A CRISE POLÍTICA NO MALI NO CONTEXTO DA LUTA ANTITERRORISTA.
Silvia Assunção Castro.
O Mali, país localizado na região da África Ocidental, possui um histórico de luta antiterrorista que nos últimos anos aliou-se à França e à ONU. Nesse sentido, as operações mais recentes realizadas no território foram MINUSMA e Barkhane, que consistem no envio de tropas com o foco no peacekeeping e utilizando poder bélico para a mitigação dos grupos terroristas armados no território, que ultrapassa as fronteiras nacionais. Essas operações atuaram em conjunto com França e países vizinhos da África Ocidental e junto a ONU. Assim, nos últimos anos, os países da África Ocidental Mali, Burkina Faso, Mauritânia, Níger e Chade, por meio da operação Barkhane, juntaram forças para a cooperação em questões de segurança relacionadas ao terrorismo na região, reforçando o que já era uma prática entre esses países por conta da sua associação como G5 do Sahel.

A presente análise de conjuntura irá demonstrar como essa luta antiterrorista pode ter sido enfraquecida a partir de agosto de 2020 devido à instabilidade e crise política no Mali com a queda do presidente Ibrahim Boubacar Keïta. Com o abuso de poder, o Mali entrou em uma crise política que envolve grande parte dos países da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) durante o período de transição no poder executivo do país.
Operações peacekeeping
A Operação Barkhane foi criada pelo governo francês substituído a antiga Operação Serval, que ocorria no Mali com o objetivo de mitigar o movimento jihadista na região e criar uma zona de não proliferação do terrorismo. Essa nova operação foi um pedido do governo do Mali, em que, o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) possui a missão de peacekeeping, isto é, a garantia da manutenção da paz negativa por meio do poderio militar, ou seja, uma paz que se constitui na ausência de violência, além do apoio para as negociações pacíficas entre os grupos, prezando que o governo local promova e proteja os Direitos Humanos no território (MINUSMA, 2020).
Assim, a Operação Barkhane, colocada em prática em 2014 e em vigor atualmente, se tornou uma maneira de regionalizar a securitização do terrorismo entre os países que fazem parte do G5 do Sahel (grupo institucional de países que cooperam em questões de segurança e desenvolvimento, ou seja, entre o Mali, Chade, Burkina Faso, Níger e Mauritânia), atribuindo um caráter emergencial na luta contra os jihadistas armados, fazendo com que essa questão atinja o nível máximo de politização nesse conjunto de países, tendo como influência as fortes políticas europeias contra o terrorismo (LARIVÉ, 2014).
A África saariana pode ser vista como uma região que apresenta inseguranças no que tange a ameaça de violência contra civis, uma vez que os grupos terroristas armados a serem combatidos na antiga Operação Serval estariam agindo em países por todo o Sahel, causando uma violência generalizada que é foco de discussões regulares do CSNU. Portanto, o âmago da França na mitigação de ameaças nessa região não é algo recente. A França também tenta mobilizar mais membros da União Europeia (UE) para a luta contra os jihadistas na região do Saara, por conta da violência que já causou a morte de 38 tropas desde o início da operação, mas ainda não conseguiu resultados para além dos esforços da UE em retreinar soldados do exército de Mali. Ademais, a Operação consiste em unir forças entre os países do G5 e a França, com o objetivo de combater os grupos terroristas armados da região e prevenir que haja zonas seguras para esses grupos. A missão conta com um total de 4000 oficiais franceses, além dos 14000 capacetes azuis enviados pela ONU (WHY, 2019).

Crise política e crise de segurança
Larivé (2014) atesta que “A Operação Barkhane é uma ilustração direta do uso do hard power na África, de forma a resolver uma crise de segurança causada pelo vácuo de poder regional”[1]. Desse modo, a criação de um complexo de segurança entre os países saarianos afetados pelo terrorismo, juntamente a França enquanto ator interveniente, surge para preencher este vácuo de poder advindo de crises políticas, como a que acontece atualmente no Mali. Diante disso, a região enfrenta um momento de instabilidade política devido à queda do ex-presidente do Mali e do processo de transição entre chefes de estado iniciado em agosto. A Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) aplicou sanções econômicas no país logo após o golpe militar que derrubou o Presidente Ibrahim Boubacar Keïta, suspendendo relações comerciais não essenciais entre os países membros e Mali, além de suspender o Mali do processo de tomada de decisão da organização até que uma transição para o governo civil estivesse encaminhada (MALI, 2020).
