As consequências do coronavírus frente ao combate a outras doenças na África do Sul
Stefani Maria Tavares Penha Ramos
A África do Sul é um país conhecido por seu histórico de lutas contra doenças virais, bacterianas, entre outras enfermidades letais e sem cura. Conforme é relatado pela Statistics South Africa (2013), o país africano tem como principais causas mortes as seguintes doenças: tuberculose, gripe, pneumonia, imunodeficiência humana – causada pela Acquired Immunodeficiency Syndrome (AIDS) e doenças cerebrovasculares. Tal conjuntura, tornou-se ainda mais alarmante, ao exigir da população e do Sistema de Saúde da África do Sul adaptações severas, tanto para combater a Covid-19, quanto para manter o enfrentamento às doenças previamente existentes. Diante disso, este trabalho busca analisar o impacto do coronavírus em um sistema de saúde já fragilizado.
Segundo o relatório da Organização Mundial da Saúde (2018), a África do Sul garante na sua constituição o direito aos cuidados à saúde. De forma que o sistema de saúde do país é formado pelo setor público e privado, onde o primeiro é responsável pelo atendimento a todos, mas, em especial, às populações mais carentes, e o segundo necessita do pagamento de um plano específico. Ainda de acordo com a OMS (2021), a África do Sul tem, atualmente, cerca de 1.669.231 casos e 56.601 mortes por covid-19. Além disso, cerca de 13,5% da população sul-africana têm HIV, número equivalente a 7,97 milhões de pessoas, conforme apontam as informações do plano anual 2020-2021 do National Institute For Communicable Diseases (2020). Ao mesmo tempo, a tuberculose se mostrou como a doença que mais afeta a população, mesmo tendo uma baixa de cerca de 25% de casos ao longo dos últimos três anos. Os dados acima podem ser vistos na tabela abaixo, que apresenta o percentual das doenças que mais causam mortes na África do Sul.
Tabela 1. Percentual das doenças que mais causam mortes na África do Sul.
Tuberculose | 8,8% |
Gripe e Pneumonia | 5,2% |
HIV | 5,1% |
Doenças Cerebrovasculares | 4,9% |
Diabetes mellitus | 4,8% |
Outras formas de doenças cardíacas | 4,6% |
Doenças Hipertensivas | 3,7% |
Para auxiliar nesse momento da pandemia, a Statistics South Africa (2020) realizou um mapeamento de vulnerabilidade relacionada a COVID-19, tendo como principal objetivo demonstrar em quais lugares as comunidades foram mais afetadas pela doença. Nota-se, que a vulnerabilidade é realizada, a partir dos fatores demográficos, com a função da faixa etária, socioeconômicos, e pessoas que se encontram em condições de saúde precárias. Em seguida, a ferramenta possibilita o mapeamento das regiões mais afetadas pela COVID-19. Dessa forma, o mapeamento tornou possível determinar quais pontos ou pessoas podem ser mais suscetíveis à doença, além de servir como instrumento para amparar a gestão das coletas de dados em diferentes frentes. Isso, acabou por deixar explícito o impacto da doença, não somente nas populações mais desprotegidas, mas em toda sociedade.
Nesse sentido, ao considerar a necessidade de mudanças nas políticas públicas após a propagação da covid-19 no país, o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, determinou a utilização do Índice de Vulnerabilidade do Statistics South Africa (2020) nas políticas públicas do país ligadas a saúde da população.
Já em relação as mortalidades causadas por motivos diferentes ao coronavírus, o governo sul-africano aprovou uma Comissão Consultiva Nacional de Saúde e Bem Estar para lidar com tais questões, a partir do Plano Estratégico de Ação Nacionais para as Doenças Não Transmissíveis, vigente desde 2016 até 2020. Tendo como apoio organizações da sociedade civil e do setor privado, o principal objetivo deste plano é promover melhorias na saúde de determinadas parcelas da população que necessitem de auxílio, desde pessoas que convivem com doenças crônicas até casos mais graves. Além disso, tal projeto recebe diversas contribuições como, por exemplo, da Organização Mundial da Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde, Banco Mundial, União Europeia e diversos países (OMS, 2018).
