Texto Conjuntural: África Ocidental #10.

Crise do Novo Coronavírus em Serra Leoa.

Mariana Mendes Azevedo Reis.

A presente análise de conjuntura tem como objetivo, apresentar a crise do Novo Coronavírus na África Ocidental e as medidas de enfrentamento da pandemia no Estado de Serra Leoa. Para isso, foram usados sites de notícias online e sites governamentais, além de dados contendo informações e atualizações sobre a situação de Serra Leoa e do mundo em relação ao novo coronavírus.

O Novo Coronavírus

Vindo de uma família de vírus que são comuns em diferentes espécies de animais, os coronavírus raramente infectam seres humanos, com exceções como o MERS-CoV e o SARS-CoV. Entretanto, recentemente, desencadeou-se uma contaminação mundial pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), que teve sua origem identificada em Wuhan, na China, causando a COVID-19 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020). A pandemia da COVID-19 teve início em dezembro de 2019 causando consequências devastadoras não só na área da saúde, mas também economicamente no mundo todo.

Causada pelo SARS-CoV-2, a doença COVID-19 é facilmente transmitida de pessoa para pessoa, podendo acontecer por meio de: apertos de mão, gotículas de saliva, espirro, tosse, catarro, objetos ou superfícies contaminadas, entre outros. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 80% das pessoas contaminadas podem ser assintomáticos ou oligossintomáticos e 20% dos casos apresentam sintomas graves, requerendo atendimento hospitalar. Desses 20%, 5% podem necessitar de suporte ventilatório (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020).

Já tendo contaminado 39.319.492 pessoas no mundo todo (BBC, 2020), a COVID-19 pode ser identificada através de sintomas que podem variar desde um resfriado à sintomas de uma Síndrome Gripal (SG) — que levam a severos problemas respiratórios e sensação febril —, até mesmo acarretando uma pneumonia severa. Além desses sintomas, também pode ser identificada pela perda de olfato (anosmia), alteração do paladar (ageusia), náuseas, vômitos e diarreia (distúrbios gastrointestinais), cansaço (astenia), entre outros (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020).  Apesar dos inúmeros sintomas que podem facilitar a identificação da doença em um indivíduo, é difícil conter a sua propagação devido ao grande número de pessoas que são assintomáticas ou oligossintomáticas e a fácil e rápida transmissão de pessoa para pessoa. Desta forma, o número de contaminados não para de crescer, tendo acarretado a morte de mais de 1 milhão de pessoas no globo até agora (BBC, 2020).

Mesmo que a contaminação aconteça de maneira rápida e fácil, existem formas de prevenção e contenção da propagação do vírus. Algumas formas de se proteger são: lavar as mãos com frequência até a altura dos punhos, higienizá-las com álcool em gel 70%, fazer o uso de máscara, manter a distância mínima de 1 metro entre as pessoas quando em público, higienizar objetos utilizados com frequência, etc. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020). Mesmo seguindo essas orientações, se ficar doente, o recomendado é procurar um médico ou um posto de saúde imediatamente, onde poderá receber as devidas orientações e cuidados médicos. Se não for necessária internação, é importante que se faça um isolamento em casa, se mantendo em um cômodo diferente dos demais moradores da residência para não transmitir o vírus.

Contexto da pandemia na África Ocidental

Levando em conta a necessidade de acesso a água e a médicos, contornar o problema do COVID-19 é um desafio na África Ocidental, uma vez que a falta de saneamento básico e a distância para se chegar a postos de saúde e hospitais ainda são um grave problema que aflige a região. Localizada na costa Oeste da África, a região é composta por 16 países, e é uma das áreas do mundo onde o acesso à água, saneamento básico e higiene ainda permanece um desafio.

Segundo a UNICEF, a África Ocidental é, juntamente com a África Central, as únicas regiões do mundo com uma quantidade crescente de pessoas que praticam a defecação a céu aberto, além de que menos de 50% das escolas tem acesso a água e menos de 40% da população tem acesso a saneamento adequado, sendo estes serviços igualmente limitados nas áreas da saúde (UNICEF, s.d.). Ademais, mais de um terço da população que vive em comunidades pela região não tem acesso a água potável, portanto milhões bebem água não tratada e potencialmente contaminada (UNICEF,s.d.).

Além de um sistema de saúde subfinanciado e mal equipado, ainda há diversas pessoas que vivem em comunidades distantes e isoladas longes de centros médicos e, mesmo quando conseguem chegar até tais lugares, sofrem com a falta de equipamentos, de remédios e, até mesmo, de médicos (TIME, 2020). Portanto, a fragilidade dos sistemas de saúde agrava o desafio de combater essa pandemia na região e no continente africano, com a necessidade de uma forte campanha de distanciamento social, para assim, evitar problemas piores para a população.

