Gabriela Vieira Costa
Palavras-chave: Grand Ethiopian Renaissance Dam; estratégia; geopolítica; Egito; Etiópia.
- Introdução
No que tange o cenário internacional, o desenvolvimento das sociedades depende de uma série de fatores, entre eles os recursos hídricos, que são fundamentais para atividades agrícolas, industriais e de uso doméstico. Dessa forma, a má distribuição desse recurso pode vir a prejudicar a qualidade de vida das populações e provocar conflitos internos ou entre nações. Não obstante, a água está diretamente ligada à soberania dos países, já que evidencia a ideia de fronteira entre os Estados e mostra a dinâmica entre os atores internacionais através dos conceitos de poder e território (ZACARELI; GARCIA, 2012) .
De acordo com os fatos supracitados, é possível analisar o foco de tensão entre Etiópia e Egito através de uma perspectiva da distribuição dos recursos hídricos, uma vez que os interesses nacionais dos dois países encontram-se em conflito por consequência de uma questão transfronteiriça. Nesse contexto, a construção da Grand Ethiopian Renaissance Dam (GERD) se apresenta como uma ameaça à soberania do Egito, uma vez que modifica as relações de poder na região e interfere na distribuição de recursos dos Estados na região analisada (BBC, 2019). Dessa forma, surge o questionamento: Como a construção de uma hidrelétrica no Nilo pela Etiópia afeta a estratégia geopolítica do Egito?
- Seção II. I– Economia do Egito e hegemonia no Nilo.
No que tange a economia egípcia, a dependência pelos recursos hídricos do Nilo fez com que o país baseasse sua política externa acerca do controle do rio por meio de acordos e a limitação da construção de represas na região (BRANDÃO; GERBASE, 2016). Assim, a diminuição dos recursos hídricos representa um problema para o Egito para além da esfera doméstica, já que se consagra como um determinante de poder, uma vez que sua influência no Nilo constituiu-se através de acordos comerciais e representa uma consolidação do seu poder político e econômico na região através de uma justificativa de direito histórico de uso das águas(BRANDÃO; GERBASE, 2016). Assim, a balança de poder no Nilo dá-se por meio do maior controle dos recursos pelo Egito, que apoia sua economia e política por meio da vantagem que possui através da maior exploração do rio em relação aos países vizinhos.
Essa relação do Egito com o Nilo provém desde a Antiguidade, sendo que o rio foi essencial para a construção da sociedade egípcia através da agricultura desenvolvida pela fertilização do solo através do rio, que permitiu a subsistência por meio de grãos, frutas e hortaliças (BADARÓ, 2017). Nesse contexto, a relação que os povos egípcios desenvolveram em relação ao rio permitiu sua sedentarização através do manejo e controle do Nilo (BADARÓ, 2017). Nos dias de hoje, essa dependência se consagra através do fato de que 90% da água do Egito advém do Nilo, enquanto 95% dos recursos hídricos do território são provindos de fora (BRANDÃO; GERBASE, 2016) .
Assim, os interesses nacionais etíopes envolvidos na construção da usina hidrelétrica caracterizam-se como uma ameaça à economia egípcia, uma vez que afeta a distribuição de água no país através da redução de 25% do estoque egípcio (BRANDÃO; GERBASE, 2016). Nessa conjuntura, conflitos de interesses aumentam a tensão sociopolítica entre os agentes. Como consequência das políticas incompatíveis, os Estados necessitam dos meios diplomáticos para intermediar o antagonismo, a fim de reduzir os impactos negativos da disputa e evitar um possível conflito armado (GARCIA; ZACARELI, 2012).
Seção II. II – Interesses etíopes por trás da construção da GERD.
A relação de conflito e cooperação no Nilo caracteriza uma problemática para os onze países que usufruem dos recursos hídricos provindos do rio, uma vez que todos baseiam parte de sua economia na exploração hídrica e a disputa pelo controle local ameaça seus interesses nacionais. Nesse contexto, Egito e Etiópia estão no meio de uma tensão causada pela construção da GERD, já que isso impacta diretamente a distribuição da água e a influência de poder vigente na região (BRANDÃO; GERBASE, 2016).
Dentre os interesses da Etiópia, o desenvolvimento econômico se encontra como principal ambição, já que através de uma maior exploração dos recursos do rio o país poderia obter maior fonte energética (BRANDÃO; GERBASE, 2016). O país já havia reclamado diversas vezes acerca da utilização desigual do Nilo, no mesmo sentido, os demais países da região apontam a gestão do rio pelo Egito como sendo menos eficiente para o desenvolvimento local e nacional (GARCIA; ZACARELI, 2012).