Krisela Steyn e Michelle Schneider (2001) utilizam das informações do Banco Mundial para lembrar que, a África do Sul, um país de renda média, ainda possui elevados níveis de pobreza. Sendo, capaz de mostrar a existente desigualdade e que há uma imposição de maior auxílio às pessoas, como ressaltado acima com o plano de mapeamento da COVID-19. Não obstante, o governo tem se comprometido com a redução da pobreza e uma distribuição mais igualitária de renda, visto que fatores como emprego, acesso à moradia e saúde são direitos básicos de todo ser humano. Em especial o tema do acesso à saúde, o qual tem recebido bastante atenção desde 1994, quando o governo priorizou os grupos mais vulneráveis, e aqueles com as principais doenças, além de mulheres e crianças.
De acordo com Boaventura de Souza Santos (2020), o mundo tem vivido tempos excepcionais, o que acaba gerando uma espécie de crise, mas tal acontecimento, segundo ele, se faz presente desde a década de 1980. O autor chama atenção para a década de 1980, sobretudo, para as ações do neoliberalismo e do capitalismo que sujeitam a sociedade a crises constantes e às desigualdades sociais, visto que a população é dependente do setor financeiro, o qual está em constante mudança. Enquanto, a pandemia do novo coronavírus veio como um aspecto para deixar ainda mais à mostra uma situação que a população mundial vivenciava há algum tempo, tendo-se as questões de desigualdade e pobreza como um forte exemplo acerca disso.
Portanto, é de suma importância compreender que o mundo já viveu diversas pandemias e epidemias ao longo dos séculos e que, provavelmente, a pandemia de COVID-19 não será a última a aparecer. Por esta razão, é necessário que haja conscientização da população e do governo que outras doenças ainda estão vigentes, e reivindicam por atenção. Diversas enfermidades continuam afetando a população e isto requer o apoio do governo, de instituições e organismos internacionais, visto que as comunidades populacionais mais vulneráveis têm ficado à mercê desse contexto.
Assim, a pandemia e sua repercussão no mundo vêm como um aviso, do qual Santos relata: “O que ela nos permite ver e o modo como foi interpretado e avaliado determinarão o futuro da civilização em que vivemos. Estas aparições, ao contrário de outras, são reais e vieram para ficar.” (2020, p.10).
Referências:
Pan American Health Organization. Folha informativa COVID-19 – Escritório da OPAS e da OMS no Brasil. 2020. Disponível em:<https://www.paho.org/pt/covid19#:~:text=COVID%2D19%20%C3%A9%20a%20doen%C3%A7a,%2C%20em%20Wuhan%2C%20na%20China>. Acesso em: 02 de junho de 2021.
SANTOS, Boaventura de Souza. A Cruel Pedagogia do Vírus. Abril, 2020. Edições Almedina, S.A.Biblioteca Nacional de Portugal.
STEYN, Krisela; SCHNEIDER, Michelle. Overview on Poverty in South Africa. In BRADSHAW, Debbie; STEYN, Krisela. Poverty and Chronic Diseases in South Africa. Technical Report 2001. Cap.1, pg.1-14. Disponível em: <https://www.samrc.ac.za/sites/default/files/files/2017-07-03/povertyfinal.pdf >. Acesso em: 2 de junho de 2021.
Statistics South African, 2020. Disponível em:< http://www.statssa.gov.za/?page_id=737&id=3>. Acesso em: 2 de junho de 2021.
Statistics South African, 2020. Disponível em: < http://www.statssa.gov.za/?p=13875 >. Acesso em: 2 de junho de 2021.
South African COVID-19 Vulnerability Index, 2020. Disponível em:< http://www.statssa.gov.za/publications/Report%2000-80-05/SACVI%20Technical%20Report.pdf>. Acesso em: 2 de junho de 2021.
World Health Organization, Covid-19 Dashboard 2020. Disponível em: <https://covid19.who.int/region/afro/country/za>. Acesso em: 2 de junho de 2021.
World Health Organization, Country Cooperation Strategic at a glance- South Africa, 2018. Disponível em: <https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/136874/ccsbrief_zaf_en.pdf?sequence=1&isAllowed=y> Acesso em: 2 de junho de 2021.
National Institute For Communicable Diseases, NHLS Annual Performance Plan 2020 – 2021, 2020. Disponível em: <https://www.parliament.gov.za/storage/app/media/Docs/tpap/642703b7-8ff7-48c8-a758-d4a4292b6b28.pdf >. Acesso em: 2 de junho de 2021.