A BATALHA PELA SAÚDE FEMININA E EDUCAÇÃO SEXUAL NOS PAÍSES AFRICANOS SUBDESENVOLVÍDOS
Por: CATERINA PASQUALINI
Existem inúmeros desafios para a população feminina dos países subdesenvolvidos, um deles é a gritante realidade do tabu que envolve toda a saúde reprodutiva e sexual da mulher, agravada pela pobreza, que prejudica a vida de milhões de meninas e mulheres. Seja o estigma cultural que persegue o corpo da mulher ou a falta de acesso a produtos básicos de higiene pessoal, as consequências desse problema são reais: desde garotas que deixam de ir para a escola quando menstruadas por serem humilhadas pelos seus colegas, perdendo oportunidades de uma vida melhor veiculada pela educação, até as vítimas de mutilação feminina, uma prática cultural de muitas comunidades africanas, que resulta em grande chance de morte durante a relação sexual ou durante o parto.
O problema afeta todas as faixas etárias e as consequências afetam todos os aspectos da vida feminina e da sua posição na sociedade, não apenas sua saúde sexual. A UNESCO estima que 1 em 10 meninas na África subsaariana não vão à escola durante sua menstruação, que resulta em aproximadamente 20% do ano letivo perdido. Além disso, no Quênia, existe a realidade de garotas que precisam recorrer à prostituição em troca de absorventes íntimos, o que muitas vezes causa gravidez adolescente indesejada ou transmissão de infecções sexualmente transmissíveis, perpetuando outros ciclos de problemas estruturais na sociedade. Estes são apenas alguns exemplos da dura experiência feminina na pobreza, uma conjuntura que muitos indivíduos e ONGs ao redor do mundo trabalham fervorosamente para reverter, mas ainda há muito a ser feito.
Nesse texto será feito uma análise de que formas a saúde e segurança de milhões de mulheres africanas estão sendo comprometidas com a combinação da falta de produtos de higiene pessoal e a falta de acesso à educação sexual e reprodutiva .
1. A questão da pobreza
Atingidos pela pobreza, muitos países africanos têm dificuldade em providenciar absorventes acessíveis para a população feminina e, em casos extremos, mas infelizmente comuns em vilarejos afastados das capitais, a falta de produtos de higiene básica como sabonetes ou até mesmo água disponível para se lavar. Naturalmente, a pobreza não é apenas um problema feminino, 2.3 bilhões de pessoas no mundo não têm acesso a saneamento básico, de acordo com a UNICEF, mas essa realidade é especialmente crítica para as mulheres, uma vez que são impedidas de cuidar de sua saúde reprodutiva com dignidade e segurança, resultando em humilhação, infecções graves e até mesmo morte.
A falta ou dificuldade de acesso a produtos de higiene feminina é chamada de “pobreza menstrual” e, globalmente, pelo menos 500 milhões de mulheres no mundo vivem essa realidade, de acordo com o World Bank. Dados da ONU Mulheres revelam que mais de 1 bilhão de mulheres no mundo não tem acesso a um vaso sanitário seguro e privado, enquanto 526 milhões não possuem nem acesso a um vaso sanitário. No Quênia, 65% das mulheres não tem acesso a absorventes íntimos e apenas 32% das escolas em áreas rurais possuem algum lugar para que as meninas possam trocar seu absorvente.
Em Serra Leoa, um país que 50% das mulheres recebe menos de US$ 1 por dia e um quarto vive em extrema pobreza, os absorventes íntimos mais baratos custam em torno de US$ 0,50; trazendo a necessidade de buscar outras alternativas. Não só em Serra Leoa como na maioria dos países subsaarianos, devido à falta de acesso aos absorventes íntimos, as mulheres acabam utilizando jornais, pedaços de tecido, meias, penas, folhas e até mesmo areia durante o seu período menstrual. Uma mulher malgaxe, mostrada num documentário veiculado pela rede de televisão FRANCE 24 sobre a pobreza menstrual no Madagascar, relata que durante a maior parte dos meses do ano seu vilarejo não possuía água suficiente nem para que ela pudesse lavar suas partes íntimas, muito menos para se manter limpa durante seu período menstrual.
