Por Ana Carolina Diniz Paiva
Palavras-chave: ascensão; cinema; Etiópia; repercussão internacional.
INTRODUÇÃO
A indústria cinematográfica tem sua origem no ocidente, de modo que grande parte das principais técnicas de produção audiovisual foram desenvolvidas nessa região (TAVARES, 2013). Por isso, é necessário reconhecer os reflexos do modelo ocidental nos filmes produzidos fora desse ambiente. No entanto, deve-se ressaltar as características próprias das produções de outros países, que fogem desse padrão e têm conquistado cada vez mais espaço no cenário internacional. Nesse sentido, toma-se o cinema nacional etíope como grande destaque, tendo em vista as produções autorais que refletem a cultura local e carregam em si uma abordagem única e crítica. Esses filmes têm ganhado grande repercussão internacional e conquistado prêmios importantes a nível global (JEDLOWSKI, 2015).
Contudo, a indústria cinematográfica etíope se encontra à mercê da autoridade do governo ditatorial que reprime e censura as produções cujo conteúdo não agrada ou não atenda aos interesses governamentais de forma geral. No país, a produção de filmes conta com a ajuda e patrocínio de empresas e entidades privadas, assim como a formação de jovens cineastas nacionalmente (ÚNICA, 2017). À vista disso, surge o seguinte questionamento: como a indústria cinematográfica etíope consegue preservar suas características culturais próprias e ganhar repercussão internacional?
DIFICULDADES DOMÉSTICAS E INFLUÊNCIA DO CINEMA OCIDENTAL
Há anos, a Etiópia sofre a repressão de governos autoritários e precisa lidar com o controle governamental nos diversos setores da sociedade. No que tange a produção cinematográfica nacional, há a imposição de certos limites para a elaboração e exibição dos filmes, de modo que todas as obras têm que ser submetidas à aprovação da Secretaria de Cultura e Turismo da Câmara Municipal de Addis Ababa. Assim, caso seja entendido que a mensagem passada pelo filme não agrega benefícios à sociedade, ou, então, que vá de encontro aos interesses e ideologia das autoridades, o longa-metragem é censurado e não recebe autorização para ser transmitido (JEDLOWSKI, 2015).
Além disso, o governo não se posiciona como grande incentivador da arte e da cultura, mesmo que nas últimas décadas esse cenário tenha apresentado uma melhora relativa com a criação de organizações voltadas para o setor cinematográfico e para a construção de cinemas públicos. No entanto, as produções nacionais não têm abertura e espaço suficiente para se desenvolverem plenamente nessas instâncias (JEDLOWSKI, 2015). Ademais, o ensino voltado à área cinematográfica só começou no país graças à iniciativa privada, quando o cineasta Abraham Haile Biru fundou, em 2009, a única faculdade de cinema da Etiópia: a “Blue Nile Film and Television Academy” (BNFTA) (BLUE, 2014). Ele, que além de arcar com todos os custos da BNFTA sozinho, para assim poder manter a funcionalidade da escola que não recebe incentivos governamentais, tem, também, que pagar altíssimas taxas de imposto sobre os equipamentos que precisa adquirir para a formação adequada dos jovens estudantes (ÚNICA, 2017).
Abraham Haile Biru se formou em cinema na Holanda, tendo em vista, como foi anteriormente apresentado, a inexistência de uma escola de cinema no país à época (ÚNICA, 2017). À vista disso, é inegável afirmar que o cinema etíope, assim como o cinema africano em geral, sofre certa influência dos países ocidentais, uma vez que essa indústria além de ter se desenvolvido primeiramente nesses locais, é responsável pela disseminação de técnicas e procedimentos audiovisuais e pela formação e inserção de vários profissionais do ramo em escala internacional (THOMAS, 2015). Contudo, o cinema etíope consegue preservar e representar as peculiaridades nacionais ao, por exemplo, produzir os filmes no idioma nacional – a língua amárica (THOMAS; JEDLOWSKI; ASHAGRIE, 2018). Ainda nesse sentido, o processo colonial na Etiópia não acompanhou os desenvolvimentos e a modernização que ocorreram em outros locais pela influência ocidental. Desse modo, a referência cultural do país reflete, também, modelos alternativos que fogem, em termos relativos, dos padrões estadunidense e europeu (THOMAS; JEDLOWSKI; ASHAGRIE, 2018).
Sendo assim, o cinema etíope se destaca, também, por possuir características próprias que diferem das produções de Nollywood, na Nigéria – cujas produções se assemelham ao estilo Hollywoodiano, principalmente – e de outros países africanos (THOMAS, 2015). Para além disso, os longas nacionais buscam retratar a realidade e a cultura da própria Etiópia, e não aderir aos modelos sensacionalistas que focam em questões mais diversas – como os filmes de ação e fantasia. Dessa forma, os produtores conseguem estabelecer uma relação íntima entre a obra e sua audiência, que é composta não só pela população local, como também por aqueles interessados em descobrir e entender um pouco mais sobre a realidade do país, dentro, claro, das limitações impostas pela censura governamental (THOMAS, 2015).
REPERCUSSÃO INTERNACIONAL E CARACTERÍSTICAS DO CINEMA ETÍOPE
Desde meados dos anos 2000, a indústria cinematográfica etíope tem experienciado um amplo crescimento e ampliado cada vez mais sua repercussão internacional. Uma das principais características dos filmes da Etiópia, como já citado, é a representação do contexto nacional e a preservação dos aspectos culturais locais. Assim, destaca-se no país, principalmente, a produção de comédias e dramas românticos, que fazem grande sucesso sobretudo na capital do país, “Addis Abäba”, e abordam temas relevantes à sociedade moderna etíope (THOMAS, 2015). Atualmente, a maioria dos filmes nacionais são produzidos e financiados por pequenas empresas e diretores independentes. Por ano, são produzidos centenas de longas no país, sendo estes exibidos nos cinemas nacionais que estão, em sua grande maioria, concentrados na capital (JEDLOWSKI, 2015).
