Crises no Sudão: tentativas de estabelecer uma democracia
Ana Luiza Carvalho de Oliveira
Desde 1953 as concessões gradativas para a independência do Sudão foram marcadas por dificuldades políticas e conflitos, principalmente religiosos, entre muçulmanos e cristãos nas regiões norte e sul respectivamente, bem como conflitos étnicos. A partir disso, em 1956, a independência é conquistada e o Sudão passa a ser marcado pela instabilidade. Isto porque, somente em 1986, ocorre uma das primeiras eleições democráticas no país, onde Sadiq al-Mahdi é eleito como primeiro ministro do Sudão.
Diante da posse do primeiro ministro, passa-se a adotar tentativas de negociação com os rebeldes do sul, que faziam parte de um movimento conhecido como exército de libertação do povo sudanês. Neste contexto, Omar Al-Bashir realiza um golpe de estado no ano de 1989, justificando o golpe a partir de sua posição contrária às negociações que estavam sendo realizadas por Sadiq al-Mahdi. Cabe salientar que antes de assumir o poder, Al-Bashir teve apoio de radicais muçulmanos, que eram contra a independência do sul cristão, tendo assim, relação próxima à grupos como a Al-Qaeda. Devido a tal proximidade, os Estados Unidos acusam o Sudão de ser patrocinador do terrorismo, ordenando a retirada da embaixada no país, além de realizar sanções econômicas e comerciais no país em 1997 e financiar os rebeldes do Sul. (SCHNEIDER, 2008)
Assim sendo, o Sudão passa a buscar novos parceiros, e assim, a Liga Árabe, a Rússia e China aparecem como investidores na infraestrutura do país. Dentre estes, a China é a principal investidora, marcando o país por parcerias no setor petrolífero, criando no Sudão uma estrutura que fez com o país se tornasse um grande exportador africano, além de apoiá-lo desde a década de 1990 na tentativa de evitar a aprovação de sanções econômicas. (RYSDYK, 2010)
Além do contexto de instabilidade que o país se encontra, a região de Darfur, que se localiza no oeste do Sudão, passou a viver um momento muito delicado:
“Podemos afirmar que na virada do século XX para o século XXI, vários fatores contribuíram para tornar a situação da população de Darfur extremamente caótica : um forte descaso por parte do governo central e consequentemente subdesenvolvimento profundo da região; uma polarização paulatina das populações da região em torno de identidades comunitárias e étnicas em detrimento da identidade nacional, fenômeno observado no continente como um todo; e ainda mudanças no sistema tradicional de divisão de terras, incertezas e secas recorrentes que tornaram os recursos ainda mais escasso no Darfur” (SCHNEIDER,2008, p. 53).
Entretanto, a região já em conflito desde a década de 1980, passa a vivenciar um conflito armado somente em 2003. Isto porque, na tentativa de realizar um possível acordo, apesar do planejamento trazer uma ideia de uma unificação do Sudão, a região de Darfur e outras partes que não incluíam a região Sul-Norte acabam sendo rejeitadas. Dessa forma, com a percepção que o Sul apenas tinha seus desejos atendidos por possuir armamentos, eles passaram a entender a luta armada como solução para os problemas da região. (SCHNEIDER, 2008).
A partir disso, quando Al-Bashir realiza o golpe era claro o medo e a ameaça que os movimentos separatistas representavam, já que a parte do Sul do país representava uma área com mais de 75% do petróleo do Sudão. Entretanto, em meio ao conflito de Darfur e a instabilidade ainda muito grande que o país passava, em 2005 Al-bashir viu-se obrigado a realizar um acordo com o exército de libertação do Povo Sudanês e assinar o Comprehensive Peace Agreement (CPA). Diante disso, foi feito um referendo com um período transitório para uma possível independência por parte do Sudão do Sul.
O CPA é um acordo de paz, conhecido também Tratado de Naivasha, de extrema relevância, pois representa a união entre as partes Sul-Norte e uma referência de como solucionar conflitos. Além disso, representou assentimento de ambas as regiões, mas principalmente por parte do norte, que acabou cedendo uma área extremamente rica em petróleo. Diante da relevância do CPA, em 2011 culminou-se a independência do Sudão do Sul. No entanto, em paralelo a tal acontecimento, rebeldes de Darfur uniram-se a fim de atacar o governo central, pois ao realizar acordos com a região Sul, o governo permitiu que outras partes do país questionem seus próprios interesses. (SCHNEIDER, 2008).
Uma questão relevante é que a região, onde atualmente o Sudão se encontra, é extremamente importante geopoliticamente pois, se trata do Estado que possui a maior extensão no continente africano, além de estar localizado na região de encontro entre o norte da África e o Oriente Médio. Além do fato de ser banhado pelo mar vermelho e de ser uma região estratégica econômica e politicamente o país é cortado pelo Rio Nilo, possuindo terras férteis em seu entorno, dando espaço para a agricultura e também possuindo um solo rico em minerais, como por exemplo, ouro.
