Texto Conjuntural: Cone Sul #16 – Desdobramentos da segurança alimentar no Brasil diante da pandemia 

Desdobramentos da segurança alimentar no Brasil diante da pandemia 

Por Júlio Belo

Durante o discurso do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, no Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, ele afirmou que o Brasil deverá se consolidar como maior produtor de alimentos, mesmo diante da pandemia. Após tais palavras, ele afirma a garantia da segurança alimentar de um sexto da população mundial (PAVÃO, 2021). Duas variáveis precisam ser destacadas nesta fala: (1) a importância do agronegócio para o país das commodities; e (2) o destino dos alimentos que nutre essa enorme quantidade de pessoas. O país é hoje o segundo maior exportador de alimentos do mundo, segundo a OMC (Organização Mundial do Comércio), e contraditoriamente, se depara com o fato de três em cada quatro domicílios localizados em áreas rurais sofrem com insegurança alimentar. É importante reforçar aqui que o conceito de insegurança alimentar abrange: a alimentação de má qualidade; a instabilidade no acesso a alimentos; e ou a fome (CARRANÇA, 2021). 

Diante desse cenário, observa-se, ainda, a alta no preço das commodities, que somada à desvalorização do real, tornam-se um propulsor à exportação da produção, agravando ainda mais a oferta de produtos no país, o que afeta os preços. Um verdadeiro efeito dominó em que os interesses privados são sobrepostos ao público. Afinal, porque os produtores agrícolas deixariam de vender para uma demanda mundial que cresce exponencialmente, e negociar em dólar? A lei da oferta e demanda, cai como uma luva, ganha quem paga mais. Para além dos fatores estritamente econômicos, os estudiosos apontam que o campo sofre, ainda, por: alto percentual de pobreza; elevada concentração de terras; limitação de recursos hídricos; menor acessibilidade de equipamentos públicos; menor acesso às doações do terceiro setor e da sociedade civil; menor acesso dos pequenos produtores aos mercados. Para somar a miscelânea de aspectos, o começo de 2021 é marcado pela seca em várias regiões do país (CARRANÇA, 2021).

Mesmo nesta conjuntura, o país permanece na vanguarda da produção de alimentos. Renata Motta, pesquisadora da Universidade Livre de Berlim, discute que a questão a ser debatida não é sobre a produção de alimentos, e sim do acesso a estes. É com esse intuito que esta análise propõe, primeiramente, a discussão dos impactos da pandemia da Covid-19 no agronegócio, pressupondo o Brasil como um importante player mundial no fornecimento de alimentos. Posteriormente, busca contextualizar a preparação doméstica para a Cúpula de Sistemas multilaterais, como medida de âmbito multilateral que tem o objetivo de atenuar os problemas socioambientais nacionais e mundiais. A partir desses contextos, é possível questionar, como o Brasil sendo um dos maiores fornecedores de alimento do mundo, ainda presencia um cenário de crescente insegurança alimentar na atualidade. 

Impactos da Covid-19 no Agronegócio e o papel do Brasil

A dimensão continental brasileira e a excelente localização condicionam o Brasil como um dos mais importantes fornecedores de alimentos do mundo. O país carrega no currículo o título de maior exportador de alimentos, com o maior superávit comercial. Favorecido pela experiência na comercialização para mais de 200 países. O Brasil é mais que uma peça, mas um player fundamental para a manutenção da segurança alimentar mundial (JANK, 2020, p.2). 

Com a Covid-19, a inevitável queda da renda mundial traz consigo a missão da seguridade alimentar como prioridade (JANK, 2020, p.4). Esta calamidade afeta diretamente o poder aquisitivo das famílias, trazendo à tona uma baixa qualidade nutricional e diminuição no consumo de alimentos. Segundo o International Food Policy Research Institute (IFPRI), a cada 1% de desaceleração no crescimento global, o número de pessoas sujeitas a insegurança alimentar aumenta em 2% no mundo. O Banco Mundial indicou redução de cerca de 2 a 4% do PIB global em 2020 (JANK, 2020, p.8).

As regiões mais afetadas com esta drástica redução diante da pandemia, segundo o estudo do Insper, uma renomada instituição de ensino superior brasileira, são aquelas que utilizam mais intensivamente a mão-de-obra na agricultura, como países da África. No entanto, o Cone Sul, encabeçado pelo Brasil, é menos ameaçado devido ao alto grau de mecanização, principalmente na produção de grãos (JANK, 2020, p.15). Assim, mediante a alta no preço das commodities, somado à alta demanda por alimentos no exterior, o agronegócio brasileiro se volta para fora. Os preços dos produtos brasileiros atraentes pelos preços competitivos, visto a desvalorização do real frente ao dólar, incentiva naturalmente à exportação. A produção aumenta para atender uma demanda crescente, o campo intensificado pela tecnologia já tem compras na fila de espera. Enquanto domesticamente, observa-se o crescente aumento da cesta básica, uma inflação galopante que mina o poder de compra dos consumidores, especialmente dos mais vulneráveis (JANK, 2020, p.18).  

Por isso, é vital o papel do país no tema de segurança alimentar, com vastas terras agricultáveis e uma larga produção, o Brasil é autossuficiente, e ao mesmo tempo, possui capacidade e o dever no abastecimento de outros países. Mas ainda não conseguiu resolver os problemas de insegurança alimentar de sua população. 

Diálogos nacionais para a Cúpula de Sistemas Alimentares da ONU

Em meio a pandemia, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) promoveu uma série de debates, chamados de Diálogo Nacionais para Segurança Alimentar, a fim de abordar a importância da alimentação de qualidade e saudável para toda a sociedade (BRASIL, 2021). A promoção desse evento serviu como preparação para a Cúpula de Sistemas Alimentares da ONU, que ocorrerá em setembro. 

