INFLUÊNCIA DA CEDEAO NA PROMOÇÃO DA DEMOCRACIA REGIONAL: os casos de Guiné-Bissau e Mali.
Ana Carolina Oliveira Costa
Os países da África Ocidental enfrentaram um fenômeno de colonização cruel realizado por diferentes países, o que provocou experiências coloniais e administrativas diversas, além da imposição de fronteiras e de diferentes línguas europeias como oficiais dos países da África. A Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) surgiu como uma forma de unir novamente esses países que compartilham suas questões culturais, inicialmente de maneira econômica. A CEDEAO é uma organização internacional fundada em 1975 a partir do Tratado de Lagos. Os Países membros da Comunidade são: Benim, Burkina Faso, Cabo Verde[1], Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Níger, Nigéria, Serra Leoa, Senegal e Togo. A Mauritânia, que participou do processo de criação da organização, se retirou da mesma em dezembro do ano de 2000 (CEDEAO, 2015).
A criação da CEDEAO significa a institucionalização do processo de intensificação de relações transfronteiriças, ou seja, à integração regional da África Ocidental. A integração regional prevê que seja criado um secretariado de poder supranacional limitado capaz de exercer tal poder sobre os membros da instituição, agindo como uma espécie de guia para os Estados. (SCHMITTER, 2010). Os membros devem então, para que o caráter supranacional da Comunidade seja válido e eficaz, ceder parte de sua soberania para que a organização possa reger e aconselhar os países da melhor maneira possível. Para isso, é preciso que exista um nível de confiança entre os membros da organização, visto que cada Estado obedece às regras supranacionais com a crença de que os demais também irão obedecer. (HAAS, 2004)
Nesse sentido, a CEDEAO adquiriu a confiança dos Estados membros, bem como criou laços de confiança entre eles. Assim, as questões que ferem os valores da Comunidade não devem ser relevadas, mas sim discutidas e resolvidas de maneira pacífica. Posto isso, nesta análise conjuntural, será tratada a crise política da Guiné-Bissau, que levou à interferência da CEDEAO nas eleições. Um dos princípios da organização é que haja nos países um governo democrático, o que fica claro com a elaboração do Protocolo A/SP1/12/01 sobre a Democracia e Boa Governança, Suplementário ao Protocolo relativo ao Mecanismo para a Prevenção de Conflitos, Gestão, Resolução, Manutenção da Paz e Segurança.
Sendo assim, é relevante analisar os casos das eleições presidenciais na Guiné-Bissau e no Mali, considerando a atuação da CEDEAO na busca de manter a democracia nestes países. Desde 2015 a Guiné-Bissau enfrenta uma crise política e institucional que colocava em risco os princípios democráticos do país. Desde então, várias tentativas de mediação do conflito aconteceram e a CEDEAO se mostrou um órgão de apoio ao país, buscando aproximar os atores políticos do Estado, encontrar uma boa solução para a crise e fortalecer os princípios democráticos novamente (COMISSÃO DA CEDEAO, 2019).
Tal crise se estendeu por anos e as eleições presidenciais do país no ano de 2019 eram vistas com esperança de que o período de instabilidade se encerrasse. Umaro Sissoco Embaló foi eleito presidente de Bissau no segundo turno. Apesar disso, logo após o reconhecimento de Embaló como presidente, houve indícios de que a instabilidade continuaria, visto que Domingos Simões Pereira, seu concorrente, afirmou que houve fraude e que os resultados feriam a legalidade. Mesmo nessas circunstâncias, Pereira do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), afirmou que felicitaria Embaló, mas que recorreria à justiça. (RIBEIRO, 2020).
O clímax da situação aconteceu em janeiro de 2020 quando o Supremo Tribunal de Justiça e o braço de ferro com a Comissão Nacional de Eleições presidencial reconheceram Embaló como presidente e este assumiu o cargo, fazendo de uma de suas primeiras ações, a demissão do Primeiro Ministro da Guiné-Bissau, ainda enquanto o recurso de contencioso eleitoral de Pereira corria na justiça. Nesse contexto, Domingos Simões Pereira não reconheceu o resultado por julgar leviano por parte das autoridades que desconsideravam o seu recurso. (COFINA MEDIA, 2020).
Foi apenas em abril que a CEDEAO, que vem atuando como mediadora da crise política guineense, reconheceu Umaro Embaló como o presidente da Guiné – Bissau, devido a sua grande influência regional e em todo o cenário internacional, sua decisão foi acompanhada pelos demais parceiros internacionais. Posto isso, é relevante citar a Declaração Preliminar emitida pela CEDEAO que aponta o desejo de proporcionar uma eleição pacífica e transparente e a instituição de um governo condizente com a Constituição do país. Além disso, reitera que a vitória de um deveria ser pacificamente reconhecida pelo adversário e que havendo discordância, o caso deveria ser levado à justiça. (COFINA MEDIA, 2020; CEDEAO, 2019).
O Mali, por sua vez, enfrentou um golpe de Estado, no qual o exército do país se juntou contra o então presidente, Ibrahim Boubacar Keita, forçando sua renúncia. Os militares afirmavam que não buscavam permanecer no poder, mas sim trazer novamente a estabilidade ao país e depois permitiriam eleições gerais. Este fato gerou uma crise democrática e institucional e diversos países e organizações internacionais manifestaram o seu repúdio à situação, como os Estados Unidos e a União Europeia. (REIS, 2020). Vale ressaltar que desde 2012 o Mali lida com conflitos em seu território devido a presença de grupos jihadistas como a Al-Qaeda e o Daesh. Para Michael Shurkin, ex-analista da CIA, o fato de o exército se focar em questões políticas para cometer o golpe de Estado e mantê-lo, pode tirar o foco do exército contra tais grupos. (REIS, 2020). Isto pode trazer consequências ao país, caso não haja um controle eficaz contra tais grupos, como a intensificação dos conflitos ou até mesmo a perda de territórios.
