Texto Conjuntural Grandes Lagos #12: Cooperação Tanzânia e Uganda – Oleoduto da África Oriental 

Cooperação Tanzânia e Uganda – Oleoduto da África Oriental 

Por: Sofia Salles

Tanzânia e Uganda possuem um histórico de conflitos que antecede às relações amistosas dos últimos anos. Um acordo firmado entre os dois países, juntamente com a companhia petrolífera francesa Total e China National Offshore Oil Corporation, no dia 11 de abril de 2021, marca uma nova fase de cooperação entre os Estados. Este novo compromisso constitui na construção de um oleoduto que permitirá o transporte de petróleo bruto do oeste de Uganda até o Oceano Índico. Com o início das construções em 2021, este projeto tem o valor de US$ 3,5 bilhões. O East African Crude Oil Project Pipeline (EACOPP) pode ser o maior oleoduto de petróleo bruto aquecido eletricamente do mundo, com 1400 quilômetros de extensão. O oleoduto necessita de ser aquecido em 50 ºC para que o petróleo não se solidifique na tubulação, devido a uma condição natural do mesmo, com baixo teor de enxofre (MUGABI, 2021; PEARCE, 2020). 

Imagem I – East African Crude Oil Project Pipeline

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Fonte: PEARCE, 2020

Entretanto, a relação entre os dois Estados nem sempre foi pacífica. O momento mais marcante das hostilidades entre os dois países pode ser considerado a Guerra Kagera (para Tanzânia) ou a Guerra da Libertação (para Uganda). Este conflito perdurou entre outubro de 1978 até junho 1979, precedida por uma deterioração da relação entre Uganda e Tanzânia. A guerra se iniciou com a tomada de poder por um golpe militar de Idi Amin em 1971 na Uganda. O líder tanzaniano, Julius Nyerere, ofereceu a Milton Obote, presidente deposto, refúgio devido a seus laços estreitos. O Nyerere apoiou uma rebelião em Uganda em 1972, e, após diversas tentativas de retirada de Amin por parte do Estado tanzaniano, a guerra começou. Assim, tropas foram enviadas em uma tentativa de invadir e anexar a região de Kagera na Tanzânia, a qual Amin afirmava pertencer a Uganda. O conflito terminou em abril de 1979, no qual a Tanzânia saiu vitoriosa. Nos anos seguintes ao conflito, o regime de Amin foi desestabilizado por violências generalizadas, problemas econômicos e insatisfação por parte do exército do país (ACHESON-BROWN, 2001). 

Um novo capítulo no relacionamento entre Tanzânia e Uganda se iniciou em abril de 2017, em um dos primeiros encontros entre os dois países para negociações, nas quais ambos concordaram em uma série de memorandos e novas formas de cooperação. No mesmo ano, na 13ª Cúpula de Chefes de Estado do Corredor Norte de Kampala, Uganda anunciou a escolha da rota pela Tanzânia para a passagem do seu petróleo bruto, por meio de um oleoduto. O oleoduto passará entre os campos de Tilenga e Kingfisher em Uganda para o porto de Tanga na Tanzânia. Dentre as opções disponíveis, estavam também rotas que passavam por Mombaça ou Lamu no Quênia, contudo, por questões de gastos, a negociação passou para a Tanzânia. Nesta cúpula, também estavam presentes os chefes do Quênia e Ruanda, assim como os representantes da Etiópia, Sudão do Sul e Tanzânia (MUGABI, 2021; PSCU, 2016).  

O novo projeto consolidado tem grande potencial para aprimorar e avigorar a cooperação bilateral entre os dois países. Além destas possibilidades, a construção do oleoduto viabiliza um aumento no fluxo de investimentos estrangeiros diretos na região da África Oriental, o que, consequentemente, elevaria a competitividade do mercado regional. Com a capacidade de produzir 216.000 barris de petróleo bruto por dia, o oleoduto se tornou o principal projeto no setor energético da região. Para a construção dos 1440 quilômetros, foi-se estipulado o valor de US$ 3,5 bilhões, sendo que Uganda será responsável pelo pagamento de US$ 12,20 para a Tanzânia a cada barril que percorrer o oleoduto. O financiamento e o desenvolvimento do ambiente de negócios em ambos os países visa aproximá-los de empresas estrangeiras para que as mesmas possam apoiar esses setores locais e, consequentemente, aumentar a produtividade e as receitas de exportação. Mesmo em meio a uma pandemia global, na qual a demanda por petróleo despencou, assim como seu preço, a indústria petroquímica está em busca desta grande expansão, visando substituir as reservas que estão esgotando. Por isso o investimento por parte da empresa chinesa e francesa nos dois campos de petróleo descobertos nas margens do Lago Albert, os quais contêm cerca de 6 bilhões de barris (TRADEMARK EAST AFRICA, 2018; PEARCE, 2020). 