“Os trabalhos da Cúpula estão organizados em torno de cinco linhas de ação: (1) Garantia do Acesso a Alimentação Saudável, Segura, Sustentável para Todos; (2) Padrões de Consumo Saudáveis e Sustentáveis; (3) Produção em Escala de Alimentos Positivos para a Natureza; (4) Promover o Sustento e a Distribuição de Valor Equitativa (5) Construção de Resiliência contra Vulnerabilidades, Choques e Tensões” (MRE, 2021). 

O debate nacional buscou definir propostas a serem efetuadas e submetidas à ONU. Durante os dias 10, 12 e 14 de maio de 2021, foram realizadas videoconferências que tiveram a presença de estudiosos, representantes agrícolas, ONG’s, entre outras organizações. As intervenções foram compiladas em alguns documentos, e serviram como diretrizes para a formalização do posicionamento da delegação brasileira. A iniciativa é louvável, tendo em vista a preocupação com os diferentes âmbitos das discussões que se voltaram primordialmente para a qualidade dos hábitos alimentares, e a distribuição equitativa de alimentos para a população brasileira. (MRE, 2021). 

Em resumo, o primeiro dia abarcou as Linhas de Ação 1 e 4 da Cúpula de Sistemas Alimentares, se discutiu mecanismos para a redução da insegurança alimentar grave, o acesso a alimentos saudáveis e a eliminação da pobreza por meio de emprego decente. Por sua vez, no segundo dia apresentou-se as Linhas de Ação 2 e 3 da Cúpula, dando destaque a ampliação da demanda sustentável; fortalecimento de cadeias de valor; melhora da nutrição e redução de desperdício de alimentos. E por fim, no terceiro dia, foi a vez da Ação 5, discutiu-se a importância da resiliência econômica e social dos sistemas alimentares, e as medidas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas (MRE, 2021). Os documentos finais não serão pauta da presente análise, mas se fazem interessantes para um trabalho mais robusto, a se discutir se a realidade é perpassada nestes, assim como, o reflexo durante a Cúpula em setembro de 2021. 

Conclusão  

O Brasil é um player importante tanto no nível regional como mundial no combate da insegurança alimentar. Entretanto, há de se perceber que as políticas públicas de âmbito doméstico nesta área foram com o passar dos anos abandonadas, se agravando ainda mais diante da complexidade conjuntural. Perpassa no âmbito doméstico, a urgente efetividade na aplicação de políticas públicas com recortes geográficos que contemplem as necessidades das áreas rurais e urbanas. O Brasil, cada vez mais, se torna protagonista na segurança alimentar mundial, e dessa forma, precisa pensar em meios para minimizar as calamidades no próprio território, mediante a parcerias público-privado (PPP) desde meios logísticos até os bens de consumo de fato. Espera-se que o Brasil enfrente a Cúpula de Sistemas Alimentares da ONU em setembro, de forma exemplar, mitigando até lá problemas sociais de insegurança alimentar grave, facilitando o acesso de alimentos de forma mais democrática possível.  

Em resumo, no nível internacional o Brasil desponta no fornecimento de alimentos, beneficiado pelo agronegócio intensivo em termos tecnológicos. O superávit comercial na esfera agro é potencializado pela desvalorizada moeda frente ao dólar. Mas no âmbito doméstico, o Brasil deixa a desejar, agravando-se a conjuntura pandêmica que marginaliza os grupos vulneráveis, principalmente no campo. Sendo assim, apesar da crescente produção durante a pandemia da COVID-19, o Brasil não tem instrumentos públicos suficientes para sanar a qualidade alimentar de seus habitantes. Desse modo, para que a Cúpula de Sistemas Alimentares de fato coloque o Brasil na vanguarda, é necessário rever os discursos e atuar mais efetivamente para que as palavras e planos saiam do papel, e não gire somente em torno de interesses privados. 

Referências Bibliográficas

BRASIL. Diálogos Nacionais chega ao último dia. Notícias, [S. l.], 13 maio 2021. Segurança Alimentar, p. -. Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/noticias/assistencia-social/2021/05/dialogos-nacionais-chega-ao-ultimo-dia. Acesso em: 4 jun. 2021.

CARRANÇA, Thais. 3 em cada 4 famílias do campo comem mal ou passam fome no Brasil. BBC News, [S. l.], p. -, 2 jun. 2021. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/bbc/2021/06/02/exportacao-recorde-alimentos-seca-pandemia-fome-campo.htm. Acesso em: 4 jun. 2021.

JANK, Marcos Sawaya et al. IMPACTOS DA COVID-19 NO AGRONEGÓCIO E O PAPEL DO BRASIL: Parte I: Cadeias produtivas e segurança alimentar. Texto para discussão, [s. l.], n. 2, p. 1-26, jun 2020. Disponível em: https://www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2020/06/impactos-da-covid-19-no-agronegocio-e-o-papel-do-brasil-vf-a.pdf. Acesso em: 4 jun. 2021.

MRE. Cúpula 2021 sobre sistemas alimentares – Diálogos. Notícias, [S. l.], p. -, 1. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/mre/pt-br/cupula-2021-sistemas-alimentares-dialogos. Acesso em: 4 jun. 2021.

PAVÃO , Diego. ‘Brasil deverá se consolidar como maior produtor de alimentos‘, diz Bolsonaro. CNN News, [S. l.], p. -, 4 jun. 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/2021/06/04/brasil-devera-se-consolidar-como-maior-produtor-de-alimentos-diz-bolsonaro. Acesso em: 4 jun. 2021.

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