Diante disso, o Sudão tem um grande potencial para crescimento, entretanto, enfrenta enormes desigualdades sociais e devido a este contexto, pois a maior parte da população é pobre. Entre os fatores que motivaram tal cenário pode-se citar o fato de Al-Bashir ter sido acusado de patrocinar milícias e de corrupção, além de ser indiciado pelo Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra. Somando tais acontecimentos aos conflitos e a crise econômica gerada pela perda da região sul, que possuía a maior porcentagem de petróleo do Estado, houve uma alta expressiva no preço do pão, que contribuiu para o agravamento daqueles que se encontravam em situação de pobreza e marcou o estopim de protestos que buscavam derrubar o ditador[1] .
À vista disso, em uma tentativa do governo de repreender tais manifestações foram estabelecidos toques de recolher e respostas extremamente violentas, onde até abril de 2019 cerca de 29 pessoas haviam sido mortas. Entretanto, as manifestações se tornaram ainda mais fortes, estendendo as margens do conflito à capital, Cartum, com a população clamando pela subversão do governo de Al-Bashir, que já possuía duração de 30 anos, além da volta à democracia. Assim sendo, os militares que estiveram ao lado de Al-Bashir, em 10 de abril de 2019, se voltam contra ele e realizam um golpe militar, tirando-o do poder. A partir disso, o conselho militar anuncia um governo interino com previsão de duração de cerca de dois anos. (NARANJO, 2019)
Com o slogan “no more old man in uniform”, a população vê como ameaça mais um governo militar no poder e intensifica ainda mais as manifestações, exigindo do conselho militar a transferência para um governo civil. Dentre as manifestações Alaa Salah, uma mulher que lidera um dos protestos se torna símbolo das manifestações, como é possível observar na imagem 1, mostrando a determinação do povo em prosseguir as manifestações até que uma autoridade civil assuma o poder. (MOHAMMED, 2019)
Imagem 1 – Allan Salah liderando protestos em Cartum

Fonte: Lana Hago
“Nós derramamos sangue para um governo de transição civil, não para um homem velho em uniforme militar. Nós cuidamos de um, estamos agora cuidando do segundo, e se eles nos derem um terceiro, nós cuidaremos dele também, até que eles estejam atrás das grades respondendo por seus crimes ” declara Mahmoud, um dos manifestantes.[2] Ao longo do processo, o Sudão passa a receber apoio financeiro de diversos países, como a Arábia Saudita, o que pode prolongar o poder do conselho militar que promete uma transferência de poder sem data prevista.
Por fim, com o aumento da pressão por parte da população, no final de abril de 2019, o conselho militar estabeleceu tratativas com o intuito de estabelecer um conselho civil e militar conjunto a fim de discutir o pedido de um governo civil. Dado este cenário os rumos do país ainda são incertos, mas devido a queda de Al-Bashir, é possível que o país perca a imagem de corrupção, repressão, isolacionismo e todos os problemas ligados à imagem de Omar, podendo atrair mais projetos de desenvolvimento no longo prazo. (PODCAST SUDÃO ,2019)
Referências
MOHAMMED, Zeinab. ‘No more old men in uniform’: on the ground with Sudan’s protesters. The Guardian, Cartum, 12 abril 2019. Global Development. Disponível em: <https://www.google.com/amp/s/amp.theguardian.com/global-development/2019/apr/12/no-more-old-men-in-uniform-sudan-protesters-demand-civil-government-military-power-omar-al-bashir>. Acesso em: 25 de abr. 2019.
NARANJO, José. Forças Armadas tomam o poder no Sudão. El País, Cartum, 11 abril 2019. Internacional. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2019/04/11/internacional/1554966659_518048.html>. Acesso em: 25 de abr. 2019.
PODCAST Sudão, Caso Assange e eleições em Israel. [Locução de]: Filipe Figueiredo. [S. l.]: Xadrez Verbal, 13 abr. 2019. Podcast. Disponível em: https://xadrezverbal.com/2019/04/13/xadrez-verbal-podcast-182-sudao-caso-assange-e-eleicoes-em-israel/. Acesso em: 29 out. 2018.
RYSDYK, Janaína. A política externa chinesa para a África: uma análise dos casos do Sudão e da Nigéria. Rio Grande do Sul: Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, 2010.
SCHNEIDER, Luíza Galiazzi.As causas políticas do conflito no Sudão: determinantes estruturais e estratégicos. Rio Grande do Sul: Faculdade de Ciências Econômicas, 2008. \lsdpriorit
[1] MOHAMMED, Zeinab. ‘No more old men in uniform’: on the ground with Sudan’s protesters. The Guardian, Cartum, 12 abril 2019. Global Development.
[2] MOHAMMED, Zeinab. ‘No more old men in uniform’: on the ground with Sudan’s protesters. The Guardian, Cartum, 12 abril 2019. Global Development.