Para além da conjuntura nacional, as produções etíopes vêm cada vez mais conquistando espaço e ganhando visibilidade regional e internacional. Em 2014, o filme “Difret”, do diretor etíope Zeresenay Berhane Mehari, ganhou os prêmios do público nos importantes festivais internacionais: o Festival de Cinema de Sundance (festival de cinema dos Estados Unidos) e a Berlinale (festival de cinema de Berlim). No ano seguinte, o filme “Lamb”, de Yared Zeleke (cineasta etíope), foi premiado no “Cannes Film Festival” e gerou grande entusiasmo (JEDLOWSKI, 2015). Ambos os filmes foram classificados com uma aprovação superior a 80% no site de crítica cinematográfica “Rotten Tomatoes” (DIFRET, 2015; LAMB, 2016).
Recentemente, o documentário “Finding Sally”, dirigido pela cineasta etíope, Tamara Mariam Dawit, ganhou o Prêmio Adiaha 2020. O propósito elementar do Prêmio Adiaha de melhor documentário feito por uma mulher africana é reconhecer e incentivar as mulheres de todo o continente africano a compartilharem suas histórias por meio de longa-metragens. A edição deste ano ocorreu no dia 30 de agosto e foi realizada totalmente online, tendo sido apresentada pela “Ladima Foundation” no “Encounters South African International Documentary Festival”. A Fundação é uma organização pan-africana sem fins lucrativos, cujo principal objetivo é fornecer meios que contribuam para melhorar o cenário de desigualdade de gênero no meio cinematográfico e de produção de conteúdo. Por ter sido a vencedora, Tamara Dawit recebeu US $2.000, além de ter sido convidada a participar do “Dortmund Cologne International Women’s Film Festival” em 2021 na Alemanha, no qual seu filme será exibido. Uma das juradas da premiação, Theresa Hill, enfatizou o modo como a cineasta explorou sua história pessoal para abordar questões coletivas, como a noção de família, identidade, pertencimento e engajamento político (THE LADIMA, 2020).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se, então, considerar o cinema etíope como uma indústria em ascensão que, apesar das dificuldades que enfrenta a nível doméstico, consegue superar essas adversidades e produzir obras com conteúdo crítico e de qualidade, retratando as características culturais e as temáticas nacionais, estabelecendo um vínculo direto com a audiência nacional e, ainda, atraindo o interesse do público internacional. Nesse sentido, atribui-se, também, grande importância às premiações internacionais, que retribuem e incentivam cada vez mais a produção etíope de obras cinematográficas de qualidade e abrem espaço para os filmes no contexto mundial. Contudo, admite-se, também, que ainda há um longo caminho a ser percorrido em relação à inserção internacional, mesmo que as expectativas em torno dessa internacionalização sejam cada vez maiores, como apresentado anteriormente.
REFERÊNCIAS
BLUE Nile Film and Television Academy. Colours of the Nile, Addis Ababa, mar. 2014. Disponível em: http://www.coloursofthenile.net/about/organisers/blue-nile-film-and-television-academy. Acesso em: 07 nov. 2020.
DIFRET. Rotten Tomatoes, [S.l.], 2015. Disponível em: https://www.rottentomatoes.com/m/difret. Acesso em: 08 nov. 2020.
JEDLOWSKI, Alessandro. Screening Ethiopia: A preliminary study of the history and contemporary developments of film production in Ethiopia. Journal of African Cinemas, [S.l.], v. 7, n. 2, p. 169–185, 2015. Acesso em 07 nov. 2020.
LAMB. Rotten Tomatoes, [S.l.], 2016. Disponível em: https://www.rottentomatoes.com/m/lamb_2016. Acesso em: 08 nov.. 2020.
TAVARES, Mirian. Cinema Africano: um possível e necessário olhar. Contemporanea | comunicação e cultura, v. 11, n. 03, p. 464-470, set-dez 2013. Acesso em: 08 nov. 2020.
THE LADIMA Foundation Adiaha Award 2020 presented to Finding Sally. Capital, [S.l.], set. 2020. Disponível em: https://www.capitalethiopia.com/arts-and-culture/the-ladima-foundation-adiaha-award-2020-presented-to-finding-sally/. Acesso em: 08 nov. 2020.
THOMAS, Michael W.; JEDLOWSKI, Alessandro; ASHAGRIE, Aboneh. Cine-Ethiopia: The History and Politics of Film in the Horn of Africa. Michigan: Michigan State University Press, 2018. Acesso em: 07 nov. 2020.
THOMAS, Michael W. The Local Film Sensation in Ethiopia: Aesthetic Comparisons with African Cinema and Alternative Experiences. Black Camera, [S.l.], v. 7, n. 1, p. 17-41, 2015. Acesso em: 07 nov. 2020.
ÚNICA escola de cinema independente na Etiópia desafia limitações. [S.l.]: DW, nov. 2017. 1 vídeo (03:48 min). Publicado por DW. Disponível em: https://www.dw.com/pt-002/%C3%BAnica-escola-de-cinema-independente-na-eti%C3%B3pia-desafia-limita%C3%A7%C3%B5es/av-41382014. Acesso em: 07 nov. 2020.