Outra questão no combate contra o Novo Coronavírus, é a situação de milhares de pessoas fugindo de áreas em conflito, da qual soma-se somente na África Central e Ocidental 5,6 milhões de pessoas deslocadas internamente e 1,3 milhão de refugiados (UNHCR, 2020). Segundo Mohamed, um refugiado do Mali que agora trabalha com o Alto Comissariado da Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) em Burkino Faso, as condições dos refugiados e deslocados aumentam o risco de contaminação pelo vírus, uma vez que é quase impossível respeitarem as medidas de distanciamento social, já que as populações vivem juntas em locais sem saneamento básico, com acesso precário à água e em abrigos superlotados (UNHCR, 2020).

COVID-19 exacerbou os desafios em uma região que já luta com uma das maiores crises humanitárias do mundo, envolvendo mais de nove milhões de pessoas deslocadas à força. A pandemia levou ao fechamento de fronteiras e aumentou a pressão sobre os frágeis sistemas de saúde e economias fracas (UNHCR, 2020, tradução minha)


“COVID-19 has exacerbated challenges in a region already grappling with one of the world’s largest humanitarian crises, involving over nine million forcibly displaced people. The pandemic has led to border closures and increased strain on fragile health systems and weak economies”

Apesar de tantas dificuldades, a ação na África Ocidental foi rápida devido ao conhecimento adquirido pelas entidades governamentais e ONG’s a partir de experiências com epidemias anteriores, como no combate a poliomielite — que foi erradicada este ano no continente — e ao Ebola. Tendo seu primeiro caso de coronavírus confirmado em 31 de março de 2020, a ação em Serra Leoa não foi menos veloz.

Ações contra a Covid-19 em Serra Leoa.

Em Serra Leoa, o presidente Julius Maada Bio, confirmou o primeiro caso de Covid-19 em 31 de março de 2020. Tratava-se de um homem de 37 anos que voltava da França. O segundo caso foi confirmado em primeiro de abril, que dessa vez era local e, que em vista

disso, levou o governo a declarar um lockdown de 3 dias a partir de 5 de abril. Após o fim do lockdown, haviam surgidos novos casos locais, o que levou o governo a anunciar em 9 de abril, medidas adicionais de segurança como viagens interdistritais restritas por um período inicial de 14 dias, toque de recolher das 21h às 06h, lojas abertas vendendo apenas o essencial, não sair de casa sem um bom motivo, entre outros (WIKIPEDIA, 2020). Atualmente, há um total contabilizado de 2.331 casos, sendo que 1.760 desses foram recuperados e 73 pessoas foram notificadas como mortas pela COVID-19 (CDC, 2020).

Sendo um dos países mais pobres do mundo, o Estado serra-leonense tem um sistema de saúde frágil e com diversas pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, por isso a necessidade de uma resposta rápida e eficaz contra o COVID-19. É um país que já passou por diversos problemas como uma guerra civil, surto de cólera, uma epidemia de Ebola e inundações sazonais, ainda tendo resquícios das consequências econômicas e sociais do Ebola, que causou a morte de mais de 1500 pessoas no país (CAFOD, 2020).

Com uma população de 7,81 milhões de habitantes, segundo dados de 2019 do Banco Mundial, e um PIB de 3,941 bilhões (US$) (THE WORLD BANK), Serra Leoa apresenta 70,2% (2004) da sua população vivendo abaixo da linha da pobreza. Sua economia é baseada principalmente na mineração, e a maior parte de sua população trabalhando na agricultura de subsistência, dependendo fortemente da exportação do minério de ferro, diamantes e rutilo (CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY, 2020). Devido a isso, a economia do país depende fortemente das flutuações dos preços internacionais (CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY, 2020).

Apesar do Ebola ter sido declarado pela Organização Mundial de Saúde como erradicado do país em 2015, as consequências da doença na economia ainda duraram entre 2015 e 2016, uma vez que os preços das commodities caíram, ocasionando o maior déficit fiscal do país desde 2001 (CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY, 2020). Dependente dessas commodities, a Serra Leoa só conseguiu retomar seu crescimento econômico em 2017, quando aumentaram as exportações de minério de ferro, porém, prejudicados novamente agora em 2020 com a pandemia do Novo Coronavírus. Consequentemente, as exportações são afetadas e as atividades mineradoras são limitadas (CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY, 2020).

Tantas crises de saúde e problemas internos, apesar de tudo, acabaram preparando a população do país para futuras crises e adversidades — como a atual. Com a longa e árdua luta contra a poliomielite em Serra Leoa, o governo agiu durante a campanha para erradicação da doença se comprometendo fortemente com a criação de um sistema de vigilância de doenças capaz de responder a qualquer surto e erradicar novas doenças tropicais que foram negligenciadas anteriormente. Além disso, o esforço no combate ao Ebola também acabou trazendo pontos positivos para a atual situação. Como por exemplo, o upgrade do app “Ebola Operating System” (EOS), que foi criado durante o surto da doença para coletar dados que ajudassem o governo a tomar decisões informadas, para a versão atual da “Health Outbreak Manager” (HOM), que assim como sua versão antiga, consegue monitorar e gerenciar o status de um surto e conter a propagação com estratégias de mitigação adequadas, segundo Evelyn Lewis, criador do app (ALL AFRICA, 2020).

