As consequências da guerra civil no Sudão do Sul (2013-2018) para a economia do país nos dias atuais
Júlia Almeida de Oliveira
Introdução
O Sudão do Sul encontra-se diante de uma crise que teve como consequência o enfraquecimento de sua moeda. Isto ocorreu devido a diversos fatores, dentre os quais é válido destacar a queda na produção de petróleo, a corrupção e os conflitos que o país tem enfrentado há anos.
As divergências entre o presidente do país, Salva Kiir, e o primeiro vice-presidente, Riek Machar, as quais foram responsáveis pelo início da guerra civil no país, dificultam a resolução dos problemas econômicos no país, tendo em vista que estas divergências permaneceram após o fim da guerra civil que ocorreu entre 2013 e 2018. Portanto, todos estes problemas somados resultaram no fim das reservas de moeda estrangeira e, por conseguinte, na desvalorização da libra sul-sudanesa (AL JAZEERA, 2020), o que nos remete à situação-problema da presente análise: como a guerra civil sul-sudanesa influenciou os problemas econômicos atuais do Sudão do Sul?
A guerra civil sul-sudanesa
No dia 15 de dezembro de 2013, a crise política mais grave da história recente do Sudão do Sul eclodiu. (PINAUD, 2014). As consequências do fim da guerra civil (em 2018) foram extensas. O conflito deixou aproximadamente 400.000 mortos, cerca de um terço da população deslocada e gerou a maior crise de refugiados africana das últimas duas décadas (ALJAZEERA, 2020). A guerra civil emergiu quando o presidente, Salva Kiir, acusou o então vice-presidente, Riek Machar, de estar conspirando para derrubá-lo. A partir disso, diversas facções rebeldes tomaram o controle de múltiplas cidades regionais, de tal modo que milhares de pessoas morreram e muitas outras fugiram (BBC, 2018).
Após uma série de acordos realizados entre as duas partes e uma sucessão da quebra dos mesmos, entre os anos de 2014 e 2017, tem-se que, finalmente, em agosto de 2018, o presidente Salva Kiir assinou um acordo que visava estabelecer o compartilhamento de poder com Machar, assim como com outros grupos de oposição, para colocar um fim na guerra civil. O acordo determinava que Riek Machar retornaria ao governo como um dos cinco vice-presidentes do país (BBC, 2020).
Diversas partes do Sudão do Sul, inclusive as áreas agrícolas mais importantes, ficaram praticamente vazias devido ao fato de muitas pessoas terem fugido à procura de segurança e comida durante o período da guerra civil. Tal situação fez com que aqueles que optaram por permanecer no país tivessem que contar com importações, ainda que a queda na taxa de câmbio tenha resultado em alimentos importados excessivamente caros. A despeito do influxo de bilhões de dólares em ajuda alimentar, a comida não chegava às pessoas que desta necessitavam, devido a fatores como ataques a entregas, estradas em mau estado, inundações decorrentes das chuvas e interferência deliberada do governo do país. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), até quando havia comida disponível, uma parte considerável dos preços eram altos – de forma a ilustrar, uma refeição, em 2018, era equivalente ao valor de duas vezes a renda diária nacional, conforme apresentado por um relatório daquele ano -, de tal modo que as pessoas não conseguiam comprar o que encontravam nos mercados ou nas lojas (GAZETA DO POVO, 2018).
No que diz respeito ao petróleo, – principal elemento de exportação do Sudão do Sul e que é considerado como um dos principais motores de sua economia – tem-se que os combates que marcaram a guerra civil no país foram responsáveis por fechar diversos campos de petróleo. No entanto, um acordo de paz que foi negociado com o Sudão em 2011, ano em que houve a separação entre os dois países, apresentou como uma de suas disposições que o Sudão ajudasse a fazer com que os campos de petróleo do Sudão do Sul voltassem a funcionar (GAZETA DO POVO, 2018).
Para além do petróleo, o Sudão do Sul poderia contar com as exportações de determinados recursos naturais, tais como o ouro, exportações agrícolas de vegetais e goma arábica e, também, madeiras como mogno e teca. Entretanto, uma vasta parte da área mais produtiva do país, conhecida como Equatoria, praticamente não possui mais habitantes desde quando os combates da guerra civil se estenderam na região por volta de 2016 e 2017. Temendo que fossem acusados de colaborar com os soldados da oposição ou para que não fossem pegos nos combates, muitos indivíduos tiveram que deixar suas fazendas antes de realizarem a colheita. À vista disso, a agência de alimentos da ONU avalia que a área colhida reduziu em cerca de 50% de 2017 para 2018, fazendo com que os preços de mercado fossem ainda mais distorcidos (GAZETA DO POVO, 2018). Logo, nota-se que os acontecimentos da guerra civil sul-sudanesa acarretaram diversas consequências para o país tanto nos aspectos sociais quanto econômicos.
Os problemas econômicos enfrentados pelo Sudão do Sul hoje
Apesar do Sudão do Sul ter colocado um fim à guerra civil que durou cinco anos (2013-2018), diversos desacordos permaneceram entre o presidente Salva Kiir e o primeiro vice-presidente Riek Machar. Essas desavenças fizeram com que os processos de paz fossem suspensos e com que as medidas para solucionar os problemas econômicos do país fossem dificultadas (AL JAZEERA, 2020).
