Crise venezuelana: influências domésticas e internacionais
Por Sofia Oliveira
Após diversas tentativas fracassadas de enfraquecer o presidente venezuelano Nicolás Maduro, a administração Trump, em uma tentativa desesperada de aumentar suas chances de reeleição, ameaça endurecer as sanções econômicas contra a Venezuela. Tal ampliação seria feita através da revogação da permissão concedida a alguns países para enviar combustível ao país latino-americano e teria como objetivo conquistar suporte eleitoral no sul da Florida, de acordo com Juan Gonzalez, antigo assessor de política externa de Joe Biden. (THE WASHINGTON POST, 2020)
Além de tal medida, foi acordado com Juan Guaidó, presidente interino venezuelano reconhecido pelos Estados Unidos, o envio de vinte milhões de dólares para a Venezuela destinados ao combate da pandemia do Covid-19 que assola esse país. Essa quantia foi retirada dos fundos de bens venezuelanos que foram congelados pelo governo estadunidense e guardados no Banco de Reserva Federal em Nova Iorque. Esse valor representa apenas 6,7% do valor total presente no cofre. De acordo com os EUA, parte da quantia restante será destinado para pagar funcionários venezuelanos cujos salários foram suspensos em 2016 por Maduro. (THE WASHINGTON POST, 2020)
As sanções estadunidenses são criticadas até mesmo por opositores de Nicolás Maduro, devido à sua longa duração, bem como por não atingir o objetivo de enfraquecer o regime venezuelano. Além disso, possui objetivos incertos, como alertado por Pedro Burelli, antigo membro do conselho administrativo da empresa Petróleos de Venezuela (PDVSA).
Enquanto essas medidas falham, a popularidade do presidente interino Guaidó caiu 30%, o que explicita a dificuldade em manter a oposição ao Presidente Maduro coesa e unificada. Apesar disso, no dia 20 de agosto de 2020, Juan Guaidó convocou líderes políticos venezuelanos para discutir um pacto unitário que potencialmente solucionaria a crise política e econômica enfrentada pelo país. Um dos pontos desse documento é o não-reconhecimento das eleições legislativas venezuelanas que, em teoria, acontecerão em dezembro desse mesmo ano. (EL NACIONAL, 2020)
Em meio à crise institucional enfrentada pelo país, os partidos de oposição ao atual governo afirmam não terem garantias de que essa eleição não será fraudulenta. Apesar de organizações como a Igreja Católica e a União Europeia terem se oferecido para mediar esse processo de renovação da Assembleia Nacional, não foi possível chegar a um consenso entre os partidos. (EL PAÍS, 2020)
A oposição não é a única que enfrenta enfraquecimento e separação. No dia 20 de agosto, Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela decidiu nomear novos chefes para o Movimento Tupamaro, partido de apoio ao chavismo. Frente a essa medida, Ares Di Fazio, secretário nacional dessa organização, afirmou que “ninguém vai nos indicar que rumo vamos seguir. Não vamos permitir que nos imponham nenhum tipo de autoridade que não tenha surgido no seio da organização”. Nesse sentido, apesar de terem apoiado o governo de Maduro no passado, a sentença do TSJ causou um profundo conflito interno.
Além de toda essa instabilidade política e econômica, Maduro também tem sido criticado em relação ao combate ao coronavírus. De acordo com o Ministério da Saúde da Venezuela, há 42.898 (quarenta e dois mil oitocentos e noventa e oito) casos positivos no país e 358 (trezentas e cinquenta e oito) mortes; o alvo da crítica, porém, não são os números em si, mas como eles foram obtidos. Em 19 de agosto de 2020, o jornal estadunidense ‘The New York Times’ publicou uma matéria a qual oficiais venezuelanos afirmavam que o governo estava “combatendo o vírus assim como lida com qualquer ameaça interna: utilizando seu aparato de segurança repressivo” (sic).
Nos depoimentos coletados, há acusações como as de tratar a população infectada pelo novo vírus como bioterroristas, usar a força para intimidar profissionais da saúde que questionavam as políticas adotadas para o combate ao Covid-19 e forçar venezuelanos que voltaram de viagem de outros países latino-americanos a ficarem em locais com aglomeração e pouca comida e água. (THE NEW YORK TIMES, 2020).
Conforme verificado acima, o governo de Nicolás Maduro comete diversos equívocos, não somente no combate ao COVID-19, mas também no uso do aparato jurídico e militar para se perpetuar no poder. Entretanto, nada justifica a interferência dos Estados Unidos nos bens venezuelanos encontrados em bancos estadunidenses e na política interna desse país latino-americano. Ainda nesse sentido, a utilização e permanência de sanções econômicas (bem como a ameaça de endurecê-las) durante um momento de crise humanitária aprofundada pela atual pandemia tampouco é justificada.
Referências
GUAIDÓ instó a Unión Interparlamentaria a rechazar los comicios de diciembre. El Nacional, 2020. Disponível em: <https://www.elnacional.com/venezuela/guaido-insto-a-union-interparlamentaria-a-rechazar-los-comicios-de-diciembre/>. Acesso em 25 de ago. de 2020.
LA convocatoria sin consenso de elecciones legislativas aboca a Venezuela a um callejón sin salida. El País, 2020. Disponível em: < https://elpais.com/internacional/2020-08-16/la-convocatoria-sin-consenso-de-elecciones-legislativas-aboca-a-venezuela-a-un-callejon-sin-salida.html>. Acesso em 25 de ago. de 2020.
LOS puntos clave de la propuesta que presentó Guaidó a la dirigencia opositora. El Nacional, 2020. Disponível em: <https://www.elnacional.com/venezuela/los-puntos-clave-de-la-propuesta-que-presento-guaido-a-la-dirigencia-opositora/ >. Acesso em 26 de ago. de 2020.
MADURO pierde a sus aliados de izquierda. El País, 2020. Disponível em: < https://elpais.com/internacional/2020-08-20/maduro-pierde-a-sus-aliados-de-izquierda.html>. Acesso em 23 de ago. de 2020.
TRUMP administration to tap into frozen Venezuelan government funds to revive efforts to oust Maduro. The Washington Post, 2020. Disponível em: <https://www.washingtonpost.com/national-security/trump-administration-to-tap-into-frozen-venezuelan-government-funds-to-revive-efforts-to-oust-maduro/2020/08/20/b0024968-df20-11ea-809e-b8be57ba616e_story.html#click=https://t.co/u8Yukiilu4>. Acesso em 26 de ago. de 2020.
VENEZUELA deploys security forces in coronavirus crackdown. The New York Times, 2020. Disponível em: < https://www.nytimes.com/2020/08/19/world/americas/coronavirus-venezuela.html?auth=linked-google>. Acesso em: 25 de ago. de 2020.