Texto Conjuntural: Golfo da Guiné #04

Foto: Golden News NG

Conflitos intercomunitários na Nigéria e o processo de colonização

Mariana Mendes Azevedo Reis

A Nigéria é um país localizado na região do Golfo da Guiné no continente Africano, com uma população estimada de 201 milhões de pessoas, segundo o Banco Mundial (2019). Ademais, é formada por centenas de diferentes povos, com línguas, religiões e culturas diferentes, o que acaba levando a conflitos dentro do próprio país.

População, religião e política

Estima-se que existam no país 250 grupos étnicos, sendo que cada um habita seu próprio território por direito de primeira ocupação e por herança, sendo que pessoas que não são membros desse grupo dominante da região, mas nela vivem, são considerados estrangeiros, mesmo tendo vivido e trabalhado no local por décadas (FALOLA, s.d). Existem no país, três grandes grupos étnicos: os Hausa-Fulani, os Yoruba e os Igbo (FALOLA, s.d).

Dentre esses grupos, os Hausa se integraram aos Fulani no norte da Nigéria e tem como religião predominante o Islamismo. Sendo que são os Fulani que controlam a administração das cidades Hausa, sendo que os Fulani que não se casam, continuam a falar a língua Fula.

Já no Sudoeste do país, o grupo que se encontra em maior quantidade e domina politicamente a região é o Yoruba, sendo em sua maioria agricultores, mas vivendo em áreas urbanas. Cada subgrupo Yoruba tem seu chefe supremo, sendo o “ooni” seu líder espiritual e o “alaafin de Oyo”, seu líder político tradicional e os governantes mais poderosos, reconhecidos em todas as áreas Yoruba (FALOLA, s.d).

Também temos os Igbo, que habitam o sudeste da Nigéria e vivem em pequenos assentamentos descentralizados e democráticos. A aldeia é a maior unidade política e é governada por um conselho de anciões, que são escolhidos por mérito. Parte deles vivem perto de Edo, portanto também estando mais culturalmente perto de Edo, do que dos Igbo do leste. Finalmente, e em menor número, há os Ibibio, que habitam perto dos Igbo e compartilham traços culturais semelhantes, e os Edo, que criaram o reino pré-colonial de Benin, onde se encontra a maior concentração de grupos étnicos – mais de 180 grupos.

No âmbito religioso, antes da colonização britânica, grande parte da população nativa seguia religiões tradicionais, entretanto, com as políticas coloniais, quando houve a independência em 1960, a maioria foi classificada como muçulmana ou cristã, com apenas um pequeno número ainda seguindo religiões tradicionais (FALOLA,s.d). Tal realidade pode ser observada no gráfico abaixo:

Afiliações religiosas na Nigéria (2003)

Fonte: Britannica (s.d)

Há uma maior concentração de muçulmanos na parte Norte do país, onde três quartos da população professam o Islã, enquanto três quartos da população do Leste professam o cristianismo. E, apesar da constituição garantir a liberdade religiosa, existe um conflito constante entre muçulmanos e cristãos e entre eles e os adeptos de religiões tradicionais (FALOLA, s.d).

Na Nigéria, o governo é presidencialista, sendo que o chefe de Estado pode exercer um mandato de quatro anos e é eleito diretamente – todos os cidadãos maiores de 18 anos podem votar –, sendo o próprio presidente quem escolhe o vice-presidente e os membros do gabinete. Ademais, também existem o governo estadual e o local abaixo do federal.

E, em 1960, quando o país se tornou independente, existiam dois principais partidos, o Grupo de Ação (AG) e o Congresso do Povo do Norte (NPC), que tinham um foco mais regional, o que acabou levando mais tarde a uma guerra civil na mesma década, ocasionando em um regime militar de mais de 20 anos (FALOLA, s.d). Devido a isso, em 1998, apenas partidos com foco nacional eram permitidos, como por exemplo, o Partido Democrático do Povo (PDP). E assim, a partir daí, muitos outros partidos foram criados.

Colonização

Após já meio século de exploração, o governo britânico formou em 1914, no país africano, a Colônia e o Protetorado da Nigéria sob um único governador geral residente em Lagos. A partir daí, princípios britânicos sobre o modo de vida, educação, cultura, religião e política nigerianos começaram a imperar.

Sob um slogan de “administração nativa”, os britânicos estabeleceram um tipo de governo indireto em que era colocado um chefe tradicional no governo local, mas este estava sujeito à orientação de oficiais europeus, ou seja, quem governava mesmo eram os britânicos, mas de forma “indireta” (FALOLA, s.d). Da mesma forma que foi feita no governo, diversas outras áreas da vida local sofreram interferência europeia. Foi estabelecida uma educação ocidental, implementou-se a língua inglesa e espalharam o cristianismo durante o período colonial. Além disso, a economia nigeriana também foi mudada e nigerianos tiveram que migrar devido ao trabalho, tanto para as cidades quanto para os campos.

