
A luta pela igualdade de gênero na política queniana
por Maria Luiza Andrade Maia
Essa análise tem por objetivo explorar a questão de igualdade de gênero no Quênia, demonstrando como os obstáculos dentro da política podem ser superados através de uma mudança nas questões sócio-culturais dentro da sociedade. O Quênia é um país com um total de 50 milhões de habitantes com um número de homens e mulheres dividido meio a meio, um equilíbrio que permanecerá praticamente estável em todo o Quênia nas próximas década, de acordo com a projeção realizada pela série Demographic (NELSON, 2020). Porém, apesar da divisão igualitária da população, o Quênia ainda enfrenta os desafios da igualdade de direitos entre os gêneros. Por exemplo, em média, os homens ganham 55% mais dinheiro do que as mulheres quenianas, de acordo com o Relatório Global de Gênero (FORUM, 2018). E, as mulheres ocupam apenas 9% de todos os cargos eleitos no Quênia e as tentativas de aprovar projetos de lei que exigem cotas de gênero mais iguais foram rejeitadas pelo parlamento (IRUNGU, 2020).
Promover a igualdade de gênero substantiva do Quênia requer não somente uma estrutura legal, mas também um esforço colaborativo entre atores estatais e não estatais. Assim como dito por Nzomo¹, citado por Obiria (2020), “Embora tenhamos uma Constituição muito boa, não mudamos a atitude e os valores de nosso povo na sociedade”² (NZOMO; OBIRIA, s.p. 2020). Após décadas de predominância de participação masculina, são as barreiras institucionais, culturais e políticas que impedem o avanço de mulheres na política queniana (OBIRIA, 2020).
Por outro lado, as eleições de 2017 apresentaram um grande ganho para a representatividade das mulheres. Comparado com as eleições de 2013, mais mulheres passaram a ocupar cadeiras em todos os níveis políticos, com exceção do nível presidencial. Pela primeira vez, mulheres viraram governadoras e senadoras (três em 2017, comparado com nenhuma em 2013), enquanto mais mulheres foram eleitas nas assembleias nacional e nas regionais. Mas apesar das mudanças positivas, somente 9.2% das 1.835 pessoas eleitas em 2017 são mulheres no Quênia (NDI, 2018).
O movimento civil no Quênia liderado por mulheres acadêmicas, ativistas, políticas, mulheres da classe trabalhadora e mulheres de todas as esferas resultaram em algumas conquistas notáveis como a inclusão da Declaração de Direitos na constituição aprovada em agosto de 2010 e a terceira ação afirmativa em todos os cargos seniores foi reservada para qualquer gênero ampliando o campo de conquista feminina, de modo que ação afirmativa corresponde a leis temporárias com fim de combater as desiguldades históricas. A nova constituição também prevê uma estrutura de governo que incluirá artigos relacionados à igualdade e não discriminação. O artigo 27 fala de igualdade e não discriminação, afirmando que “1.Toda pessoa é igual perante a lei e tem direito a igual proteção e igual benefício da lei. 3. Mulheres e homens têm direito à igualdade de tratamento, incluindo o direito à igualdade de oportunidades nas esferas política, econômica, cultural e social, entre outras” (KENYA, 2010).
Contudo, apesar das mudanças positivas no documento da Constituição, as circunstâncias para que realmente haja transformações significativas estão diretamente ligadas à disposição das pessoas em alterar a mentalidade e dispor o que é importante para homens e mulheres participarem da liderança. Ao citar as barreiras femininas, por exemplo, no nível individual, as mulheres que são, na verdade, tão qualificadas quanto os homens, declaram que não concorrem a cargos. No nível institucional, as organizações políticas – como partidos e legislaturas – permanecem hostis às colegas mulheres. No nível sociocultural, a representação pela mídia das mulheres na liderança, ainda tende a se concentrar no que vestem, seu estado civil ou sua voz, em oposição a suas posições políticas ou competências (OMONDI, 2020).
Portanto, a resiliência democrática carrega como pressuposto básico o requerimento para que os sistemas e processos políticos levem em consideração a voz e a agência de todas as populações. “Então, deixe-me ser claro: para as mulheres, a violência não é um custo legítimo ou inevitável da participação na política. A participação na política é a forma de acabar com a violência contra as mulheres”³ (ALBRIGHT, 2020, s.p) diz Madeleine K. Albright⁴, citado por National Democratic Institute⁵. Hoje, as mulheres quenianas ainda enfrentam um amplo conjunto de desafios como políticas, eleitoras, candidatas e trabalhadoras eleitorais. Estes incluem equidade no financiamento de campanhas ausente ou insuficiente; mecanismos de resolução de disputas por violência contra a mulher nas eleições (VAW-E), onde a sigla significa violência contra a mulher na política e tais mecanismos serão para tratar com problemas como agressões físicas, ameaças e coerção contra mulheres na política; Compromisso e capacidade de atrair, recrutar, apoiar e promover mulheres na liderança de partidos políticos e cargos eleitos e afins. Essas barreiras impedem a plena participação e representação das mulheres, bem como de jovens e pessoas com deficiência em partidos políticos, parlamento e outros órgãos de decisão (OMONDI, 2020).
