Texto Conjuntural: Cone Sul #11 – A importância do CONSEA para as políticas de segurança alimentar e os seus efeitos durante a pandemia

A importância do CONSEA para as políticas de segurança alimentar e os seus efeitos durante a pandemia.

Por Júlio Belo

O termo segurança alimentar é de origem militar e vinculava a questão alimentar à capacidade de produção (BRASIL, 2011, p.1). Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a segurança alimentar está ligada à nutrição, por isso a insegurança alimentar se relaciona a qualidade da alimentação, relacionado a subnutrição ou a obesidade (FAO, 2020, p.2). Em meio a uma pandemia, a FAO tem investido grandes esforços à garantia do extermínio da fome em âmbito global.

A expressão ‘segurança alimentar’, como política pública no Brasil, surge em 1985 no Ministério da Agricultura, por meio da ‘Política Nacional de Segurança Alimentar’. O principal objetivo dessa política era de atender as necessidades alimentares da população em busca da autossuficiência alimentar nacional (BRASIL, 2011, p.5). Em 1993, Itamar Franco instituiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA) surgindo em um contexto que considerava: (1) a prioridade absoluta à política de segurança alimentar em decorrência dos problemas da fome e do desemprego; (2) a complexidade e o inter-relacionamento dos fatores que determinam o quadro carencial das pessoas e comunidades menos favorecidas; (3) a multiplicidade de instituições governamentais envolvidas; (4) a necessidade de serem estabelecidos mecanismos eficazes de coordenação; (5) a imprescindibilidade de uma instância capaz de propor estratégias de mobilização, programação e articulação das ações a serem implementadas pelos setores governamentais e não governamentais. (DIÁRIO OFICIAL, SEÇÃO I, 1993, p. 5347).

O CONSEA é implementado como um órgão consultivo à Presidência da República e tem como objetivo o monitoramento, avaliação e formulação de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional. A composição é parte essencial para o caráter social visto que dois terços dos representantes são da sociedade civil, que atuam de forma voluntária (CONSEA, 2017). São ONG’s, associações e grupos religiosos, que atuam diretamente com a população mais carente. Entretanto, por duas oportunidades foram impedidas de atuarem por deliberações presidenciais. A primeira aconteceu no governo de FHC (1995-2003), poucos dias depois de sua posse (BRASIL, 2011, p.7), e a segunda vez, no governo de Jair Bolsonaro, em 2019.

Os grandes avanços na área de segurança alimentar e nutricional (SAN) foram dadas no governo de Lula (2003-2011). No primeiro dia de governo, ele reativou o CONSEA (BRASIL, 2011, p.7). A SAN tornou uma das principais marcas no âmbito doméstico, assim como, para a Política Externa. Diante dos dados, o Brasil tirou milhões de brasileiros da pobreza extrema, e consequentemente do mapa da fome. Todavia, surgem alguns questionamentos importantes ao diálogo: (1) quais as consequências da falta desse órgão em meio a crise econômica e sanitária mundial; (2) como as funções deliberadas ao CONSEA tem sido acompanhadas pela presidência atual; e por fim, (3) será que o Brasil voltará ao mapa da fome.

Efeitos

Segundo o último relatório da FAO (2020, p.185), o número de pessoas, no Brasil, severamente afetadas pela insegurança alimentar entre 2014 e 2016 era de 3,9 milhões e reduziu para 3,4 milhões entre 2017 e 2019. Essa redução é compensada pelo número de pessoas moderadamente ou severamente afetada pela insegurança alimentar 37,5 milhões (2014-16) e 43,1 milhões (2017-19) (FAO, 2020, p.185). A prevalência das pessoas em situação de insegurança alimentar moderada ou severa foi de 18,3 milhões (2014-16) para 20,6 milhões (2017-19) (FAO, 2020, p.172).

