Juliana Rossi
Palavras chaves: Al-shabab, Estado Falido, AMISOM, segurança.
INTRODUÇÃO
Desde 1990, a incerteza e a instabilidade têm sido características da Somália, já que atores beligerantes seguem ativos no território. Isso deve-se pela classificação do país como um Estado Falido – Estados caracterizados por não conseguirem prover os bens políticos como, educação, segurança e saúde – denominação feita pelo cientista político, Robert Rotberg (2002), que abre espaço para que grupos terroristas como Al- Shabab ocupem o espaço público e tenham uma autonomia maior que o Estado. Nesse viés, a transferência da responsabilidade da segurança – de uma força militar estrangeira capacitada (AMISOM) – para o Exército Nacional da Somália, implica no desgaste no maior sistema governamental perante ao controle da organização terrorista. Dito isso, como a transferência de responsabilidade de segurança do país ao Exército Nacional da Somália fortalece o grupo terrorista Al-Shabab frente ao Estado Falido?
A SAÍDA DA AMISOM E A ASCENSÃO DO GRUPO AL-SHABAB
O Al- Shabab é um grupo islamico fundamentalista que surgiu na década de 1990 e tem como princípio a idealização de uma “Grande Somália” que, para eles, significa o Estado Somali seguir uma interpretação severa da lei Sharia em todo seu território. Isso pode ser observado nas áreas em que o grupo já possui controle, como a capital Mogadíscio, as quais possuem proibições que vão desde o estilo de vida, como venda de Khat, fumar e beber, até entretenimento, como filmes e músicas. Além disso, a organização terrorista restringe agências humanitárias de trazerem suplementos alimentares e medicamentos nas áreas controladas, forçando aproximadamente 800 mil pessoas a fugirem de acordo com as Nações Unidas. (EXAME, 2011)
O grupo não atua apenas na Somália, já executou diversos atentados em países que propuseram enviar tropas militares ao país, como por exemplo a Uganda, que em 2010 sofreu atentado de homens-bomba que matou 74 pessoas em sua capital Kampala. Na hora do atentado, declararam estar “enviando uma mensagem a todos os países que desejam enviar tropas à Somália de que enfrentarão ataques em seu território”. Portanto, dificulta o controle das missões militares sobre o grupo terrorista, já que os ataques ultrapassam as fronteiras e afetam outros Estados que também, não possuem uma situação política e sanitária equilibradas. No gráfico abaixo, conseguimos observar a concentração dos ataques da organização terrorista na África Oriental.
Fonte: <https://www.cfr.org/backgrounder/al-shabab>
A força militar regional legítima – AMISOM – que desde 2007, vem implementando o mandato de imposição da paz na Somália, após a autorização do Conselho de Paz e Segurança da União Africana (AUPSC) e do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU). Consolidou-se como a principal força de estabilização da guerra civil com o Governo Federal da Somália (FGS) restabelecendo o controle de diversas cidades do país. É indubitável a evolução em sua atuação para prover a segurança e soberania do Estado Somali, tornou-se uma ampla missão de contra-insurgência e de estabilização, atuando em áreas urbanas e rurais. (CEBRAFRICA -UFRGS, 2020)
Embora tenham retirado uma grande parte das forças de Al-Shabaab para fora do país e de fortalecer o FGS, a sua retirada traz consequências que pela incapacidade das forças somali de combaterem em todas as frentes com quais a missão lida, pode comprometer áreas já apaziguadas pela missão e a soberania do governo frente ao controle dos grupos terroristas e até seu combate a outras batalhas, como a do COVID-19. (CEBRAFRICA -UFRGS, 2020).