Atualmente, o país possui três taxas de câmbio, sendo uma do banco central (em que a taxa da libra por um dólar é de 165), outra dos bancos comerciais (em que a taxa da libra por um dólar é de 190) e, por fim, uma do mercado não oficial (em que a taxa da libra por um dólar é de 400). Isto posto, torna-se válido destacar que determinados funcionários têm utilizado o banco central de forma inadequada. À vista disso, Brian Adeba, vice-diretor de política da Watchdog The Sentry, com sede nos Estados Unidos, publicou diversos relatórios que evidenciam corrupção de alto nível no Sudão do Sul, os quais foram negados pelo governo do país. Deste modo, pode-se dizer que a corrupção dentro do Estado e a questão do petróleo, tratada a seguir, dificultam ainda mais a conjuntura do país (AL JAZEERA, 2020).
A economia do Sudão do Sul depende completamente do petróleo e da agricultura. No entanto, nos últimos meses houve uma queda na produção do petróleo – de um pico de 250.000 barris por dia, de antes do início da guerra civil em 2013, para 180.000 barris por dia, no momento atual, o que gerou um grande desafio para a economia do país e, consequentemente, para as suas reservas de moeda estrangeira (AL JAZEERA, 2020).
No ano de 2020, diversos choques ocorreram no Sudão do Sul, dentre os quais é válido destacar as inundações que sucederam em partes do país, infestações de gafanhotos, a pandemia da COVID-19 e a baixa nos preços do petróleo, fazendo com que as vulnerabilidades existentes no país fossem exacerbadas. Sendo assim, juntamente com a má gestão econômica no Sudão do Sul, os anos de conflito da guerra civil deterioraram a capacidade produtiva do país. Como é possível verificar com os eventos recentes, a economia sul-sudanesa encontra-se particularmente vulnerável ao clima, ao preço do petróleo e aos choques relacionados a conflitos, de tal modo que a diferença entre a taxa de câmbio oficial e a taxa de câmbio do mercado paralelo permanece elevada, estimada em 103% em junho de 2020 (BANCO MUNDIAL, 2020).
À vista disso, a principal prioridade do governo do país é tratar as causas subjacentes do conflito e, assim, restaurar a paz e a estabilidade no país, segundo os objetivos do R-ACSS, acordo revitalizado que foi assinado sobre a resolução do conflito no Sudão do Sul. Nesse sentido, para garantir a recuperação econômica, faz-se necessário que o governo implemente reformas macroeconômicas abrangentes, que incluam medidas para reduzir a inflação, para lidar com as distorções cambiais, assim como ações de longo prazo que visem diversificar a economia. Ao fortalecer os sistemas de gestão das finanças públicas e ao buscar um programa de investimento público voltado para as pessoas, poderá haver, no país, um apoio à resiliência, redução da pobreza, formação de um estoque de capital humano e garantia do futuro (BANCO MUNDIAL, 2020).
Considerações Finais
A recente guerra civil que ocorreu no Sudão do Sul resultou em diversos desafios para o país, que variam em ampla escala tanto social como economicamente. As consequências do fim do conflito, juntamente com os desentendimentos do atual presidente do Sudão do Sul e do primeiro vice-presidente, apresentam enormes dificuldades para o atual cenário do Estado e, portanto, maiores empecilhos para uma possível solução aos seus atuais problemas econômicos. Sendo assim, o Sudão do Sul enfrenta diversas crises, as quais culminaram no esgotamento de suas reservas e, como efeito, na desvalorização de sua moeda. Logo, é possível afirmar que a guerra civil contribuiu para o colapso da economia do país.
Deste modo, pode-se dizer que o Sudão do Sul precisará organizar as suas ações em vista da solução dos problemas atuais de sua economia. Tais esforços exigirão a elaboração de diversas reformas econômicas para que a estabilidade seja alcançada e para que a população sul-sudanesa tenha suas demandas atendidas e um futuro adequado e equilibrado.
Referências Bibliográficas
AL JAZEERA, 2020. Running on empty: South Sudan is out of foreign exchange reserves. 20 ago. 2020. Disponível em:
<https://www.aljazeera.com/ajimpact/running-empty-south-sudan-foreign-exchange-reserves-200820001658999.html>. Acesso em: 24 set. 2020.
BANCO MUNDIAL, 2020. O Banco Mundial no Sudão do Sul. Disponível em: https://www.worldbank.org/en/country/southsudan/overview. Acesso em: 06 nov. 2020.
BBC, 2020. Perfil do Sudão do Sul – Linha do tempo. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/world-africa-14019202>. Acesso em 13 out. 2020.
GAZETA DO POVO, 2018. Como é a vida após cinco anos de guerra civil no Sudão do Sul. Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/como-e-a-vida-apos-cinco-anos-de-guerra-civil-no-sudao-do-sul-do9abxqqo0i7fjchov02f6jtj/>. Acesso em: 02 nov. 2020.
PINAUD, Clemence. South Sudan: Civil war, predation and the making of a military aristocracy. 2020. Disponível em: <https://academic.oup.com/afraf/article/113/451/192/135547>. Acesso em: 27 set. 2020.