As operações de paz na Somália
Flávia Lanza
A guerra civil da Somália se iniciou em 1991, surgindo de uma resistência à ditadura militar da época. Com isso, as forças armadas do país começaram a se envolver com grupos rebeldes armados, instaurando a instabilidade no país. Vinte e oito anos depois, nos dias atuais, ainda existem operações de paz sendo realizadas em território somali, e o Conselho de Segurança das Nações Unidas emitiu uma nota em março deste ano afirmando que essas operações tiveram seu tempo de execução estendido. Isso se dá porque, apesar de muitas missões terem sido realizadas ao longo do conflito – sendo elas para construir a paz ou para oferecer ajuda humanitária -, elas não conseguiram obter sucesso e reestruturar as forças de segurança da Somália. Grupos terroristas ainda ameaçam a frágil estabilidade alcançada, e por isso ainda é necessário que tropas dos aliados internacionais do país se mantenham no território somali. (UNITED NATIONS, 2019)
O Estado somali entrou em colapso nos anos 90, com uma combinação de fatores externos e internos. Antes do início dessa década, o país era dividido em 5 estados, cada um com influência de um país europeu, e estava sendo afetado por um conflito na Etiópia. Durante o período da Guerra Fria, a Somália era considerada uma região estratégica para os Estados Unidos, visto que era perto da União Soviética e, portanto, um ponto que assistiria aos EUA á realizar um ataque. Porém, com o fim desse período, e com o surgimento de uma nova ordem internacional, a ajuda externa que sustentava o país foi retirada, levando ao presidente da época a perder o controle de seu exército. (BRADBURY; HEALY, 2010)
A década de 90 na Somália foi iniciada com diversos conflitos entre as facções presentes no país, gerando aproximadamente 25.000 mortos. Também, o país vivia um período de seca, crise econômica e interrupção do fornecimento de alimentos para a população, o que gerou ainda mais mortos. Os Estados vizinhos, pertencentes ao Chifre da África, tentaram levar as partes do conflito a assinarem um acordo de paz, o que não foi alcançado. Foi nesse momento, em 1991, que a ONU resolveu interferir no conflito, aplicando uma operação de paz para monitorar o cessar-fogo na capital somali, além de escoltar suprimentos humanitários para centros de distribuição. Essa operação era chamada de UNOSOM (United Nations Operation in Somalia I), e não obteve sucesso, pois não conteve a violência nem resolveu o problema da fome. (BRADBURY; HEALY, 2010)
Em 1992, essa operação foi substituída pela UNITAF (Unified Task Force), sendo ela conduzida principalmente pelos Estados Unidos com o apoio da ONU. Essa operação foi feita por soldados americanos que foram disponibilizados para a organização, e ela era chamada de ‘’Operation Restore Hope’’ (Operação Restaurar a Esperança, tradução livre) porque tinha a finalidade de promover a reconciliação da nação somali, além da reconstrução econômica do país. O então secretário-geral da ONU, Boutros Boutros-Ghali, afirmou que essa intervenção apresentou uma efetiva prestação de assistência humanitária, além de que a presença das tropas obtiveram um impacto positivo na situação de segurança da Somália. Essa operação conseguiu que assistência humanitária fosse distribuída de forma igualitária no país, mas ainda assim não garantiu a segurança da população porque pequenos conflitos continuavam á ocorrer. (UNITED NATIONS, 1997)
Um episódio famoso do conflito somali que ocorreu durante a ação da UNITAF foi a Batalha de Mogadíscio, que ocorreu em 1993 entre as forças americanas e civis armados que apoiavam o líder somali Mohammed Farah Aidid. Esse líder também era apoiador do dirigente da ditadura em Mogadíscio, um dos principais alvos da operação e, mais tarde, presidente da Somália até 1995, quando foi obrigado pelas Nações Unidas a deixar o país. Esse confronto militar se tornou conhecido pelo grande número de mortos e feridos – aproximadamente 1500 e 4000, respectivamente. Essa batalha foi considerada como um sucesso pelo general que a liderou, apesar de violenta, por cumprir seu objetivo final: a captura de membros do gabinete de Aidid. Em contrapartida, o governo do então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, foi duramente criticado, pois até então a violência na Somália não havia diminuído e nenhum objetivo humanitário havia sido atingido. (KREMENTOWSKI, 2015)
A partir do ano de 1993, depois dessa batalha, o país ainda não apresentava um ambiente seguro o suficiente, nem um governo eficaz, além de não possuir uma polícia civil organizada ou um exército nacional. Então, fez-se necessária a implantação de uma terceira operação de paz, chamada de UNOSOM II, que procuraria completar a restauração da paz e estabilidade na Somália que foi iniciada com a UNITAF, implementando um cessar-fogo e desarmamento no país. Ademais, essa nova intervenção também tinha o objetivo de ajudar o povo somali na reconstrução de sua vida econômica, política e social, através da conquista da reconciliação nacional e do restabelecimento de instituições nacionais e regionais, com a intenção final de recriar um Estado democrático no país. A ONU também pretendia o repatriamento de refugiados que fugiram da Somália com medo do conflito e restabelecimento da polícia civil somali. Essa operação não conseguiu atingir seus objetivos, visto que o governo ainda permanecia frágil, sem controle militar e sem meios de defender o território da Somália. (UNITED NATIONS, 1997)