A relação econômica entre Tanzânia e Uganda vinha se estabilizando com o decorrer dos anos. Em 2013, a Tanzânia exportou US$62,2 milhões em mercadorias para Uganda ao passo que Uganda enviou US$ 62,6 milhões, também em mercadorias, para Tanzânia.Por este motivo, os acordos comerciais bilaterais firmados para a construção do oleoduto são elogiados, como o caso do Ministro da Informação e Cultura da Tanzânia, Harrison Mwakyembe, que espera que as relações entre Uganda e Tanzânia continuem a crescer cada vez mais. Yoweri Museveni, presidente da Uganda, e o antigo presidente da Tanzânia, John Pombe Magufuli, antes de sua morte em março de 2021, orientavam o desenvolvimento econômico de seus estados, com o intuito de construir uma relação comercial estável entre os dois países (ESAU, 2021; TRADEMARK EAST AFRICA, 2018). 

O presidente John Magufuli, devido ao seu histórico liderança autoritária, enfraqueceu, durante sua supervisão, um dos projetos propostos de extração de gás natural liquefeito em Lindi, que pretendia comercializar cerca de 50 trilhões de pés cúbicos de gás natural controlados pela Shell. Ainda que o mesmo tenha sido decisivo para consolidar e concretizar o EACOPP, a morte de Magufuli em 2021 também postergou algumas das decisões de investimentos no projeto do oleoduto, por parte da empresa francesa, Total. Contudo, sua sucessora, a nova presidente da Tanzânia, Samia Suluhu Hassan, esteve presente em Uganda em abril para dar continuidade ao projeto (ESAU, 2021; MUGABI, 2021). 

Todavia, o EACOPP também vem sendo alvo de diversas críticas, de diferentes setores da sociedade. O Instituto Africano para a Governação da Energia emitiu uma declaração em abril de 2021 na qual incitou as partes dos acordos a abdicarem o projeto. A associação alega, primeiramente, que as partes não negociaram corretamente com as famílias que serão impactadas pela construção do oleoduto. Reiteram as alegações afirmando que o projeto tomará o local de uma zona de conservação ecologicamente sustentável. Além disso, ONGs afirmam que a pegada de carbono gerada pela queima deste petróleo será equivalente à da Dinamarca e que milhares de agricultores perderão suas terras. Mesmo com a afirmativa da empresa francesa que lidera o projeto, Total, de que 58.000 pessoas foram consultadas para minimizar os efeitos da construção, especialistas internacionais avaliam que o impacto social e ambiental deste projeto apresenta grandes riscos (MUGABI, 2021; PEARCE, 2020).

Vemos, portanto, que apesar do EACOPP apresentar uma diversificação nos setores para o desenvolvimento de tanto Uganda quanto a Tanzânia, o mesmo dispõe de fardos que não podem ser ignorados. Torna-se possível, por conseguinte, analisar as ações tomadas para o firmamento deste projeto tendo em vista as afirmativas feitas por parte do governo de Uganda em 2016, com a ratificação do Acordo de Paris e escrita de suas próprias NDCs. 


  1.  Sigla em inglês para Contribuições Nacionalmente Determinadas 

REFERÊNCIAS

ACHESON-BROWN, Daniel G. The Tanzanian Invasion of Uganda: A Just War?. International Third World Studies Journal and Review. Gainesville: v.12, n.1, pg. 1-11, 2001.

‌BUNGANE, Babalwa. Tanzania to work with Uganda on natural gas pipeline project | ESI-Africa.com. Disponível em: <https://www.esi-africa.com/industry-sectors/business-and-markets/tanzania-to-work-with-uganda-on-natural-gas-pipeline-project/&gt;. Acesso em: 20 maio. 2021.

ESAU, Iain. Eyes on East Africa oil and gas projects as Tanzania’s new president sworn in | Upstream Online. Disponível em: <https://www.upstreamonline.com/politics/eyes-on-east-africa-oil-and-gas-projects-as-tanzanias-new-president-sworn-in/2-1-983537&gt;. Acesso em: 20 maio. 2021.

‌MUGABI, Isaac. Ugandans criticize oil pipeline deal with Tanzania and Total | DW | 13.04.2021. Disponível em: <https://www.dw.com/en/ugandans-criticize-oil-pipeline-deal-with-tanzania-and-total/a-57186579&gt;. Acesso em: 20 maio. 2021.

PEARCE, Fread. A Major Oil Pipeline Project Strikes Deep at the Heart of Africa. Disponível em: <https://e360.yale.edu/features/a-major-oil-pipeline-project-strikes-deep-at-the-heart-of-africa&gt;. Acesso em: 24 maio. 2021.

‌PSCU. Kenya will build own pipeline, Uhuru tells EAC summit. Disponível em: https://nation.africa/kenya/business/kenya-will-build-own-pipeline-uhuru-tells-eac-summit-1192136

TRADEMARK EAST AFRICA. Uganda-Tanzania booming relations to boost investments in East Africa, 2018. Disponível em: https://www.trademarkea.com/news/uganda-tanzania-booming-relations-to-boost-investments-in-east-africa. Acesso em: 17 maio 2021.

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