A influência do Al Shabab na política do governo somali de contenção ao COVID-19
Maria Isabel Amorim Fortunato da Luz
1 INTRODUÇÃO
Um dos principais problemas que a Somália apresenta hoje é a presença e a atuação de um grupo terrorista com base no fundamentalismo islâmico, o Al Shabab. Inicialmente, alguns dos principais objetivos do grupo consistiram em derrubar o governo federal de transição, instaurar no país uma versão mais radical da Sharia e construir uma força armada na qual a identidade islâmica radical prevaleça (MONTEIRO, 2012). Apesar de não existir mais o governo federal de transição no país – sendo desde 2012 governo federal da Somália – as ações do Al Shabab deixam claro que seus interesses não mudaram.
Atualmente, o Al Shabab continua muito ativo e é responsável por diversos ataques ao governo somali. Para além dos ataques, o grupo também é extremamente influente politicamente nas regiões que domina, limitando o comportamento dessa população ao que acreditam ser verdadeiro e correto.
Nas áreas que controla, o al-Shabab aplica sua própria interpretação dura da sharia, proibindo vários tipos de entretenimento, como filmes e música; a venda de khat, uma planta narcótica que é frequentemente mastigada; fumar; e o barbear de barbas. Apedrejamentos e amputações foram distribuídos a suspeitos de adúlteros e ladrões. O grupo proíbe a cooperação com agências humanitárias, bloqueando as entregas de ajuda devido à fome em 2017 (FELTER; MASTERS; SLY SERGIE, 2020)
Com o advento do COVID-19 o governo somali precisou tomar novas iniciativas políticas com o intuito de conter a propagação do vírus em seu território. Essa questão foi vista como emergencial para o governo pois a Somália se encontra numa situação em que possui diversos desafios para gerenciar a ameaça do Coronavírus, entre esses, destaca-se a presença do Al Shabab no território (UNCDF, 2020). Assim, cabe questionar “qual a influência que o Al Shabab consegue exercer na política do governo somali de contenção ao COVID-19?”.
2 A SOMÁLIA E O CONTROLE DO COVID-19
A política do governo somali de contenção ao Coronavírus se iniciou antes mesmo do país possuir casos de COVID-19. Ainda no mês de março, o governo da Somália proibiu todos os passageiros com histórico de viagens pelos países mais atingidos de entrar no país, por pelo menos 14 dias (DHAYSANE,2020). Nesse sentido, assim que o país passou a ter casos de COVID-19, o primeiro-ministro Hassan Ali Khaire nomeou um comitê da força-tarefa que consiste nos principais ministérios chefiados pelo Ministério da Saúde. Para impedir a propagação do vírus, o comitê fechou instituições educacionais, baniu eventos e reuniões públicas e aconselhou mesquitas a limitar as reuniões. A força-tarefa destinou US $ 5 milhões para combater o surto e embarcou em uma campanha de conscientização para garantir que o público adote medidas de prevenção e fortaleça a higiene pessoal (UNCDF, 2020).
Essa rápida ação de resposta ao surgimento da pandemia global foi de extrema importância, visto que estava claro que o surgimento do vírus na Somália seria capaz de tomar proporções maiores do que as vistas em outros países, como a China. Para além do risco à saúde pública, o COVID-19 poderia ser responsável por grandes problemas para a economia do país. Uma grande questão considerada pelo governo nessa tomada de decisão inicial diz respeito à presença do Al Shabab no território. Em partes do território somali a influência do Al Shabab é extremamente forte, de maneira em que as decisões políticas são tomadas pelo grupo. Sendo o Al Shabab um grupo que não considera legítima a autoridade do governo somali, as medidas políticas tomadas pelo governo são banalizadas pelo grupo. Dessa forma, as informações sobre a disseminação do coronavírus nessas partes do território não foram passadas para o governo somali, fazendo assim com que a eficácia das medidas de combate ao vírus no país fosse limitada. (MOHAMED, 2020).