O app que havia sido desenvolvido para outra doença, agora consegue localizar indivíduos que entraram em contato com uma pessoa infectada pelo coronavírus e enviar uma mensagem automática para o número de telefone delas, informando-as que podem ter sido expostas ao vírus e que devem fazer o teste imediatamente. Junto a isso, outro problema com o qual tanto o governo quanto instituições de caridade e ONGs também têm buscado contornar com eficácia, é a falta de água em comunidades nas quais em um só quarto vivem até 10 pessoas.

Instituições como a Agência Católica para o Desenvolvimento Ultramarino (CAFOD), por exemplo, adaptaram seu programa “WASH” (lavar, em português), criando pôsteres, mensagens de rádio e programas de televisão dizendo para as pessoas lavarem as mãos, uma vez que essa é uma das formas mais efetivas de combate ao vírus. Além disso, estão mobilizando líderes religiosos em todo o país, fornecendo-lhes mensagens básicas sobre prevenção e informações de que as pessoas e as comunidades precisam para se manter o mais seguras possíveis (CAFOD, 2020).

A GOAL Global, que é uma agência internacional de resposta humanitária estabelecida na Irlanda há mais de 40 anos, esteve à frente na luta contra o Ebola em Serra Leoa. Devido a isso, a agência desenvolveu a “Community-Led Action” (CLA) como uma forma de combate à propagação do Ebola no país, o que permitiu a agência a desenvolver um grande conhecimento e experiência no controle de doenças infecciosas, usado no combate a disseminação do Novo Coronavírus. Segundo a supervisora de promoção de higiene da GOAL em Serra Leoa, Shirley Browne:

A GOAL tem uma grande vantagem no combate ao COVID-19 em Serra Leoa, pois seus funcionários na linha de frente, estavam durante o Ebola, e há uma rica experiência de mudança de comportamento social, de fortalecimento do sistema de saúde e apoio ao Ministério da Saúde (GOAL Global, 2020, tradução minha).

“GOAL is at a huge advantage in Sierra Leone in fighting COVID-19 because we have front line workers who were with us during Ebola, and rich experience of social behaviour change, of health system strengthening and supporting the MoHS”.

A agência está combatendo o vírus no Estado desde o início de abril, focando na capital Freetown, o epicentro do surto, fornecendo centenas de materiais para a limpeza das mãos, materiais para a prevenção e controle de infecções e levando orientações de como lavar as mãos apropriadamente. Além disso, a GOAL usou da CLA para incentivar a adoção de hábitos mais seguros se juntou a autoridades locais para treinar 34 funcionários da área da saúde com foco no COVID-19 e 144 mobilizadores comunitários para educar a comunidade sobre a prevenção e, assim, desenvolver planos de ação viáveis (GOAL Global, 2020).

Considerações

Tendo como base todos os dados coletados, juntamente com os textos e notícias usados como fonte de pesquisa para a elaboração desta Análise de Conjuntura, é possível concluir que apesar de todas as dificuldades e desafios encontrados pelo governo e pela população serra-leonense, a capacidade de superação e de resiliência deste povo é extremamente grande, superando os problemas e os contornando com o apoio de diferentes entidades e organizações, juntamente com a ação de uma comunidade unida. Além disso, também é possível perceber que apesar de todas as guerras e doenças que assolaram a Nação, tanto a população quanto o governo, conseguiram usar o passado como uma forma de aprendizagem, usufruindo do conhecimento adquirido anteriormente para o combate do vírus nos dias de hoje.

Finalmente, apesar de ser um dos países mais pobres do mundo e maior parte da sua população não ter acesso a serviços básicas como eletricidade e saneamento, Serra Leoa se mostrou sublime na situação de pandemia. Seu governo não só agiu com rapidez e eficácia, como também contou com a atuação da própria população, que agiu de forma unida e consciente. Atualmente, o Estado africano conta menos casos e menos morte por COVID-19do que países considerados de primeiro mundo, como Estados Unidos, França, Espanha, Coréia do Sul e Japão, entre tantos outros.

FONTES E REFERÊNCIAS
https://www.goalglobal.org/stories/goal-on-the-ground-combating-covid-19-in-sierra-leone/

https://allafrica.com/stories/202008260012.html

https://www.unhcr.org/news/latest/2020/4/5e99b5074/across-west-africa-dual-challenge-conflict-coronavirus-threatens-millions.html

https://time.com/5816299/coronavirus-africa-ventilators-doctors/

https://coronavirus.saude.gov.br/sobre-a-doenca

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-54339632

https://en.wikipedia.org/wiki/COVID-19_pandemic_in_Sierra_Leone

https://cafod.org.uk/News/International-news/Coronavirus-in-Sierra-Leone

https://ourworldindata.org/coronavirus/country/sierra-leone?country=~SLE

https://www.worldometers.info/coronavirus/country/sierra-leone/

https://wwwnc.cdc.gov/travel/notices/warning/coronavirus-sierra-leone

https://data.worldbank.org/country/SL

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