico para as mulheres da Guiné-Bissau, entretanto há muito mais a ser feito, inclusive porquê o processo de sensibilizar e desmistificar o ato da excisão é um desafio complexo. Destarte, além de existir uma lei é preciso lutar pela sua execução principalmente pelos mais arraigados na cultura, ainda mais em situações como a atual em que surgem alguns agravantes sociais que acabam trazendo maiores complicações para o seu cumprimento.

Desse modo, a pandemia é um exemplo pertinente de crise, pois gerou na Guiné-Bissau o fechamento de instituições de ensino, o acesso ainda mais difícil à saúde e o crescimento do desemprego. E quanto mais difícil é para uma família manter suas filhas mais comum é a escolha pelo que parece ser a única opção. Em entrevista a DW, em 23 de março de 2021, um ativista chamado Laudolino Medina, da Associação Amigos da Criança, afirma que: “Com a Covid-19, as famílias que vivem do quotidiano viram os seus rendimentos caírem e as estratégias mudam, nomeadamente através do casamento forçado com um elevado dote”, e, dentro de um casamento com essas circunstâncias a probabilidade de mutilação feminina é exorbitante.

Fontes e Referencias:

Pandemia aumentou a violência contra meninas e jovens na Guiné-Bissau. Agência Lusa, 2021. Disponível em: https://www.dw.com/pt-002/pandemia-aumentou-viol%C3%AAncia-contra-meninas-e-jovens-na-guin%C3%A9-bissau/a-56960073. Acesso em: 13 mai. 2021.

Na Guiné-Bissau a mutilação genital passou à clandestinidade. Mussá Baldé e Sofia Branco, 2018.Disponível em: https://www.publico.pt/2018/12/09/mundo/reportagem/guinebissau-mutilacao-genital-passou-clandestinidade-1853858. Acesso em: 13 mai. 2021.

Guiné-Bissau. Lei 14/2011. Lei que visa prevenir, combater e reprimir a excisão feminina em todo território nacional. 5 de Jul de  2011. Disponível em: https://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c324679626d56304c334e706447567a4c31684a5355786c5a793944543030764d554e425130524d5279395451306b765247396a6457316c626e52766330466a64476c32615752685a4756446232317063334e686279396a4e7a686d596a68684d7930785a474e6d4c5452685a5455744f4441334e7930304d7a4269596d59324d54497a597a6b756347526d&fich=c78fb8a3-1dcf-4ae5-8077-430bbf6123c9.pdf&Inline=true. Acesso em 22 jul. 2021.

Wikipédia. The Association of Religion Data Archives. «Largest Religious Groups (Guinea-Bissau)» (em inglês). Consultado em 25 de julho de 2011. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Guin%C3%A9-Bissau#cite_note-30. Acesso em 24 de maio de 2021.

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