Além dessas três operações de paz, outras 6 organizações da ONU estavam trabalhando na Somália, sendo elas a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), o UNDP (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), a UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), a ACNUR (Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), o WFP (Programa Alimentar Mundial) e a OMS (Organização Mundial da Saúde). A intenção dessas outras organizações era de promover ajuda humanitária, ou seja, garantir os direitos básicos da população somali que enfrentava muita dificuldade, passando fome e vivendo em meio á conflitos armados. Apesar de ajudarem muito no bem-estar da população, essas organizações também falharam em instaurar uma paz e segurança no país. (UNITED NATIONS PEACEKEEPING, 2019)
A fase pós-intervenção do conflito foi de 1995 aos anos 2000, e foi caracterizada pelo aceleramento do desenvolvimento econômico na Somália. O Estado ainda estava instável, com muitos conflitos regionais e fluxos de migração. Foi só em 2004 que, com ajuda do Governo Nacional de Transição, aproximadamente 24 senhores da guerra¹ assinaram um acordo de paz para compartilharem poder. A partir daí, as próximas intervenções que o país sofreu foram a etíope e a queniana, que tinham como objetivo dispersar as tropas islâmicas do país e acabar com o terrorismo do grupo al-Shabaab – que até os dias atuais, permanece como uma ameaça. (GLOBAL SECURITY, 2019)
Outras operações foram feitas nos últimos anos. Um exemplo é a Operação Atlanta, feita pela União Europeia, que tinha como propósito acabar com a pirataria e com os assaltos que ocorriam ao longo da costa somali. Assim, as missões dessa operação envolviam proteger os navios que levavam ajuda humanitária ao país, como os do Programa Mundial de Alimentos (PMA), e proteger a navegação da AMISON (Missão da União Africana para a Somália). Essa última missão, também apoiada pelo Conselho de Segurança da ONU, está em vigor até hoje e tem como finalidade a contenção de grupos terroristas, além de consolidar a paz no país – já que as outras missões falharam em atingir esse objetivo. (AMISON, 2019) Outras operações, como a Operation Allied Protector (Operação Protetor Aliado, tradução livre) e a Operation Allied Provider (Operação Provedor Aliado, tradução livre) também tinham o intuito de defender os mares da Somália. (GLOBAL SECURITY, 2019)
Mapa 1: Área do território marítimo somali afetada pela pirataria

Fonte: Maritime Safety Information
Em suma, as operações de paz não conseguiram chegar a uma solução para todos os conflitos do país – ou seja, nenhum acordo foi finalizado e a segurança não foi instaurada. Por isso, a Somália ainda possui operações instaladas em seu território, visto que o conflito armado ainda pode chegar á ressurgir e que, ainda hoje, o país permanece em conflito, sofrendo com atentados e explosões, e mantendo um alto número de migrantes, que fogem da situação caótica do país. Sendo assim, as operações de peacebuilding permanecem na Somália, procurando uma estrutura para ser o apoio para a paz e segurança do Estado. (KENKEL, 2013)
Referências
AMISON. AMISON Mandate. [S.l]: African Union Mission in Somalia, Peacekeeping Mission. Disponível em: <http://amisom-au.org/amisom-mandate/>. Acesso em: 10 abr. 2019.
BRADBURY, Mark; HEALY, Sally. Endless war: a brief history of the Somali conflict. [S.l]: Conciliation Resources, 2010. Disponível em: <https://www.c-r.org/accord-article/endless-war-brief-history-somali-conflict>. Acesso em: 10 abr. 2019.
GLOBAL SECURITY. Somalia Civil War. [S.l]: Military. Disponível em: <https://www.globalsecurity.org/military/world/war/somalia.htm>. Acesso em: 10 abr. 2019.
KENKEL, Kai Michael. Five generations of peace operations: from the ‘’thin blue line’’ to ‘’painting a country blue’’. [S.l]: Revista Brasileira de Política Internacional, 2013.
KREMENTOWSKI, Megan. Today in History: Battle of Mogadishu. [S.l]: Warscapes, 2015. Disponível em: <http://www.warscapes.com/blog/today-history-battle-mogadishu>. Acesso em: 10 abr. 2019.
UNITED NATIONS. Security Council Extends Mandate of United Nations Assistance Mission in Somalia for One Year, Unanimously Adopting Resolution 2461 (2019). [S.l]: UN Meeting Coverage and Press Releases, 2019a. Disponível em: <https://www.un.org/press/en/2019/sc13752.doc.htm>. Acesso em: 24 abr. 2019.
UNITED NATIONS. United Nations Operation in Somalia I – (UNOSOM I). [S.l]: UN Missions, 1997. Disponível em: <http://www.un.org/Depts/DPKO/Missions/unosomi.htm>. Acesso em: 10 abr. 2019.
UNITED NATIONS PEACEKEEPING. United Nations Operation in Somalia I – (UNOSOM I) – Background. [S.l]: UN Peacekeeping Missions. Disponível em: <https://peacekeeping.un.org/mission/past/unosom1backgr2.html>. Acesso em: 10 abr. 2019.
¹ Os senhores da guerra são líderes e políticos somali que são rivais e entram em conflito pelo controle do país. Essas pessoas apresentam poder e influência nas decisões do país, e alguns também lutam para a retirada/manutenção de quem está no governo, procurando atingir seus interesses. e6fcd401fefff