As faces da crise na Venezuela e a falta de perspectiva
Por Gustavo Parreiras Freitas de Oliveira
Palavras chave: Venezuela; Crise; Diesel; Economia; Miséria
A crise Venezuelana é de conhecimento geral dentro do sistema internacional, tanto na esfera política quanto econômica. Entretanto, nos últimos meses, os problemas têm tomado proporções exorbitantes, não somente por uma rejeição crescente por parte da comunidade internacional, mas também pela crise que continua a se alastrar e pode levar à falta de alimentos dentro do país. O agravamento da fome e o aumento nos índices de mortalidade são preocupantes. Desde o ano de 2017, o Estado sofre efeitos do processo de hiperinflação, com a desvalorização acelerada da moeda (Bolívar venezuelano). Além disso, aumentos diários dos preços dos bens de mercado ao longo do ano de 2020 provocaram uma inflação de mais de 2000% (SINGER, 2020).
Durante a terceira semana de abril deste ano, a nota de 1 milhão de bolívares, a maior já impressa na história do país, foi introduzida no mercado pelo Banco Central da Venezuela. Essa medida foi uma tentativa de facilitar as compras de bens de menor valor. Apesar de parecer algo simples, um novo problema está sendo gerado: a falta de troco dentro dos estabelecimentos provoca a dolarização informal da economia, o que tem criado um novo mercado interno no país. Atualmente, um milhão de bolívares venezuelanos correspondem a vinte e cinco centavos de dólar (dois reais e cinquenta centavos). Por causa disso, inúmeras lojas e mercados não conseguem troco para seus clientes, o que tem trazido prejuízo. Alguns comerciantes, assim, começaram a comercializar notas trocadas em retribuição de um valor maior: um exemplo disso é a venda de dezoito dólares trocados por vinte dólares (D’OLMO, 2021).
A passagem custa 150 mil bolívares (US$ 0,07 para trocar), mas muitas pessoas não têm cédulas e não podem pagar. Mesmo que tivessem notas de US$ 1, isso seria muito mais do que o valor do bilhete e eu nunca tenho todo o troco para devolver ao passageiro (RAMOS in BBC, 2021c).
Além da hiperinflação, o país enfrenta alguns outros problemas extremamente graves, dentre eles a escassez de diesel. Em março de 2020, juntamente com a chegada da pandemia da COVID-19, os postos de gasolina “secaram” e o governo elevou os preços do litro e começou a importar a mercadoria do Irã. Outra solução foi a substituição em inúmeros casos da gasolina pelo diesel. No entanto, em outubro do mesmo ano, o governo estadunidense, sob a presidência de Donald Trump, barrou a importação de diesel pela Venezuela e, com os problemas enfrentados pela petroleira do Estado PDVSA, o país ficou sem opções para obtenção do recurso (MOLEIRO; SINGER, 2021). Alguns ativistas e organizações sociais venezuelanas chegaram a enviar uma carta, solicitando aos secretários de Estado e Tesouro da época, Mike Pompeo e Steven T. Mnuchin, que retirassem as sanções impostas. Porém, eles não cederam aos pedidos.
Mesmo após a posse do presidente Joe Biden, as sanções permanecem e não tem previsão para serem retiradas, o que pode gerar ainda mais problemas para a Venezuela. O diesel, além de ser a fonte de combustível majoritariamente usada no país para automóveis, é também utilizada para o fornecimento de energia elétrica para a maior parte das residências e para a distribuição de água dentro da Venezuela. Com o agravamento da crise e o esgotamento das reservas, o país passará por um grave problema de abastecimento interno e a crise de fome e miséria irá se intensificar (D’OLMO, 2021).
