A Crise Humanitária Na Etiópia Perpetrada Pelo Conflito No Tigray
04/07/2022
Por Letícia Pereira Silva
- CONTEXTO HISTÓRICO
A Etiópia faz parte da região chamada Chifre da África, fazendo fronteira com Djibouti e Eritreia ao norte, e com o Quênia ao Sul, trata se da segunda nação mais populosa do continente africano e a oitava maior economia da África. Em sua capital, Adis Abeba, abriga a sede da União Africana (UA) e da Comissão Econômica das Nações Unidas para a África (UNECA). O país, que é um dos mais antigos do mundo, é parte constituinte do antigo império de Axum, que chegou a ser uma das maiores potências marítimas e comerciais de sua época. Ademais, foi um dos primeiros lugares a adotar o cristianismo como religião oficial ainda no século IV, tendo ainda 70% da população atual como cristã (ROSÁRIO, 2021).
O país independente mais antigo da África teve uma breve ocupação pela Itália durante o governo de Benito Mussolini, no entanto, a anexação terminou em 1941 com o retorno ao trono do imperador Haile Selassie. Nesse contexto, em 1974 a monarquia foi deposta por um regime ditatorial marxista linha dura, o qual foi responsável por inúmeros abusos de direitos humanos e por uma crise que aniquilou mais de um milhão de vidas. Entretanto, a partir dos anos 90, a Etiópia vinha se estabilizando, apesar de insistentes denúncias de abusos e repressão por parte dos governos. (ROSÁRIO,2021)
- ATORES IMPORTANTES
2.1 Frente de libertação popular do Tigray
A frente do Tigray nasceu na região do Tigray, uma área no Norte da Etiópia que abriga a minoria étnica de mesmo nome, que fala sua própria língua e tem cerca de sete milhões de habitantes. O grupo, que comandou a Etiópia por 27 anos entre 1991 e 2018, vinha tendo, historicamente, grande influência na política nacional, no entanto, acabou se desgastado por levantes populares de outros grupos étnicos e acabou deixando o poder (BYARUHANGA; NAGISH, 2021).
2.2 Abiy Ahmed
Abiy Ahmed se tornou um premiê em 2019, prometendo unir um país dividido, causa de extrema relevância, visto que a Etiópia possui dezenas de grupos étnicos com vários idiomas. O primeiro-ministro, por exemplo, é o primeiro líder recente da etnia Oromo a comandar o país, ele descende de um pai muçulmano Oromo e uma mãe cristã amhara. Aby é uma figura extremamente importante uma vez que implementou reformas para modernizar a Etiópia e selou o fim de um conflito antigo com a vizinha Eritreia, devido a esse processo de pacificação ganhou o prêmio Nobel da paz em 2019 (BYARUHANGA; NAGISH, 2021).
- CONFLITO
No que tange ao conflito, esse foi propiciado devido ao aumento das tensões e das divisões internas, nesse âmbito a frente do Tigray, colocada em segundo plano no cenário político nacional e com menos recursos, aumentou as demandas pela autonomia da região com reservas de petróleo e xisto. Esses fatores possibilitaram que em novembro de 2020, as disputas entre os dois lados virassem um conflito armado (SOUZA, 2021).
O conflito teve como estopim o ataque de Tigray a uma base militar, nesse contexto Abiy Ahmed, lançou uma operação militar contra a Frente de Libertação do Povo Tigray (TPFL) como resultado a esse ataque. Devido a isso, no final de junho de 2020, o governo do país anunciou um cessar-fogo unilateral, mas forças etíopes da etnia Amhara, que lutou como aliada do governo central, permaneceu, pensando também em recuperar áreas sobre as quais reivindicam direitos históricos. Desse modo, o conflito se disseminou pelas regiões vizinhas de Amhara e Afar. Para além disso, os rebeldes do Tigray receberam a adesão de integrantes de outros grupos étnicos e o equilíbrio de forças começou a mudar com o passar do tempo (SOUZA, 2021).
Assim, o grupo avançou de forma rápida, ocupando cidades e rotas importantes do país, se aproximando cada vez mais da capital Adis Abeba a qual poderia virar um campo de batalha. Diante da ameaça, o primeiro-ministro endureceu seu discurso, chegando a pedir que a população pegasse armas contra os rebeldes se distanciando cada vez mais de seu perfil pacificador. Nesse cenário, a Organização das Nações Unidas (ONU) acusou os dois lados de graves violações dos direitos humanos desde estupros e tortura até massacres indiscriminados. (SOUZA, 2021)
- A crise humanitária
Na Etiópia, milhões de pessoas foram forçadas a deixar suas casas enquanto fugiam da violência intercomunitária. Sob esse aspecto, essa situação continuou a piorar na parte norte da Etiópia, à medida que o conflito com a TPLF continuava a agravar a insegurança alimentar, gerar deslocamentos, mitigando os meios de subsistência, bem como a presença de surtos de doenças devido à falta de água, saneamento e higiene nas comunidades deslocadas. Desse modo, os combates em curso afetaram significativamente as atividades humanitárias (ESTEY, 2022).
Nessa perspectiva, parceiros humanitários estimavam que 100 caminhões de comida, itens não alimentares e gasolina precisavam chegar no Tigray todos os dias para manter uma resposta adequada. O OCHA ressaltou, também, que em adição à comida era necessário, todas as semanas, o mínimo de 200 mil litros de gasolina, no entanto, desde julho, apenas 282 mil litros chegaram no Tigray e menos de 10% dos caminhões, que deveriam ter chegado a populações afetadas por meses de combate, conseguiram passar. Haja vista que, a única rota de acesso para o Tigray, por meio da região de Afar, utilizando o corredor Semera-Abala, estava inacessível.