Os britânicos estabeleceram um governo central e um local, sendo que o central era responsabilidade do governador-geral e era mais distante do povo, e o local era, assim como descrito anteriormente, um “governo indireto”, em que na verdade a população experimentava da autoridade colonial (FALOLA, s.d). E, como forma de evitar qualquer tipo de oposição ou revolta, as autoridades coloniais dividiram os grupos nigerianos o máximo possível para facilitar o processo de exploração. Assim, foram implantadas hierarquias políticas onde não existia antes governando por meio daqueles que os colonizadores consideravam mais facilmente moldáveis.

No norte do país, entretanto, os missionários cristãos enviados para difundir a educação ocidental foram fortemente combatidos por líderes muçulmanos, fazendo com que o cristianismo e a educação ocidental se espalhassem rapidamente pelo sul, mas não pelo norte. Portanto, o processo de europeização na Nigéria foi também mais forte no sul, afetando a economia e levando o sul a se desenvolver mais economicamente comparado com o norte, aumentando ainda mais as diferenças entre o norte e o Sul, ocasionando tensões políticas (FALOLA, s.d).

Durante o período de colonização, os britânicos lutaram para manter o controle sobre a colônia nigeriana e quando confrontados com possibilidades de separação, ou seja, independência, cediam reformas políticas como maneira de evitar movimentos mais radicais. Dessa forma, em 1923, Herbert Macaulay, considerado o “pai do nacionalismo nigeriano moderno”, fundou o primeiro partido político nigeriano, o Partido Nacional Democrático da Nigéria e, após 1930, as atividades políticas focaram em acabar com o domínio britânico (FALOLA, s.d).

Em 1944, foi fundado o Conselho Nacional da Nigéria e dos Camarões (NCNC), criado por Macaulay e Nmamdi Azikiwe, um Igbo, fortalecendo ainda mais o movimento anticolonial, que vinha tendo o apoio de diversas pessoas, às quais se apoiavam na política e na mídia para fortalecer ainda mais o movimento, ao que os britânicos responderam tentando criar um sistema colonial mais representativo. Porém, um dos problemas a se olhar antes que a Nigéria se tornasse independente, era o medo das minorias de serem discriminadas por grupos étnicos majoritários que estivessem no governo (FALOLA, s.d).

Independência

Após ser colônia do Império britânico, a Nigéria só conquistou a independência em 1960, quando uma nova constituição estabeleceu um sistema federal com primeiro-ministro que seria escolhido por eleição e um chefe de Estado cerimonial. Mas foi somente em 1963 que o país se tornou uma República. E, após um curto período de paz, as tensões regionais ocasionadas pela competitividade étnica, desigualdade educacional e desequilíbrio econômico – consequência da colonização – voltaram a aparecer no mesmo ano (FALOLA, s.d).

Já segmentado em três regiões, sendo elas: a oeste – controlada pelos Yoruba –, a leste – pelos Igbo – e a norte – pelos Hausa-Fulani, é criada então a região Centro-Oeste, com o intuito de evitar o conflito étnico (FALOLA, s.d). Entretanto, os conflitos eram endêmicos e logo o governo no Oeste desmoronou, havendo um boicote às eleições federais em 1964, até que em 1966, um grupo de oficiais do exército tentou derrubar o governo federal, estabelecendo um governo ditatorial que levou a distúrbios anti-Igbo no norte do país.

E a partir daí, o cenário político e de segurança só foi piorando, com os próprios militares se dividindo em linhas étnicas e acontecendo um contragolpe em julho do mesmo ano, crise agravada por conflitos intercomunitários (FALOLA, s.d). Houve tentativas de paz, por meio da quebra de poder das regiões, dividindo-as em vários estados, entretanto foram todas em vão, pois em 1967 os conflitos eclodiram em uma guerra civil.

A guerra civil teve fim em 1970, sendo estabelecida uma segunda república e trocando o sistema parlamentar britânico por um presidencialista. Foram criados partidos políticos e buscou-se mais intensamente por melhorar áreas como educação, serviços sociais, economia dentro do país, além de ter sido adotada uma forte política anti-imperialista. O período democrático, entretanto, durou pouco, pois em 1983 foi dado um golpe de estado pelos militares, que aproveitaram um período de crise econômica e política e de insatisfação popular com o governo.

O período de regimes militares durou de 1983 a 1999 com a morte de Sani Abacha, que estava no governo desde 1993 e ao morrer em 1998, foi substituído pelo general Abdulsalam Abubakar, que prometeu devolver o poder aos civis, realizando a transição para o regime civil e acontecendo eleições já em 1999. Então desde esse ano até os dias de hoje, já houve várias eleições e controvérsias políticas, sendo a última eleição em 2019, com Muhammadu Buhari – que já havia sido presidente de 1983 a 1985 –, sendo eleito pela segunda vez consecutiva, já que também havia ganhado as eleições de 2015.