Falar sobre a Venezuela me deixa com vontade de chorar. Minha família está passando fome agora e começaram a morrer… Estão morrendo adultos e crianças, e não é pela enfermidade de coronavírus, estão morrendo de fome. De fome! (BAES in BBC, 2021a)
A situação é extremamente negativa para a população do país como um todo, mas quando olhamos o recorte de grupos mais isolados, como é o caso dos indígenas Warao, que somam mais de 40 mil pessoas dentro do território venezuelano. Acometidos de maneira mais abrupta pelo coronavírus, sem saneamento básico e desprovidos de cuidados governamentais, as tribos estão enfrentando, ainda, falta de remédios e vacinas, o que tem ocasionado a morte de algumas pessoas por fome e outras doenças (BBC, 2021a). Com a intensificação da crise ao longo dos últimos anos, muitos começaram a buscar asilo e refúgio no Brasil: até o momento, mais de 3.000 indígenas se deslocaram entre os países em busca de melhores condições.
Ratifico a ordem à FANB (Forças Armadas Nacionais Bolivarianas) e à Milícia Bolivariana no Estado de Apure, de aplicar a doutrina: Guerra de Todo o Povo contra grupos irregulares e terroristas colombianos. União Cívico-Militar-Policial em defesa da soberania venezuelana. Tolerância zero! (MADURO in BBC, 2021d)
Para além da Crise econômica que assola o país, a crise política se intensifica a cada momento. Nos últimos dias, Nicolás Maduro enviou uma milícia armada para a fronteira da Venezuela com a Colômbia para um combate armado. A criação desse grupo foi baseada no ideal Chavista da promoção de um ideal “cívico-militar”, em decorrência da desproporcionalidade de forças entre os Estados Unidos e a Venezuela A fim de equiparar a batalha, a “Guerra de Todo Povo” deve ser primordial. Esse conceito foi inspirado por Fidel Castro e sua ideia de incorporar a população civil dentro das forças armadas da nação (BBC, 2021d).
A situação como um todo está piorando muito, e sem apoio internacional o país segue sem perspectivas de sair dela. O governo tem experimentado um aumento vertiginoso de rejeição pela população venezuelana, que começa a solicitar reforços internacionais e refúgios em outros países devido aos problemas enfrentados. Com o agravamento da crise do diesel e o desencadeamento de uma piora nos índices de fome e miséria, a revolta da sociedade deve gerar consequências ainda mais severas para o atual presidente, o qual já possui desavenças grandes com a comunidade internacional. O isolamento do governo Maduro no contexto externo as sanções aplicadas pelos Estados Unidos refletem-se numa situação doméstica crítica, que tem gerado uma pressão muito grande para sua saída do governo. Porém, Maduro se mostra relutante a qualquer oposição, mantendo-se com suas convicções e decisões em âmbito nacional, mesmo que elas não resultem em nenhuma melhora para a qualidade de vida de sua população.
Referências:
BBC. ‘Guerra de Todo o Povo’: Maduro evoca Fidel e envia milícia armada para fronteira com Colômbia. BBC, 2021d. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-56757757. Acesso em 20 de abr. 2021.
CARRANÇA, Thais. ‘Minha família está morrendo de fome na Venezuela’: mais de 3 mil indígenas warao buscam vida melhor no Brasil. BBC, 2021a. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56759831. Acesso em 20 de abr. 2021.
D’OLMO, Guillermo. ‘Aqui não tem diesel’: a nova crise na Venezuela que pode agravar falta de alimentos no país. BBC, 2021b. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-56407796. Acesso em 20 de abr. 2021
D’OLMO, Guillermo. Crise na Venezuela: dolarização informal da economia cria mercado de troco no país. BBC, 2021c. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-56677393. Acesso em 20 de abr. 2021.
MOLEIRO, Alonso; SINGER, Florantonia. Escassez de diesel paralisa novamente a Venezuela. EL PAÍS, 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/internacional/2021-03-13/escassez-de-diesel-paralisa-novamente-a-venezuela.html. Acesso em 20 de abr. 2021.
SINGER, Florantonia.Com um quilo de arroz por um salário mínimo, a hiperinflação dispara novamente na Venezuela. EL PAÍS, 2020. Disponível em: https://brasil.elpais.com/internacional/2020-12-03/com-um-quilo-de-arroz-por-um-salario-minimo-a-hiperinflacao-dispara-novamente-na-venezuela.html. Acesso em 20 de abr. 2021.