Por Cristiano Grabellos de Barros Avila de Moura
- INTRODUÇÃO
O narcotráfico colombiano, favorecido por um contexto de extrema desigualdade social e inobservância estatal, expandiu-se no país durante os anos 70 com o plantio da maconha. Na década de 1980, a economia da droga já havia expandido sua influência para a mais variada gama de aspectos da vida nacional, introduzindo, também, o cultivo da coca e da papoula. Era o negócio mais lucrativo do país e tinha uma ligação estreita com o conflito armado, potencializando-o e deixando o Estado colombiano à beira do colapso (SANTOS, 2011; VALENCIA, 2005).
Cartéis de droga e facções guerrilheiras tinham um forte envolvimento com o tráfico de drogas, o qual provia recursos que utilizavam para se sustentarem. Esses grupos constituíam a oposição armada contra o Estado, que, cada vez mais, perdia o monopólio do uso da força. Em 1982, Belisario Betancur assume a presidência do país e reconhece essa oposição como atores políticos numa tentativa de diálogo pacífico. A nova abordagem falha e potencializa a já significativa influência do tráfico de drogas na política tradicional, o que resultou num embate direto entre narcotraficantes e Estado (SANTOS, 2011).
O conflito armado da oposição entre si e entre o Estado levou a um aumento significativo da violência no país. Prédios e aviões caíram com as bombas dos narcotraficantes. O assassinato de quatro candidatos à presidência durante o embate de Pablo Escobar, líder do Cartel de Medellín, com o Estado evidência o envolvimento da atividade ilegal com a política (VALENCIA, 2005). Portanto, o presente trabalho possui como objetivo entender como a postura do governo colombiano frente ao narcotráfico contribuiu para que o negócio atingisse seu ápice na década de 1980.
- A POSTURA DO GOVERNO COLOMBIANO FRENTE AO NARCOTRÁFICO NA DÉCADA DE 1980
O caso do “guichê sinistro”, instituição criada durante o governo de Alfonso López Michelsen (1974-1978), ilustra a postura do governo colombiano frente ao narcotráfico. Essa instituição do governo permitia a troca de dólares obtidos no exterior e, como exigia poucas informações referentes à procedência das moedas, era usada para lavagem de dinheiro pelo próprio Estado (STEINER, 1997). Da mesma forma, em muitos casos, principalmente no início do desenvolvimento da atividade ilegal no país, o Estado colombiano se mostrou conivente, aceitando uma convivência, mesmo que indireta, com os traficantes (DUNCAN, 2013).
A economia do tráfico envolvia uma série de atividades legais, gerando empregos e renda. Sendo assim, o Estado, ao intermediar as relações entre capital e trabalho, viu-se frente a uma necessidade de diálogo com os narcotraficantes. Com o tempo essas interações foram se tornando cada vez mais diretas e, até certo ponto, o grosso do corpo político não apresentava grandes resistências. Pablo Escobar, líder do Cartel Medellín, chegou a ser eleito deputado suplente na Câmara dos Deputados, o que lhe garantiu imunidade parlamentar (DUNCAN, 2013).
O ápice do entrelaçamento entre o tráfico de drogas e a política tradicional aconteceu na década de 1980, principalmente durante o governo de Belisario Betancur (1982-1986), quando, numa tentativa de diálogo pacífico, grupos guerrilheiros, muitos dos quais se utilizavam do negócio para sustentar suas atividades, foram oficialmente reconhecidos como atores políticos. O país, de início, viu o narcotráfico como algo passageiro, e foi justamente essa postura de inobservância estatal um dos fatores que mais contribuiu para que a atividade ilícita atingisse tamanhas proporções (SANTOS, 2011).
- FORTALECIMENTO DO NARCOTRÁFICO NO PAÍS
Devido à postura conivente do governo, o narcotráfico adquiriu, então, legitimidade para fazer suas reivindicações políticas. Estabeleceu-se, assim, um novo jogo político, no qual era difícil obter resultados significativos sem os recursos da atividade ilegal. Os traficantes financiavam campanhas, ameaçavam a oposição e, por vezes, eles próprios discursavam. Em um cenário político que era dominado pela elite, por conservadores e liberais, o narcotráfico surgiu como defensor das classes populares e, agora que tinha seu espaço de fala, foi capaz de, hábil e rapidamente, conquistar uma quantidade substancial de apoiadores. Chegou a ser celebrado, promovendo eventos como partidas de futebol e concursos de beleza (DUNCAN, 2013; SANTOS, 2011).
Pablo Escobar construiu quadras de futebol, hospitais, mercados e, inclusive, um bairro inteiro em uma região desfavorecida de Medellín. Com discursos baseados em populismo, revanchismo social e em afrontas diretas ao Estado, o líder do Cartel de Medellín havia se tornado uma figura pública, inicialmente, célebre. Os admiradores que conquistou lhe foram muito úteis quando, em abril de 1984, perdeu sua imunidade e declarou guerra ao Estado colombiano, fornecendo-lhe informações e abrigo quando requisitados. A economia da droga havia expandido sua influência para os mais diversos espectros da vida colombiana, das grandes empresas privadas à cúpula política do país, o que tornou o poder do narcotráfico muito mais complexo e difícil de combater (DUNCAN, 2013).
