Crise econômica na Argentina: os Hermanos de voltas aos braços do FMI
Alice Alcântara
A relação entre a Argentina e o Fundo Monetário Internacional (FMI) é antiga, passando por épocas de ditadura militar e de democracia. Ao longo de 60 anos, exatamente 20 acordos foram firmados, sendo o primeiro datado de 1958, durante o governo Arturo Frondizi, e o último em 2003, com Eduardo Duhalde (ver tabela 1) (INTERNATIONAL MONETARY FUND, 2005).
Tradicionalmente, governos em crises cambiais ou de dívidas procuram o FMI em busca de dólares, posto que dependem do mesmo para segurar o valor de suas moedas, e assim estabilizar a taxa de câmbio e conter a inflação. O Fundo, ao conceder o suporte requisitado, estabelece um conjunto de reformas pelas quais o país deve passar a fim de se adequar ao mercado internacional, como redução nos gastos públicos e privatização de estatais (DOMINICIS, 2018). Até os anos 80, o FMI desempenhava um papel primordial nas economias latino-americanas em processo de desenvolvimento, viabilizando a recuperação dos fluxos financeiros interrompidos ao longo da crise da dívida externa. Atuou também como um dos propagadores do ideário neoliberal na América Latina, vinculando a concessão de empréstimos à aprovação de um conjunto de reformas de caráter neoliberais (SILVA, 2009)
Tabela 1 – Histórico de Empréstimos do FMI para a Argentina
Fonte: Fundo Monetário Internacional
Nos anos 1990, o governo do presidente Carlos Menem adotou o regime de conversibilidade cambial, fixando a paridade peso/dólar em 1 para 1, e contou com o apoio do Fundo para a concretização do plano. A estratégia, que por um tempo conseguiu reduzir a inflação a 0, entretanto, fracassou, afundando a economia argentina na crise política e econômica de 2001, que levou o país a decretar moratória e arrastar a dívida com o FMI para os próximos governos (CARMO, 2018). A dívida, portanto, somente foi paga em 2006, durante o governo de Néstor Kirchner, quando as exportações de commodities e os baixos juros internacionais estavam em alta, transformando o déficit em superávit no Balanço de Pagamentos. O governo Kirchner, após o pagamento, passou a proibir as visitas dos técnicos do Fundo para avaliação da economia, marcando uma ruptura simbólica, que indicava o fim da dependência legitimada pela dívida (MOLINA, 2018).
No entanto, doze anos após o fim da relação entre a Argentina o FMI, o presidente argentino Maurício Macri anunciou o início de uma nova negociação com o Fundo, que implica em uma linha de crédito, qualificada como preventiva, de pelo menos US$ 30 bilhões. O pedido de ajuda da Argentina nasce em meio a um cenário de desvalorização do peso argentino, e de elevação da taxa de juros de 22% para 40%, consequência da recente ascensão do dólar americano (CARMO, 2018). Como foi relatado pelo jornalista do EL PAÍS:
Em meio a uma depreciação generalizada das moedas da região, como reflexo do aumento dos juros nos EUA, o peso argentino evidenciou sua vulnerabilidade. O dólar subiu para 23,50 pesos, apesar das medidas extraordinárias para conter a valorização. O Banco Central da Argentina elevou a taxa de juros para 40%, em uma tentativa de desencorajar investidores que fugiam do peso a toda velocidade e apostavam na moeda norte-americana (MOLINA, 2018).
O objetivo do empréstimo é injetar dólar na economia, e assim conter a crescente desvalorização da moeda, dado os efeitos da alta do dólar e das taxas de juros na inflação e no crescimento do país. Há preocupações, por parte dos argentinos, com as possíveis condicionalidades impostas pelo organismo internacional na concessão do empréstimo, uma vez que grande parte do país ainda culpa o Fundo pela crise de 2001, que deixou um rastro enorme de pobreza e desemprego (MOLINA, 2018).
O FMI, por sua vez, passou por uma reforma nos últimos anos, em uma tentativa de se tornar menos rígido em seus condicionamentos e responder as crises de forma mais eficiente, além de recuperar sua relevância de forma mais representativa e moderna. Todavia, as políticas exigidas para a estabilização da economia continuam, em sua essência, sendo de caráter liberal, modelo o qual o governo Macri já vem adotando desde seu início em 2015 (CASTRO, 2018). Segundo o presidente argentino, “o Fundo não é mais o mesmo e não pedirá a Argentina os ajustes que costumava pedir no passado” (CARMO, 2018). O acordo ainda segue em negociação, mas as expectativas são para uma conclusão rápida.
Referências
INTERNATIONAL MONETARY FUND. Argentina: History of Lending Arrangements. 2018. https://www.imf.org/external/np/fin/tad/extarr2.aspx?memberKey1=30&date1key=2005-05-31
CARMO, Marcia. Por que a Argentina está de volta aos braços do FMI? BBC Brasil. Buenos Aires, 2018. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/internacional-44035325
CASTRO, José Roberto. Argentina em Crise: Como o FMI socorre os países atualmente. NEXO Jornal. 2018. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/05/11/Argentina-em-crise-como-o-FMI-socorre-os-pa%C3%ADses-atualmente.
MOLINA, Federico Rivas. El FMI en la Argentina de la dictadura, la hiperinflación y el corralito. EL PAÍS. Buenos Aires, 2018. Disponível em: https://elpais.com/internacional/2018/05/11/argentina/1526060025_328226.html
MOLINA, Federico Rivas. Argentina recorre ao FMI após valor do peso despencar. EL PAÍS. Buenos Aires, 2018. Disponível em:
DOMINICIS, Lucía De. Siempre se vuelve al primer amor: cronologia de la relación entre Argentina y el FMI. La Primera Piedra, n de Edición 1232. Córdoba, 2018. Disponível em: https://www.laprimerapiedra.com.ar/2018/05/siempre-se-vuelve-al-primer-amor-cronologia-de-la-relacion-entre-argentina-y-el-fmi/.
SILVA, Roberta. A Argentina entre as reformas econômicas e a redefinição das negociações com o FMI (1989-2007). Rev. Soc. Pol., v.17, n.33, 2009
Um comentário sobre “Texto Conjuntural: Cone Sul #1 – Crise econômica na Argentina: os hermanos de volta aos braços do FMI”