Para além do supracitado, a agência da ONU destacou que seria imprescindível cerca de milhões de dólares toda semana para manter as operações humanitárias no Tigray, valor o equivalente a 300 milhões em birre (moeda local). O valor incluía salários de funcionários, compras locais e assistência em dinheiro. Nesse ângulo, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), pelo menos 400 mil pessoas estavam vivendo em condições de falta de alimentos e 100 mil enfrentavam a desnutrição aguda grave durante o ano (NAÇÕES UNIDAS, 2021).
- Bloqueios à ajuda humanitária internacional
Devido o cenário preocupante da crise humanitária no norte da Etiópia, o secretário-geral da ONU, António Guterres, exigiu, em outubro, diante do Conselho de Segurança, que autoridades do país etíope permitissem um livre acesso de ajuda humanitária à região. Tal discurso aconteceu após o governo da Etiópia anunciar, no final de setembro, a expulsão de sete funcionários de alto cargo de agências da organização por motivo de interferência em assuntos internos do país, segundo comunicado do Ministério das Relações Exteriores etíope (NAÇÕES UNIDAS, 2021).
Diante desse cenário a ONU divulgou informações para o secretário-geral António, afirmando que, com a expulsão dos funcionários, a Etiópia estaria violando o direito internacional e correndo o risco de abrir, também, um precedente para que outros países fizessem o mesmo. Sob esse viés, o porta-voz da TPLF, Getachew Reda, publicou um comunicado do Governo de Tigre condenando a expulsão dos funcionários da ONU da Etiópia e a criminalização do trabalho humanitário internacional no país como um ataque à soberania do governo central (NAÇÕES UNIDAS, 2021).
- TRÉGUA HUMANITÁRIA UNILATERAL
O Governo do primeiro-ministro Abiy Ahmed decretou, em março deste ano, uma “trégua humanitária unilateral” para permitir a livre circulação de ajuda humanitária para quem precisa de assistência na região do Tigray. A vista disso, poucas horas depois, os rebeldes da Frente de Libertação do Povo do Trigray (TPLF) concordaram em cessar as hostilidades e pediram ao executivo que apresentasse medidas concretas para facilitar o acesso à região. O anúncio da trégua humanitária chegou pouco depois da visita do novo enviado especial dos Estados Unidos da América para o Corno de África, David Satterfield, à capital etíope Adis Abeba (DW,2022).
Nessa conjuntura, o governo liderado por Abiy Ahmed estava sendo muito pressionado para assegurar que a ajuda humanitária chegasse à região do Tigray que, desde junho de 2020, tinha acesso extremamente precário à alimentação, material médico, serviços bancários e combustíveis como supracitado anteriormente. De acordo com o investigador René Lefort, essa crise que se configura como a pior em décadas, foi a razão que obrigou o governo a ceder, visto que 30% dos 110 milhões de etíopes precisavam de assistência (DW,2022)
- CONCLUSÃO
Diante dos fatos abordados anteriormente, é factível pontuar que o conflito trouxe consequências para a toda a população. Nesse cenário, essas foram fortemente impactantes para toda a população, visto que a fome, traumas psicológicos aliados ao bloqueio à ajuda humanitária gerou um saldo de mortes e deslocamentos forçados na região em conflito. Dessa forma, nota se a imprescindibilidade de esforços diplomáticos como meio para atenuar tal cenário.
REFERÊNCIAS
BYARUHANGA, Catherine; NAGISH, Yemane. 400 mil à beira da fome: guerra na Etiópia atinge ponto crítico após um ano. BBC News. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-59185453. Acesso em: 8 jun. 2022.
ESTEY, Josh. Crise Humanitária da Etiópia: Mais de 9 milhões de pessoas na Etiópia precisam de assistência humanitária devido à seca, enchentes e deslocamento. CARE. Disponível em: https://www.care.org/pt/our-work/disaster-response/emergencies/ethiopia-humanitarian-crisis/#:~:text=Sobre%20a%20crise%20na%20Eti%C3%B3pia&text=Em%20algumas%20%C3%A1reas%2C%20os%20combates,e%20higiene%20nas%20comunidades%20deslocadas. Acesso em: 10 jun. 2022.
DW. Etiópia: Crise alimentar força “trégua” no conflito em Tigray. Disponível em: https://www.dw.com/pt-002/eti%C3%B3pia-crise-alimentar-for%C3%A7a-tr%C3%A9gua-no-conflito-em-tigray/a-61268970. Acesso em: 10 jun.2022.
NAÇÕES UNIDAS. Crise humanitária no norte da Etiópia piora a cada dia, alerta ONU. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/143071-crise-humanitaria-no-norte-da-etiopia-piora-cada-dia-alerta-onu. Acesso em: 10 jun. 2022.
ROSÁRIO, Fernanda. Guerra na Etiópia gera crise econômica e humanitária: Os conflitos no norte do país etíope e os bloqueios à ajuda de organizações internacionais na região faz com que a população seja submetida à fome e às violações de direitos humanos; embaixada no Brasil foi fechada. Alma Preta.
SOUZA, Elderlan. Entenda o conflito na Etiópia, que está à beira da guerra civil. BBC News, 16 nov.2021. 1 vídeo (6 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JINl7mQPck0. Acesso em:8 jun. 2022. Disponível em: https://almapreta.com/sessao/africa-diaspora/guerra-na-etiopia-gera-crise-economica-e-humanitaria. Acesso em: 10 jun. 2022.