Assim, pelo fato da Etiópia possuir problemas estruturais de ordem econômica e social, o remanejamento dos recursos hídricos do rio poderiam ser cruciais para o desenvolvimento interno do país (GARCIA; ZACARELI, 2012). Ademais, este que seria o maior projeto de infraestrutura da África pode contribuir para o fornecimento de eletricidade de custo mais baixo, além de permitir o controle de inundações (PIDA, 2020). Assim, para a Etiópia é muito vantajoso combinar o fato de ser um país a montante (ou seja, com importantes nascentes do rio em seu território) com a realização de um projeto que poderia colocar os etíopes num cenário econômico e comercial melhor através da maior utilização do Nilo (BRANDÃO; GERBASE, 2016).
Seção II. III – Implicações geopolíticas provindas da construção da barragem.
De acordo com os fatos supracitados, a influência do Egito na região do Nilo provém desde a Antiguidade, sendo o desenvolvimento do território quase todo devido aos benefícios que o rio trouxe pra nação. Assim, a política externa do país foi totalmente construída voltada para proteção e dominação dos recursos hídricos do Rio Nilo, incluindo a criação de acordos sob a justificativa de direitos históricos em seu uso e o controle da construção de represas na local (BRANDÃO; GERBASE, 2016).
Ao longo dos anos o Egito também contou com a ajuda da Grã-Bretanha para alcançar a liderança regional. Isso porque o colonialismo britânico visou durante muitos anos o controle do Canal de Suez e do Rio Nilo, conforme sua política expansionista e seu objetivo de conquistar um possível imperialismo no rio (GARCIA; ZACARELI, 2012). Nesse contexto, a Grã-Bretanha objetivou o maior controle dos recursos pelo Egito, com a finalidade de aumentar a produção agrícola no território. Apesar de algumas de suas políticas terem sido controversas em relação ao Egito, a influência egípcia no Nilo aumentou consideravelmente na época da dominação britânica (GARCIA; ZACARELI, 2012).
Entretanto, com o crescimento da população africana nos últimos anos e a expectativa de que esse número dobre nos próximos 30 anos, a Etiópia é um dos poucos países com estrutura suficiente para suprir a necessidade da população através do gerenciamento do rio Nilo(BBC, 2018). Assim, o plano do país é de se transformar em uma economia de renda média através da geração de eletricidade provinda da grande represa. Entretanto, o alto volume de estoque de água que a Etiópia precisa para realizar o projeto causa preocupação no governo egípcio, isso porque os 74 bilhões de metros cúbicos de água necessários ameaçam o fluxo de água que chega até o Egito. Sendo assim, o território pode perder ao menos 25% do seu estoque hídrico, o que afetaria diretamente o modelo de subsistência do país(BRANDÃO; GERBASE, 2016).
Nesse contexto, esse conflito de interesses ameaça o aproveitamento hídrico do Nilo pelo Egito, através da redistribuição dos recursos. Como o Egito é um país a jusante do rio, ou seja, apenas recebe a água dos afluentes principais, sendo ele o último a receber o recurso, seu acesso ao Nilo está ameaçado. Não obstante, a construção da hidrelétrica prejudica a dominação egípcia na região, afetando sua estratégia geopolítica formada através dos acordos na bacia do Nilo, o controle das represas de água e o comércio desenvolvido entre o Egito e seus vizinhos (BRANDÃO; GERBASE, 2016). Assim, como os interesses nacionais etíopes ameaçam a soberania egípcia, deflagra-se uma tensão com possível escalada para um conflito armado entre os dois países caso nenhum acordo de cooperação seja suficiente para garantir o bem-estar de ambas nações (BBC, 2018).
- Considerações Finais
Com o crescimento da população ao longo dos anos, a má distribuição dos recursos hídricos e a dificuldade de gerenciamento da água, a disputa por esse bem no ambiente anárquico das relações internacionais se torna um impasse para os países (BRANDÃO; GERBASE, 2016). Assim, os países agindo a fim de garantir maior utilidade esperada para seu bem-estar, acabam por utilizar os recursos hídricos sem ponderar a respeito do comportamento dos outros países. Nesse contexto, os recursos hídricos são alvo de superexploração que, por conseguinte, pode acarretar no esgotamento desse bem tão importante para as nações.
Em decorrência do que foi dito, é possível aferir que caso os países envolvidos na disputa pelo Nilo não cheguem a acordos de caráter cooperativo para diminuir a superexploração do rio e garantir que a balança de poder na região não seja consideravelmente afetada, um conflito armado pode eclodir. Assim, a melhor solução seria a cooperação entre os agentes que se encontram em um cenário de interdependência como consequência do compartilhamento dos recursos transfronteiriços, com a finalidade de amenizar os impactos nas relações entre os países (GARCIA; ZACARELI, 2012).