3 A RESPOSTA DO AL SHABAB ÀS POLÍTICAS DE CONTENÇÃO AO CORONAVÍRUS
Com a ideologia baseada no fundamentalismo islâmico, o Al Shabab tende a limitar o comportamento da população somali que consegue dominar, e toma, diversas vezes, ações políticas contrárias às indicadas pelo governo somali para o resto do território. Dentre essas divergências destaca-se a proibição da cooperação com agências humanitárias. Dessa forma, sendo 2020 um ano marcado por uma pandemia do COVID-19, a dominação do Al Shabab em partes do território é um grave problema para a população e para o governo.
Mapa do controle da Somália
Fonte: Political Geography Now (2019)
O Al Shabab utilizou da pandemia do Coronavírus para aumentar os seus ataques, por conta da atenção global se concentrar agora primordialmente na erradicação do COVID-19. Para além desse problema, o grupo pode atrapalhar ainda mais o governo somali porque, em sua ideologia, o grupo é contra ações humanitárias no território somali. Dessa forma, diversas são as ameaças que o Al Shabab faz com as agências humanitárias e as tropas estrangeiras que atuam no país (WEST, 2020).
Tendo em vista esse comportamento hostil à ajuda humanitária, a Somália é considerada um dos lugares mais perigosos do mundo para os trabalhadores humanitários. Isso se dá, principalmente, pelos ataques constantes que são direcionados a esse grupo, sendo um exemplo dessa situação o sequestro e morte de oito trabalhadores humanitários da organização não-governamental Zamzam na região norte de Mogadíscio. O governo não conseguiu averiguar a identidade responsável pelo ataque, mas, o Al Shabab permaneceu em evidência nessa questão visto o seu comportamento hostil aos trabalhadores humanitários na Somália e as ameaças direcionadas ao governo por conta dessa atuação (EXPRESSO, 2020)
Outro grande problema é que, em grandes partes dos territórios, decretos e medidas do governo para contenção do coronavírus têm pouco efeito, visto que são as que o Al Shabab possui maior influência e consegue dominar politicamente. O grupo fez pouco esforço para implementar as medidas de contenção e distanciamento social, pois acredita que as advertências de saúde pública do governo são ilegítimas, assim, as mesquitas e escolas islâmicas continuaram abertas. A mensagem que o grupo passa sobre o COVID-19 é que a pandemia é um castigo divino de Allah por conta das más ações contra muçulmanos e jihadistas empregadas pelos não-crentes, sendo esse então um problema destinado para a Europa, EUA e China. Dessa forma, o Al Shabab é uma grande ameaça à saúde tanto da população que consegue dominar, quanto do resto da população somali, visto que o território que o grupo ocupa se torna extremamente vulnerável a um grande surto de COVID-19 (SHAHOW, 2020).
Apesar desse posicionamento inicial – três meses após a confirmação do surgimento do COVID-19 no país – o Al Shabab criou um centro de tratamento de Coronavírus na Somália. O grupo passou a reconhecer a ameaça que o vírus traz à população e passou a incentivar a busca por ajuda médica (AL JAZEERA, 2020). A construção desse centro de tratamento deixa evidente como as medidas políticas e sociais em partes da Somália são decididas a partir das intenções do Al Shabab, e não do governo somali, mostrando novamente como o grupo não reconhece autoridade nas medidas tomadas pelo governo. Assim, essa decisão, mostrando-se desvinculada com as estratégias do governo, reafirma a influência política e social que o Al Shabab exerce na população. .
4 CONCLUSÃO
As formas de atuação do Al Shabab na Somália são diversas, constantes e controversas. Nesse sentido, o advento da pandemia do coronavírus serviu de exemplo para mostrar a força e capacidade de influência que o grupo terrorista ainda consegue exercer no território somali. Apesar da rápida ação do governo somali em resposta à proliferação do Coronavírus no país a execução das decisões políticas e sociais tomadas pelo governo somali não se dão de maneira homogênea e total ao longo do território da Somália. Dessa forma, para compreender os desafios que a Somália possui no combate ao Coronavírus é de extrema importância entender o posicionamento ideológico por trás do Al Shabab, suas manifestações políticas no país e sua presença no território, uma vez que o grupo apresenta alto potencial de atuação no território somali e suas ações têm forte impacto na política local.