Essa questão afeta diretamente a segurança de milhões de mulheres, uma vez que tais práticas aumentam consideravelmente a chance de infecções e outros problemas de saúde que podem, inclusive, levar à morte. Além da falta de acesso a produtos de higiene pessoal, a falta de acesso a escolas, seja pelo estigma da menstruação ou pela simples ausência física de instalações devido à pobreza, também impacta a segurança das jovens, uma vez que, de acordo com a ONU Mulheres, meninas que não frequentam a escola regularmente estão mais propensas a serem vítimas de casamento infantil e violência sexual.
2.1 A questão cultural
Além da pobreza, o estigma cultural que acompanha as mulheres e seus corpos principalmente nas áreas rurais da África subsaariana representa ainda mais obstáculos para que possam não só ter sua menstruação de maneira segura, mas para que possam existir na sociedade sem constante desconforto, humilhação ou risco de vida. É especialmente comum em vilarejos normas ou práticas discriminatórias, guiadas por tradições culturais e falta de informação, que afetam o bem-estar físico e mental de meninas e mulheres.
No vilarejo em Madagascar mostrado no documentário da FRANCE 24, a própria palavra utilizada na língua nativa para se referir a menstruação traduz para “o período de tabu no mês”, e práticas relatadas demonstram que o nome utilizado é autoexplicativo: as mulheres não podem cozinhar, chegar perto de animais ou retirar água dos reservatórios por medo de contaminação, e em alguns casos não podem nem estar na mesma casa que o resto da família quando estão menstruadas. Ademais, é necessário mencionar que não são práticas localizadas, de acordo com a ONU, o estigma com menstruação é comum em toda a extensão da África subsaariana.
A menstruação não é um tópico falado abertamente nem entre mulheres, para essas comunidades, a menstruação é vista como algo sujo e vergonhoso. Por isso, muitas meninas não sabem o que significa menstruar e que isso vai acontecer em sua puberdade até o exato momento que acontece pela primeira vez, ajudando a perpetuar um ciclo de desinformação e medo sobre os processos naturais do corpo feminino. Combinado à falta de acesso a produtos de higiene, o tabu causa pânico, problemas de autoestima e medo ir para a escola, além de inúmeras consequências mais graves para milhões de garotas.
Foi veiculado no The Guardian a triste, porém não incomum, reportagem de uma menina de 14 anos, no Quênia, que cometeu suicídio após ser expulsa da sala ao ter sua primeira menstruação. Ocorrido em 2019, a professora da garota a chamou de “suja” e a retirou de sala, quando pouco tempo depois tirou sua própria vida. Ela não havia sido instruída sobre menstruação e nem tinha acesso a absorventes íntimos.
É possível afirmar que a discriminação não existe apenas com a menstruação, mas representa um problema conjuntural de desigualdade de gênero guiada por tradições centenárias e sociedades majoritariamente patriarcais que veem mulheres como inferiores aos homens, componente que perpetua as raízes de preconceito e sofrimento, ainda mais acentuado pela pobreza e todas as duras consequências já existentes dessa condição.
A mutilação feminina é outro exemplo da perigosa combinação de tradições patriarcais e falta de informação, prática que envolve na remoção total ou parcial da parte externa da vagina. De acordo com a OMS, mais de 200 milhões de mulheres hoje são mutiladas em 30 países da África, Oriente Médio e Ásia. A Etiópia é um país que tem trabalhado para reverter esse perigoso quadro, mas que recebe resistência dos vilarejos rurais que estão determinados a manter a prática por acreditarem que é uma prática necessária, que está no Corão ou que o órgão sexual feminino é sujo por natureza.
3. Conclusão e o que tem sido feito
Em conclusão, é possível perceber que a questão do bem-estar físico e mental das mulheres africanas que sofrem com a pobreza menstrual e discriminação de gênero está enraizada em inúmeros fatores estruturais difíceis de quebrar, mas não impossíveis. Os governos de alguns países lançam projetos para tentar reverter a situação, mas nem sempre têm êxito, como o governo de Quênia se disponibilizou para distribuir absorventes íntimos gratuitos para a população, mas depois declarou que não haveria fundos suficientes. Dessa forma, percebe-se que a participação de ONGS e da sociedade civil são imprescindíveis para trazer diálogo, educação e alternativas para essas mulheres melhorando sua qualidade de vida, como já estão melhorando de inúmeras mulheres no continente africano.
- Referências
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