Como forma de punição, a União Africana (UA) suspendeu o Mali de suas atividades. A CEDEAO acompanhado os passos da UA, também suspendeu o Mali de todos os órgãos de decisão, baseando-se no Protocolo Adicional sobre Democracia e Boa Governança. Também foi implementado o encerramento de todas as fronteiras do Mali, bem como a paralisação das transações comerciais, financeiras e todos os fluxos econômicos dos seus países membros para com o Mali, sendo permitido apenas a comercialização de alimentos básicos. Além disso, pediram a libertação imediata do presidente Ibrahim Boubacar Keita e dos demais oficiais detidos. Ademais, uma delegação mediadora foi encaminhada ao Mali para o restabelecimento da estabilidade e dos princípios democráticos no país (COMISSÃO DA CEDEAO, 2020; REIS, 2020).
A CEDEAO também recomendou a implementação de um governo de transição, considerando pontos importantes: o presidente interino deve ser íntegro e civilizado; deve nomear um Primeiro-Ministro Civil, que não poderá se candidatar à presidente nas eleições seguintes; as eleições devem ser próximas, para que o governo oficial possa lidar com os diversos desafios que o Mali enfrenta; por último, mas também de extrema relevância, deve ficar claro que nenhuma estrutura militar deve estar acima do presidente de transição. (OUITONA, 2020)
A conclusão desta análise é que a CEDEAO se mostra um órgão muito importante e eficaz para a implementação e manutenção da paz e da democracia no âmbito regional. Isto é possível devido à evolução do processo de integração, que inicialmente lidava apenas com questões econômicas, mas expandiu o seu âmbito de atuação ao longo do tempo e a grande influência da organização na região e da confiança adquirida pelos seus membros de que a instituição atua de forma imparcial buscando a estabilidade dos Estados e o bem estar dos cidadãos da África Ocidental.
[1] Cabo Verde aderiu à CEDEAO no ano de 1976.
REFERÊNCIAS
CEDEAO. Eleição presidencial na Guiné Bissau 24 de novembro de 2019: declaração preliminar. 2019. Disponível em: https://www.ecowas.int/wp-content/uploads/2019/11/Portuguese_ECOWAS-EOM-Preliminary-Declaration-on-the-24th-November-2019-Presidential-Election-in-Guinea-Bissau.pdf Acesso em: 11 jan. 2020
CEDEAO. Protocolo A/SP1/12/01 sobre a Democracia e Boa Governança Suplementário ao Protocolo relativo ao Mecanismo para a Prevenção de Conflitos, Gestão, Resolução, Manutenção da Paz e Segurança. Secretariado Executivo. Dakar, 2001. Disponível em: https://documentation.ecowas.int/legal-documents/protocols/ Acesso em 9 jan. 2021
COFINA MEDIA. Ano de 2020 na Guiné-Bissau começou com tensão política e acabou com diálogo. 2020. Disponível em: https://www.cmjornal.pt/mundo/detalhe/ano-de-2020-na-guine-bissau-comecou-com-tensao-politica-e-acabou-com-dialogo acesso em 11 jan. 2020
COMISSÃO DA CEDEAO. Declaração dos Chefes de Estado e de Governo da CEDEAO sobre o Mali. 2020. Disponível em: https://www.ecowas.int/wp-content/uploads/2020/08/DECLARATION-SIGNEE-MALI-210820-port.pdf Acesso em: 12 jan de 2020
COMISSÃO DA CEDEAO. Eleições legislativas em Guiné-Bissau 2019: declaração preliminar. 2019. Disponível em: http://www.parlamento.cv/userfiles/image/HIPERLINK/Nova%20pasta%20(13)/CEDEAO.pdf Acesso em: 9 jan. 2021
COMUNIDADE ECONÔMICA DOS ESTADOS DA ÁFRICA OCIDENTAL. Sobre CEDEAO. 2015. Disponível em: https://www.ecowas.int/sobre-cedeao/informacao-basica/?lang=pt-pt Acesso em: 9 jan. 2020
HAAS, Ernest B.. The Uniting of Europe. Indiana: University Of Notre Dame Press, 2004. 552 p. Disponível em: https://www.europarl.europa.eu/100books/file/EN-H-BW-0038-The-uniting-of-Europe.pdf. Acesso em: 9 jan.. 2021.
OUITONA, SERGE. Mali : la junte désigne un Président militaire, la CEDEAO exige un Président de transition civil. 2020. Disponível em: https://www.afrik.com/mali-les-militaires-designent-un-president-militaire-la-cedeao-exige-un-president-de-transition-civil?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+afrikfr+%28Afrik+VF%29 Acesso em: 12 jan. 2020
REIS, Pedro Bastos. Golpe de Estado força Presidente do Mali a demitir-se e dissolver Parlamento. 2020. Disponível em: https://www.publico.pt/2020/08/19/mundo/noticia/golpe-estado-forca-presidente-mali-demitirse-dissolver-parlamento-1928561 Acesso em: 12 jan. 2020
RIBEIRA, João Ruela. Embaló ganhou as presidenciais da Guiné-Bissau e a difícil missão de unificar o país. 2020. Disponível em: https://www.publico.pt/2020/01/01/mundo/noticia/umaro-sissoco-embalo-vence-eleicoes-presidenciais-guinebissau-1898929 Acesso em: 11 jan. 2021
SCHMITTER, Philippe C.. A experiência da integração europeia e seu potencial para a integração regional. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, São Paulo, n. 80, p. 9-44, 2010. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0102-64452010000200002. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-64452010000200002&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 9 jan. 2020.