Conflitos atuais

Atualmente, o país africano enfrenta diversos desafios de segurança com conflitos intercomunitários, como por exemplo, a insurgência do grupo islâmico Boko Haram na região nordeste da Nigéria. Juntamente com o descontentamento e a militância no Delta do Níger, o aumento dos conflitos entre pastores e comunidades agrícolas do cinturão central ao sul e o separatismo Biagra no Sudeste Igbo (CRISISGROUP, s.d).

Criado em 2002, o grupo sectário islâmico, Boko Haram, se tornou uma ameaça contínua, alegando que queriam acabar com a corrupção, a injustiça e impor a Shariah (lei islâmica), ganhando notoriedade em 2009 quando houve um atrito entre o grupo e as forças policiais, militares e locais, que resultou na morte deles.

Pouco depois desse ataque, o líder do Boko Haram foi capturado e morreu sob custódia da polícia, fazendo com que o grupo desaparecesse por um tempo e ressurgisse sob a liderança de Abubakar Shekau – deputado de Yusuf – que iniciou uma campanha de violência em 2010, a qual continuou nos anos seguintes. Os ataques do grupo aumentaram, então, a intensidade e frequência, atacando principalmente no Nordeste e centro da Nigéria e atingindo principalmente edifícios governamentais, quartéis militares, a polícia e igrejas e escolas cristãs (FALOLA, s.d).

As tensões só aumentavam no país, com a violência do grupo e com a violência e assassinatos extrajudiciais feitos por policiais e militares durante as perseguições ao grupo. E, em 2013, com a violência do grupo não diminuindo e as estratégias para lidar com ele se mostrando ineficazes, o presidente da época, Goodluck Jonathan, declarou o Boko Haram como um grupo terrorista e o baniu sob a lei Nigeriana (FALOLA, s.d).

Em 2014, quando o grupo sequestrou 275 meninas de um colégio interno em Chibok, o grupo ganhou fama internacionalmente, sendo amplamente condenado e aumentando o número de ofertas de ajuda internacional à Nigéria (FALOLA, s.d). Apesar de toda a ajuda recebida e das sanções impostas ao grupo, em agosto do mesmo ano, o Boko Haram declarou as áreas sob seu controle como um Estado islâmico.

Conclusão

Por fim, é possível concluir que os atuais conflitos intercomunitários na Nigéria são resultado não somente da diversidade de comunidades, identidades culturais, étnicas e religiosas que o país abriga, mas também são uma consequência da colonização e do processo de independência pelo qual o país passou. A interferência europeia separou e intensificou os conflitos entre as diferentes etnias, levando a desconfiança e competição entre eles.

Além disso, a imposição da religião cristã levou a um desaparecimento das religiões tradicionais nigerianas e aumentou as diferenças entre o sul e o norte do país. Com o Sul sendo mais facilmente colonizado, a forma da educação e o desenvolvimento econômico e financeiro da região foi diferente da do norte, sendo que o sul se desenvolveu mais economicamente, o que causou maiores tensões políticas na Nigéria.

O aumento dessas diferenças, juntamente com a europeização no país e o sistema de governo similar ao britânico, tendo um governo central e um regional levou a mais atritos sobre quem tinha a maior autoridade. Havia o medo de que um grupo étnico tivesse mais poder que o outro, podendo levar ao aumento da violência e discriminação contra os demais e menores grupos étnicos, o que dividiu ainda mais os nigerianos. 

Com todas as diferenças étnicas e as interferências europeias no país, conflitos se multiplicaram, sendo agravados ainda mais por crises políticas e econômicas e até mesmo por mudanças climáticas e degradação ambiental – as quais acirraram ainda mais a competição pela terra na Nigéria. Tais conflitos intercomunitários, principalmente a insurgência do Boko Haram, levaram ao deslocamento de mais de dois milhões de pessoas, ocasionando uma crise humanitária e novos desafios de segurança, com o surgimento de grupos de autodefesa de vigilantes civis, trazendo novos dilemas de política e prováveis riscos de segurança (CRISISGROUP, s.d).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BIRMINGHAM. CIFORB Country Profile – Nigeria. Disponível em: https://www.birmingham.ac.uk/Documents/college-artslaw/ptr/ciforb/resources/Nigeria.pdf. Acesso em: 12 jun. 2021.

BRITANNICA. Nigeria. Disponível em: https://www.britannica.com/place/Nigeria. Acesso em: 11 jun. 2021.

CRISIS GROUP. Nigeria. Disponível em: https://www.crisisgroup.org/africa/west-africa/nigeria. Acesso em: 12 jun. 2021.

MINORITY RIGHTS. Minorities and indigenous peoples. Disponível em: https://minorityrights.org/country/nigeria/ . Acesso em: 11 jun. 2021.

https://www.britannica.com/place/Nigeria https://www.crisisgroup.org/africa/west-africa/nigeria


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