Nesse contexto, a instabilidade proveniente dos processos políticos que ocorrem no Mali acabam por enfraquecer a luta antiterrorista na região, como pode ser observado a partir da falha do presidente deposto de firmar acordos de paz com grupos separatistas existentes no país desde 1960, o que acabou por contribuir para a fragilização do país frente às ameaças terroristas. Além disso, o momento de transição entre chefes de Estado, que é monitorado pelos países do CEDEAO, apresenta consequências como o desvio do foco na luta contra os jihadistas, que continuam exercendo violência armada mesmo em momentos de crise, resultando na morte de tropas enviadas ao território.
Dessa forma, de acordo com o analista Paul Melly, o dever do chefe de estado atualmente é manter uma estabilidade no país, em detrimento da luta antiterrorista junto aos seus parceiros internacionais, o que acaba por deter o avanço dessa luta, que não pode ser solucionada apenas por meio da força. Uma boa governança e o desenvolvimento das questões sociais e políticas, como o acordo de paz com os movimentos separatistas em Mali e o reconhecimento internacional de um novo presidente civil, são fundamentais para o sucesso das missões estabelecidas na região (HOW, 2020).
A crise de segurança no Sahel, diferente de outras questões que se passam em território africano, possui atenção de parte expressiva da sociedade internacional, sendo foco de discussões no Conselho de Segurança das Nações Unidas e destino de diversas tropas estrangeiras em missões antiterroristas, colocada como foco do governo de Mali desde a Operação Serval e o início da operação MINUSMA em 2013. No entanto, a crise política no Mali acaba por intensificar a crise de segurança na região do Sahel, uma vez que a instabilidade se tornou um obstáculo para o desenvolvimento da luta contra os jihadistas. Essa luta, desde o início das missões internacionais na região, tem como foco a repressão dos grupos armados por meio da força física, não estabelecendo como foco questões sociais e políticas que podem ser consideradas fundamentais para a mitigação dos grupos que ameaçam a segurança da população no Mali. A falta de uma liderança política eficaz e uma governança forte, acaba por permitir que os grupos a serem combatidos ganhem mais força, tornando o alcance dos objetivos do governo cada vez mais turbulento.
[1] Operation Barkhane is a direct illustration of the use of “hard” power in Africa in order to solve a security crisis caused by a regional power vacuum. (tradução nossa).
REFERÊNCIAS
HOW Mali’s coup affects the fight against jihadists. BBC, 22 set. 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-africa-54228920. Acesso em: 13 nov. 2020.
LARIVÉ, Maxime. Welcome to France’s New War on Terror in Africa: Operation Barkhane. The National Interest, 7 ago.2014. Disponível em: http://www.aldeilis.net/terror/1832.pdf. Acesso em: 12 nov. 2020.
MALI: Junta militar pede a CEDEAO para levantar sanções. DW, 22 out. 2020. Disponível em: https://www.dw.com/pt-002/mali-junta-militar-pede-a-cedeao-para-levantar-san%C3%A7%C3%B5es/a-55017619. Acesso em: 12 nov. 2020.
MINUSMA, 2020. United Nations Multidimensional Integrated Stabilization Mission in Mali. Disponível em: https://minusma.unmissions.org/en/military. Acesso em: 12 nov. 2020.
WHY France is focused on fighting jihadists in Mali. BBC, 27 nov. 2019. Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-africa-50558972. Acesso em: 13 nov. 2020.
Muito pertinente o tema, a autora Sílvia Assunção Castro, foi ótima em abordar esse tema em tempo de calamidades em que estamos vivendo. Porque a África além de enfrentar problemas de ordem social, de Políticas Públicas, como na área da saúde, bem como na educação , e agora vivendo o caosc provocado pela Pandemia, em consequência da Covid 19, ainda tem que enfrentar e lidar com problemas de segurança, que fragiliza ainda mais a vida daquelas pessoas.
Os países mais desenvolvidos que exploraram essa nação, precisam agora voltar para esse continente de inúmeras riquezas, de um povo símbolo de resistência e luta contra as injustiças Sociais e raciais. No sentido de abraçar a causa, e todos tomarem pra si a responsabilidade de dar um basta nessas questões. Quando houver uma mobilização de verdade desses países, com certeza, tudo isso irá acabar.
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Bom ter você por aqui Regina, obrigada! Continue acompanhando nossas postagens e se possível compartilhe.
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