As negociações com os grupos guerrilheiros seguiram acontecendo durante o mandato do presidente Virgilio Barco (1986-1990), mas somente com os grupos menores, visto que os maiores não concordaram em abandonar as armas. A guerra contra o narcotráfico atingiu níveis de violência particularmente altos nesse período. Os traficantes explodiram uma quantidade assustadora de bombas, candidatos à presidência foram assassinados e muitos civis perderam suas vidas no fogo cruzado. A situação chegou a tal ponto que, em 1991, o Estado retomou as negociações de paz com os senhores da droga, o que resultou na redação de uma nova constituição (DUNCAN, 2013; SANTOS, 2011).
- CONCLUSÃO
Assim, o narcotráfico, visto, inicialmente, como algo eventual, mostrou-se extremamente duradouro e persistente. Cresceu de forma relativamente resguardada durante os anos 70 e, já na década de 80, viu-se capaz de desafiar o próprio Estado. O tráfico de drogas se tornou o negócio mais lucrativo da Colômbia, chamando a atenção de ambas as esferas, pública e privada. Os novos ricos que surgiram no país souberam tirar proveito da situação, conquistando a elite com suas riquezas exorbitantes e as classes desfavorecidas com seus discursos populistas. O conflito armado que se deu no país tinha várias frentes, mas, dos grupos guerrilheiros e paramilitares aos cartéis de drogas, eram todas circunscritas pela atividade ilegal. Tamanho poder, nas proporções que se deu, não teria sido possível sem uma participação na política tradicional, que garantiu aos senhores da droga uma capacidade de manobra ímpar (DUNCAN, 2013; SANTOS, 2011).
Principalmente após a caçada a Pablo Escobar, os traficantes de droga perceberam que a ostentação e a guerra eram prejudiciais aos negócios. Tal percepção serviu de base para a nova geração de narcotraficantes, os “invisíveis”, que conduzem suas atividades da maneira mais discreta possível. São especialistas em passar despercebidos e recorrem mais ao dinheiro e à corrupção do que à violência. O narcotráfico segue infiltrado na alta sociedade colombiana, gerando grandes lucros e altos índices de violência nas regiões mais pobres do país, mas, agora, o novo e principal mercado consumidor é a Europa. A herança do narcotráfico colombiano foi a indústria global de drogas, que, atualmente, vende suas mercadorias nos quatro cantos do mundo e vale noventa bilhões de dólares por ano (MCDERMOTT, 2018).
- REFERÊNCIAS
SANTOS, Marcelo. O Conflito Colombiano e o Plano Colômbia. Boa Vista: Editora da UFRR, 2011.
DUNCAN, Gustavo. Una lectura política de Pablo Escobar. Co-herencia, v. 10, n. 19, p. 235-262, 28 nov. 2013.
STEINER, Roberto et al. Los dólares del narcotráfico. Fedesarrollo, 1997.
VALENCIA, León. Drogas, conflito e os EUA: a Colômbia no início do século. Estudos Avançados [online]. 2005, v. 19, n. 55 [Acessado 30 Maio 2021] , pp. 129-151. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0103-40142005000300010>. Epub 10 Jun 2008. ISSN 1806-9592. https://doi.org/10.1590/S0103-40142005000300010.
CUNHA, João. Colômbia. General é condenado a 30 anos de prisão por assassinato de candidato à presidência. Instituto Humanitas Unisinos – IHU, São Leopoldo, 26 de dezembro de 2016. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/562989-colombia-general-e-condenado-a-30-anos-de-prisao-por-assassinato-de-candidato-a-presidencia#>. Acesso em: 30 de maio de 2021.
ALIAS JJ, A Celebridade do Mal. Diretor: Ricardo Pinzón. Produtor: Alessandro Brandestini. Netflix. 22 de setembro de 2017. 53 min. Disponível em: <https://www.netflix.com/watch/80203742?trackId=14170032&tctx=1%2C33%2C2b856fa4-8645-417d-9608-7ff3206a1208-6281648%2C5b03f70c-9b7b-4261-874b-4c3dd3f658ff_56258040X6XX1622417579562%2C5b03f70c-9b7b-4261-874b-4c3dd3f658ff_ROOT%2C>. Acesso em: 25 de maio de 2021.
NARCOS na Vida Real. Diretor/Produtor: Tom Pearson. Netflix. 14 de dezembro de 2018. 43 min. Disponível em: <https://www.netflix.com/watch/80992883?trackId=14170045&tctx=1%2C32%2C2b856fa4-8645-417d-9608-7ff3206a1208-6281648%2C5b03f70c-9b7b-4261-874b-4c3dd3f658ff_56258040X6XX1622417579562%2C%2C>. Acesso em: 24 de maio de 2021.
MIRANDA, Boris. Os traficantes ‘invisíveis’ que controlam o comércio de drogas na Colômbia – e não se parecem em nada com Pablo Escobar. BBC Brasil, Colômbia, 21 de abril de 2018. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-43845166>. Acesso em: 21 de maio de 2021.
MCDERMOTT, Jeremy. Los “Invisibles”: la nueva generación del narcotráfico colombiano Post-FARC. 2018.