A TRANSFERÊNCIA DA RESPONSABILIDADE DA SEGURANÇA PARA O EXÉRCITO SOMALI E SUAS CONSEQUÊNCIAS
Neste ano, a AMISOM anunciou a retirada de todas as suas tropas do território somali e o processo de transferência será concluído até o final de 2021. Aresponsabilidade da segurança do país estará sob total controle do Estado somali. Em 2017, os Estados Unidos já haviam retirado suas tropas militares, afirmando que a corrupção no governo somali foi um fator decisório para tal. O representante estadunidense havia afirmado que “Mesmo nas áreas que detêm, o governo central e os estados federados lutam para administrar o território, fornecer serviços básicos e superar um legado de décadas de corrupção e má gestão das instituições estatais”(FELTER,CLAIRE). Ou seja, o fato da situação do governo somali é que ela não vem apresentando melhorias, mas sim pioras, e o fato de as missões e os países envolvidos tomarem a decisão de retirar suas tropas militares e transferir a responsabilidade da segurança ao Estado, agrava mais ainda o quadro conjuntural.
Segundo Mohammed Ayoob, professor da Michigan State University, o conceito de segurança proposto por ele tem como característica principal ser centrada no Estado, enfatizando a conotação política do termo, já que a maior empreitada na qual os países não desenvolvidos estão empenhados desde a descolonização é a formação do Estado (State building). Assim, as vulnerabilidades internas dos Estados não desenvolvidos são as principais causas para o elevado número de conflitos em diversas partes do globo. As fissuras internas destes países têm ajudado na transformação desses conflitos internos em disputas interestatais, pois elas provêm as oportunidades e justificativas para Estados intervirem em disputas de seus vizinhos. Portanto, a principal causa dessa situação se origina das debilidades desses Estados.(RUDZIT, GUNTHER)
Isso pode ser observado na história do Estado Somali, após sua unificação em 1960 o país sofreu guerras civis e golpes de poder ocasionados pela corrupção e pela estrutura social única do país que dificulta a formação de um Estado funcional. Esta estrutura é constituída por diversos povos nômades divididos em clãs, o que não é compatível com a construção de uma nação moderna e traz – no caso da Somália – uma das causas de sua falência, que seria a falta de identificação do país como uma nação. (RAGE, HUSEIN)
Assim, a transferência da responsabilidade da segurança ao Estado Somali, o qual não consegue prover os seus próprios bens políticos – o que é resultado de sua história e de uma má gestão governamental – traz uma piora em sua soberania estatal sob a organização terrorista Al-Shabab, que conseguirá uma autonomia maior nas áreas já dominadas e até uma possível reconquista das outras áreas que já haviam sido recuperadas pela missão de paz.
CONCLUSÕES FINAIS
Posto tudo, conclui-se que o Estado Somali não está preparado para lidar com a transferência da responsabilidade da segurança para si, pelo fato de ser um Estado Falido e incapaz de prover os bens políticos para sua população e sua estrutura social que não é compatível com uma nação moderna. Assim, o grupo islâmico Al-Shabab conseguirá uma autonomia maior nas áreas já controladas e uma possível reconquista de poder em outros territórios, devido à retirada das tropas da AMISOM.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FELTER, CLAIRE. The Council on Foreign Relations, “Backgrounder Al-Shabab” Disponivel em:<https://www.cfr.org/backgrounder/al-shabab>
RUDZIT, GUNTHER. O debate teórico em segurança internacional Mudanças frente ao terrorismo?,2005.<file:///C:/Users/jumro/Downloads/5-Texto%20do%20artigo-7668-2-10-20071107.pdf>
DEUTSCHE WELLE, 2020. “Após 60 anos de independência, Somália tornou-se um Estado Falhado”. Disponível em: <https://www.dw.com/pt-002/ap%C3%B3s-60-anos-de-independ%C3%AAncia-som%C3%A1lia-tornou-se-um-estado-falhado/a-54007270>
UFRGS, CEBRAFRICA. “Perspectivas para o encerramento da Missão da União Africana na Somália (AMISOM)”. 2020
Disponivel em: <https://www.ufrgs.br/cebrafrica/wp-content/uploads/2019/02/An%C3%A1lise-de-Conjuntura-UA-AMISOM-converted.pdf>
EXAME. “Al Shabab adverte que agências da ONU seguem proibidas na Somália”. SÃO PAULO, 22 de Julho de 2011. Disponível em:
SANTOS, LUIZA CLAUDIA FARIA. “Os atuais impactos sociais da Sharia”. 2016.
Disponível em: <http://www.revista.unisal.br/lo/index.php/revdir/article/download/648/291>