REFERÊNCIAS
AL JAZEERA. Al-Shabab sets up coronavirus treatment centre in Somalia. Al Jazeera. 14 jun. 2020. Disponível em: https://www.aljazeera.com/news/2020/06/al-shabab-sets-coronavirus-treatment-centre-somalia-200614053031413.html Acesso em 16 jun. 2020
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade: a era da informação. v. 2, ed. 9. São Paulo/Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2018
DHAYSANE, Moahammed. COVID-19: Somalia bans entry from worst-hit countries. Anadolu Agency. 15 mar. 2020. Disponível em: https://www.aa.com.tr/en/latest-on-coronavirus-outbreak/covid-19-somalia-bans-entry-from-worst-hit-countries/1766837 Acesso em: 07 jun. 2020
EXPRESSO. Oito trabalhadores humanitários assassinados por grupo armado na Somália. Expresso. 19 maio 2020. Disponível em: https://expresso.pt/internacional/2020-05-29-Oito-trabalhadores-humanitarios-assassinados-por-grupo-armado-na-Somalia Acesso em: 31 maio 2020
FELTER, Claire; MASTERS, Jonathan; ALY SERGIE Mohammed. Al Shabab. Council on foreign relations. 10 jan 2020. Disponível em: https://www.cfr.org/backgrounder/al-shabab Acesso em: 31 maio 2020.
MOHAMED, Hamza. Coronavirus pandemic: Experts say Somalia risk greater than China. Al Jazeera. 19 mar. 2020. Disponível em: https://www.aljazeera.com/news/2020/03/coronavirus-pandemic-experts-somalia-risk-greater-china-200319052938789.html Acesso em: 24 jun. 2020
MONTEIRO, Ana. Dinâmicas da Al Shabab. Nação e Defesa, n. 131, 5ª série. p. 155-173, 2012. Disponível em: https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/7666/1/NeD131AnaMonteiro.pdf Acesso em: 22 maio 2020.
PEREIRA, Ana Cláudia Andrade. Somália: Santuário Terrorista? O caso da Al-Shabaab. Instituto Universitário de Lisboa. Maio 2013. Disponível em: https://repositorio.iscte-iul.pt/bitstream/10071/6850/1/Som%C3%A1lia_Santu%C3%A1rio%20Terrorista_O%20Caso%20da%20Al%20Shabaab.pdf Acesso em: 10 jul. 2020
POLITICAL GEOGRAPHY NOW. Somalia Control Map & Timeline – August 2019. Political Geography Now. 13 ago 2019. Disponível em: https://www.polgeonow.com/2019/08/somalia-control-map-timeline-august-2019.html Acesso em: 10 jul 2020
SHAHOW, Abdullahi Abdille. Al-Shabab’s Territory in Somalia Is a COVID-19 Powder Keg. World Politics Review. 01 maio 2020. Disponível em: https://www.worldpoliticsreview.com/articles/28726/in-al-shabab-s-territory-in-east-africa-pandemic-could-spread-like-wildfire Acesso em: 31 maio 2020
UNCDF. Local Government Empowerment is the Key to Containing Coronavirus in Somalia. United Nations Capital Development Fund. 13 abr. 2020 Disponível em: https://www.uncdf.org/article/5509/local-government-empowerment-is-the-key-to-containing-coronavirus-in-somalia Acesso em 07 jun. 2020
WEST, Sunguta. Al-Shabaab Threatens COVID-19 Interventions in Somalia. Terrorism Monitor. V. 18, Ed. 9. 01 maio 2020. Disponível em: https://jamestown.org/program/al-shabaab-threatens-covid-19-interventions-in-somalia/ Acesso em 31 maio 2020.