Em um país continental de 207.8 (FAO, 2020, p.227), menos de 2,5% vivem em situação de insegurança alimentar, não configurando o Brasil no mapa da fome, mesmo assim, até menos de 1% representam milhões de pessoas em situações degradantes. A página do governo federal comemorava em Julho de 2020, os relatórios da ONU colocam o Brasil fora do mapa da fome. Segundo o Ministro da Cidadania Onyx Lorenzoni: “Serão executados R$ 500 milhões no PAA [Programa de Aquisição de Alimentos] para atender cerca de 150 mil agricultores, possibilitando a doação de alimentos saudáveis para entidades da rede assistencial que, em todo o País, atendem milhões de famílias em situação de insegurança alimentar e nutricional” (MINISTÉRIO DA CIDADANIA , 2020).

Segundo a analista internacional, Alice Alcântara (REVISTA BRADO, 2020), há ainda diversos fatores que comprometem a mesa do brasileiro, estes são: (1) o aumento do desemprego (SILVEIRA, G1, 2020a); (2) redução do poder de compra (DARSE JR, CNI, 2020); (3) alta no preço do dólar; (4) redução do auxílio de 600 para 300 reais. A intersecção entre esses fatores afetam um número cada vez maior de brasileiros em situações de vulnerabilidade alimentar. Segundo o IBGE, o número de desempregados no final de Setembro superou a marca de 14 milhões de pessoas (SILVEIRA, G1, 2020b). É implícito que o poder de compra de milhões de famílias foi reduzido. Isso também pode ser explicado pela alta no dólar à marcas históricas. Quando a moeda brasileira está desvalorizada, as exportações aumentam, visto que os produtos brasileiros tornam-se mais competitivos no mercado internacional. Os exportadores passam a dar preferência ao mercado externo, encarecendo os produtos a nível nacional, e desabastecendo as prateleiras dos supermercados.

Por último, a redução do auxílio emergencial de 600 para 300 reais, é motivo de preocupação para muitos, inclusive por organizações da sociedade civil. A estratégia vem ao encontro do desejo inicial do Presidente Jair Bolsonaro e Paulo Guedes, ministro da economia, que vê a redução fiscal como um alívio econômico (JORNAL NEXO, 2020). Porém o principal impacto está sob a população, os supermercados já sentiram a redução das vendas (O GLOBO, 2020). Uma pesquisa feita pela XP/Ipespe constata que 43% das pessoas que recebem o auxílio emergencial informaram que terão redução de renda e outros 39% acham que a renda permanecerá a mesma, levando-se em conta, a reabertura da economia e a redução do auxílio emergencial para R$ 300 (DELGADO, VALOR INVESTE, 2020).

Conclusão

Diante dos dados apresentados, como pode ser visto o papel do CONSEA na agenda da segurança alimentar no Brasil. Primeiramente, a consequência da falta de um órgão tão estratégico para a presidência, ocasiona uma unilateralidade da visão, sem a escuta de pessoas na linha de frente para aconselhar a presidência os efeitos dos programas e projetos futuros são generalistas. O órgão ficou famoso internacionalmente em 2014, pois, tiveram um papel-chave para tirar o Brasil do Mapa da Fome da ONU, elogiado pela participação democrática e voluntária dos membros (GOMES, DW, 2020). As funções do CONSEA são alocadas atualmente ao Ministério da Cidadania, não se há indícios da participação popular. O futuro do tema da segurança alimentar está centrado atualmente no projeto de renda básica, um instrumento que está em pauta na substituição do Bolsa Família, programa de transferência de renda para famílias carentes, chamar-se-á Renda Brasil. A extensão do Auxílio Emergencial está estendido até Dezembro. Se faz necessário, com que a sociedade civil continue pressionando o governo à aprovação do Renda Brasil para que menos famílias sejam acometidas pela insegurança alimentar. Enquanto isso, o terceiro setor mobiliza-se em todo país sendo um importante braço na linha de frente.

Bibliografia

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