Diferenças como essa representam um problema não apenas para o número crescente de mulheres jovens que buscam oportunidades, mas também para o futuro do Quênia em grande escala, considerando que o Quênia não busca desenvolver o potencial de mulheres e meninas e, desse modo, requer-se mais investimentos para isto (OMONDI, 2020). Ademais, socialmente, muitas meninas são forçadas a abandonar os estudos e a qualificação pessoal e profissional devido a tradições. As comunidades locais ainda mantêm ativo a retirada de meninas da escola com o objetivo de submetê-las à circuncisão e promover o casamento mediante o pagamento do dote, transformando as jovens mulheres em moedas de trocas, desvalorizando as conquistas até então alcançadas pelas mulheres do Quênia (KIMUTAI, 2020). Posto isso, são inúmeros os passos a serem dados todos os dias rumos a igualdade de gênero queniana, contudo, a efetividade da denúncia social quanto a um ambiente hostil e não-inclusivo frente às mulheres contribui fortemente para impulsionar uma mudança no pensamento tradicional e promover, logo na base, as transformações necessárias para o aumento da presença feminina em cargos de liderança, especialmente aqueles dentro do poderio político. A desconstrução dos estereótipos de gênero, onde os limites entre feminino e masculino foram definidos por uma sociedade dominada pelo pensamento de dominação e submissão do homem sobre as mulheres, é um fator essencial para abrir caminho a novos rumos sociais, culturais e essencialmente políticos.
¹ Nzomo é, também, ex-embaixador do Quênia nas Nações Unidas.
² (NZOMO, OBIRIA, 2020).
³ “So let me be clear: for women, violence is not a rightful or inevitable cost of participation in politics. Participation in politics is the way we end violence against women.” (ALBRIGHT, 2020, s.p)
⁴Política americana nomeada como 64ª Secretária de Estado dos Estados Unidos, tendo sido a primeira mulher no cargo.
⁵O National Democratic Institute é uma organização sem fins lucrativos, não partidária e não governamental que apoia instituições e práticas democráticas em todas as regiões do mundo há mais de três décadas.
Referências Bibliográficas
ALBRIGHT, Madeleine. Changing the Face of Politics. National Democratic. Institute, Washington. Disponível em: <https://www.ndi.org/changing-face-politics>. Acesso em: 15 nov. 2020.
FORUM, World Economic. The Global Gender Gap Report 2018. 17 dez. 2018. Disponível em: <https://www.weforum.org/reports/the-global-gender-gap-report-2018>. Acesso em: 15 nov. 2020.
IRUNGU, Daniel. How Kenya courted a constitutional crisis over parliament’s failure to meet gender quotas. The conversation, October 1, 2020. Disponível em: <https://theconversation.com/how-kenya-courted-a-constitutional-crisis-over-parliaments-failure-to-meet-gender-quotas-147145>. Acesso em: 15 nov. 2020.
KENYA [CONSTITUTION (2010) The Constitution of Kenya: enacted in 2010. Kenya Law: Where Legal Information is Public Knowledge. Kenya, 2010.
KIMUTAI, Vitalis. Student by day, wife by night: Woes of girls chained to cultural bondage. Daily Nation, Tuesday, January 28, 2020. Disponível em: <https://nation.africa/kenya/news/education/student-by-day-wife-by-night-woes-of-girls-chained-to-cultural-bondage-245584>. Acesso em: 15 nov. 2020.
NELSON Katie G. Generation Project: Kenya’s changing population captured in 100 photos. BBC News. Disponível em: <https://www.bbc.com/worklife/article/20190924-kenyas-changing-population-captured-in-100-photos>. Acesso em: 15 nov. 2020.
OBIRIA, Moraa. Legendary female politicians seek unified push for gender diversity. Daily Nation, October 21, 2020. Disponível em: <https://nation.africa/kenya/gender/legendary-female-politicians-seek-unified-push-for-gender-diversity-2486442>. Acesso em: 15 nov. 2020.
OMONDI, Dickson. A judicial rebuke: Next steps for women’s political equality in Kenya. National Democratic Institute, Tuesday, October 13, 2020. Disponível em: <https://www.ndi.org/our-stories/judicial-rebuke-next-steps-womens-political-equality-kenya>. Acesso em: 15 nov. 2020.NDI. Gender Analysis of the 2017 Kenya General Elections, 2018. Disponível em: <https://www.ndi.org/sites/default/files/Gender%20Analysis%20of%202017%20GeneralElections%20FINAL%20High%20Res%20for%20Printer%20-%20NEW%20COVER_small.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2020.