Nicarágua vs Estados Unidos da América
Por Heitor Frazão Bernardes
A Corte Internacional de Justiça (CIJ), é o principal órgão judiciário das Nações Unidas. Foi estabelecida em junho de 1945 através da Carta das Nações Unidas e começou a funcionar em 1946, tendo sua sede localizada no palácio da Paz em Haia (Holanda). A função da Corte é de solucionar, em concordância com o direito internacional, disputas legais submetidas por Estados, além de oferecer pareceres consultivos sobre questões legais apresentadas por órgãos autorizados da ONU e outras agências especializadas (Estatuto da Corte Internacional de Justiça, 1946).
A CIJ pode receber dois tipos de casos, as disputas legais submetidas por Estados que se denomina casos contenciosos e pedidos por pareceres consultivos a respeito de questões legais apresentadas por órgão das Nações Unidas (ONU) ou por agências especializadas, esses são pareceres consultivos. Para os casos contenciosos, as decisões tomadas pela Corte são definitivas e obrigatórias e todos os Estados que aceitam sua jurisprudência, os estados pertencentes ao estatuto, e derivam da lei internacional. Oriunda de tratado ou convenções, através do costume internacional e dos princípios do direito (Estatuto da Corte Internacional de Justiça, 1946)
Posto isso, o seguinte texto objetiva mostrar um caso de condenação realizado pela Corte, que envolveu os países Estados Unidos e Nicarágua, e foi de extrema importância para a consolidação na autoridade da Corte Internacional de Justiça na comunidade internacional.
A situação foi em 1979, enquanto na Nicarágua o governo direitista Anastasio Somoza foi deposto, e em seguida instaurado o regime sandinista. Em razão desse golpe, diversos grupos rebeldes que apoiavam o governo Somoza, ou eram contrários aos sandinistas, realizaram uma oposição militar. Alguns anos mais tarde, em 1981, os Estados Unidos acusaram o governo sandinista de apoiar guerrilhas em El Salvador para lutar contra os “Contras”, os rebeldes que não apoiavam seu governo, e assim suspendendo a ajuda econômica que era concedida à Nicarágua.
Frente a isso, a Nicarágua acusou o governo americano de agressão e intervenção em seus assuntos internos. Dentre elas de que o Estados Unidos haviam colocado minas em suas águas territoriais e interiores sem autorização, ajudou militarmente o grupo “Contras” e violou o Tratado de Amizade, Comércio e navegação acordado entre ambos os Estados.
A partir desse impasse “A Nicarágua invocou sua aceitação da Cláusula Facultativa de Jurisdição obrigatória e demandou unilateralmente, sob o artigo 40 do Estatuto da CIJ, os Estados Unidos da América frente a corte Internacional de Justiça.” (LASMAR, 2016, P. 97). Os procedimentos jurídicos que se seguiu foram acionados pela Nicarágua a Corte através da Cláusula Facultativa de Jurisdição Obrigatória (artigo 36(2) do Estatuto da Corte Internacional de Justiça), com a demanda de que os Estados Unidos fossem responsabilizados pelo envolvimento em atividades militares e paramilitares contra a Nicarágua. Julgando,
“Que os Estados Unidos violaram os direitos da Nicarágua e o direitos da Nicarágua e o direito internacional; – Que os Estados Unidos deveriam respeitar a soberania territorial da Nicarágua e cessar com toda ajuda militar aos “Contras “além de todas as violações territoriais e à soberania da Nicarágua; – Que os Estados Unidos deveriam indenizar a Nicarágua por todos os danos sofridos por esta.”
Somado a isso, foi feito um pedido a Corte que proferisse medidas Cautelares para impedir a contínua ação americana que ainda estava em curso no território.
Frente ao apresentado a Corte Internacional de Justiça, houve a decisão de acatar a solicitação em conformidade com o artigo 41 do Estatuto da Corte. É importante ressaltar, também, que de acordo com o artigo 33 da Carta das Nações Unidas, os Estados são livres para recorrer simultaneamente aos diversos mecanismos pacíficos de solução de controvérsias.
A decisão final foi rejeitada pela justificativa de legítima defesa alegada pelos Estados Unidos. As fontes jurídicas de Direito Internacional Público utilizada nessa decisão, ao encorajar, apoiar e ajudar atividades militares e paramilitares contra a Nicarágua, agiram contra a República da Nicarágua em violação de sua obrigação costumeira de não intervir nos assuntos internos de outro Estado; Os Estados Unidos através de ataques no territórios da Nicarágua violaram o direito internacional costumeiro de não usar da força contra outro Estados; violaram o direito de não intervir em assuntos de outros Estados, não violar a soberania e não interromper o comércio marítimo pacífico; violaram também o tratado de Amizade, Comércio e navegação assinado entre os dois Estados. Decidindo assim que os Estados Unidos devem reparar a Nicarágua pelos danos causados pela violação do tratado de Amizade, Comércio e Navegação assinado entre eles.
Esse episódio foi algo importante a se estudar pois foi um dos poucos casos em que houve uma condenação, e a invocação direta de mecanismos de execução de sentenças na Corte, mas que abertamente o Estado condenado se opôs a sentença e recusou a cumpri-la. Porém, este teve um efeito duplo importante a se ressaltar. Por um lado, o caso da Nicarágua evidenciou uma fragilidade e limitações do poder da Corte e no seu sistema de execução, por outro lado, esse caso serviu para reforçar a autoridade da Corte. Isso se deve ao fato de que não somente a condenação dos Estados Unidos aumentou a confiança dos países subdesenvolvidos na CIJ, mas também ao mostrar a força e a importância da Corte no Sistema Internacional. Em que se mantiveram relativamente inabalados já que o cumprimento de suas ações permaneceram alto.
A assinatura do Tratado que resolveu a questão entre Nicarágua e Estados Unidos foi em 26 de novembro de 1984.
Referências
ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G.E; CASELLA, Paulo. Manual de Direito Internacional Público. 20. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012
RORIZ, João; JUNIOR, Alberto. O Direito Internacional em movimento: Jurisprudência Internacional Comentada – Corte Internacional de Justiça e Supremo Tribunal Federal. 1. ed. Brasília: Editora Instituto Brasiliense de Direito Civil Grupo de Pesquisa Crítica e Direito Internacional, 2016.
LASMAR, Jorge Mascarenhas. ATIVIDADES MILITARES E PARAMILITARES NA E CONTRA A NICARÁGUA (NICARÁGUA VS. ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA) (26 DE NOVEMBRO DE 1984). In: RORIZ, João Henrique Ribeiro; AMARAL JÚNIOR, Alberto do (org.). O Direito Internacional em movimento: Jurisprudência Internacional Comentada: corte internacional de justiça e supremo tribunal federal. Corte Internacional de Justiça e Supremo Tribunal Federal. Brasília: Instituto Brasiliense de Direito Civil Grupo de Pesquisa Crítica e Direito Internacional, 2016. Cap. 7. p. 96-114.
ESTATUTO DE LA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTICIA: Corte Internacional de Justiça. Acessado em 18/06/2020. Disponível em: <https://www.icj-cij.org/files/statute-of-the-court/statute-of-the-court-es.pdf >
Corte Internacional de Justiça. Universidade de São Paulo – USP. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Concepção do projeto da Biblioteca Virtual: Professora Maria Luiza Marcílio. Acessado em 18/06/2020. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Corte-Internacional-de-Justi%C3%A7a/estatuto-da-corte-internacional-de-justica.html> International Court of Justice. Disponível em: < https://www.icj-cij.org/en >