O massacre de Putumayo: mais um marco na história dos “falsos positivos” na Colômbia
por Victória Guimarães Leite
- Introdução
Neste texto será apresentada uma investigação sobre os Estados pertencentes à região dos Países Amazônicos desenvolvidos no âmbito do Grupo de Pesquisa das Relações Internacionais do Atlântico Sul (GAS). Esta breve análise tem por temática a operação militar ocorrida em Putumayo, Colômbia, e suas repercussões internacionais, principalmente no que se refere aos Direitos Humanos. Ocorrida em 28 de março, tal operação empreendeu um verdadeiro massacre, que deixou 11 pessoas mortas. Apesar de o Exército colombiano alegar que havia ligação dessas pessoas com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), organizações como a Organização Nacional dos Povos Indígenas da Amazônia Colombiana (OPIAC) denunciam que os assassinatos foram “falsos positivos”.
As operações de “falsos positivos” se referem aos diversos casos em que o Exército colombiano registrou civis assassinados como se fossem guerrilheiros, numa tentativa de mascarar reiteradas infrações de Direitos Humanos e de inflacionar as estatísticas em favor das Forças Armadas. As operações de “falsos positivos”, popularizadas no governo de Álvaro Uribe, vitimaram pelo menos 6.402 civis, conforme aponta o The Guardian (PALAU, 2020). A operação militar em Putumayo, por sua vez, chamou a atenção de diversos grupos de defensores dos Direitos Humanos em razão do assassinato de ao menos quatro civis, dentre os quais uma mulher grávida, um líder indígena e um rapaz de 16 anos. As investigações desses grupos apontam relações da operação em Putumayo com os casos dos “falsos positivos” (ABUCHAIBE, 2022).
- O Massacre
Putumayo é um departamento da Colômbia, localizado na região sudoeste do país e que faz fronteira com Peru e Equador. De acordo com Abuchaibe (2022), a localidade é estratégica para a movimentação de drogas, armas, grupos dissidentes das FARCs e outros grupos armados. O massacre em questão ocorreu na aldeia de Alto Remanso (El Remanso na Figura 1), localizado no município de Puerto Leguízamo, em Putumayo. A aldeia é composta por algumas casas de madeira, uma sala de aula de escola primária, um campo de futebol de cimento e um bordel, de acordo com Abuchaibe (2022).
Figura 1 – El Remanso em Putumayo, Colômbia
Fonte: ALSEMA, 2022.
A operação militar ocorreu durante o terceiro dia de um bazar organizado pela comunidade com o objetivo de arrecadar fundos para a aldeia Alto Remanso. Durante o evento, além do bazar, havia música, comida e bebida, briga de galos, festas em algumas casas da aldeia e um campeonato de futebol para as crianças (OQUEDO, 2022).
A operação Militar, realizada em uma segunda-feira, 28 de março de 2022, começou às 07 horas da manhã e matou 11 pessoas. De acordo com declaração das Forças Armadas da Colômbia, a operação tinha o objetivo de capturar um suposto membro dissidente das FARC, cujo codinome seria “Bruno”. O presidente da Colômbia, Iván Duque, declarou, no dia seguinte, que a operação havia sido realizada com o trabalho de inteligência e identificação prévia e que todos os mortos tinham ligações com grupos armados. Todavia, ao menos 4 das vítimas eram civis e o exército sabia que “Bruno” não estava mais em Alto Remanso quando ocorreu a operação (ABUCHAIBE, 2022).
De acordo com Juan Pappier, investigador da Human Rights Watch, que está trabalhando no caso, ao menos quatro das pessoas eram civis e as declarações do Ministério da Defesa estão eivadas de erros e inconsistências (DANIELS, 2022). Entre as vítimas foi identificado Pama, um menor de idade de 16 anos; Pablo Panduro Coquinche, líder do povo nativo Cabildo Kichwa; Divier Hernández, presidente do Conselho de Ação Comunitária e sua esposa, Ana María Sarrias, de 24 anos, grávida (GUARNIZO, 2022). No mesmo período em que as repercussões do massacre de Putumayo se faziam presentes na Colômbia, nos primeiros dias de abril, o presidente colombiano Iván Duque dirigiu-se ao Conselho de Segurança das Nações Unidas afirmando que “a Colômbia é um país que abraça os princípios substantivos da paz” (DANIELS, 2022).
Algumas iniciativas em face da operação em Putumayo merecem destaque. No dia 29 de março de 2022, a Organização Nacional dos Povos Indígenas da Amazônia Colombiana (OPIAC) denunciou o caso e solicitou ao Exército Nacional da Colômbia que cessasse os assassinatos da população civil do município alvo da operação em Putumayo, especialmente contra os indígenas e suas autoridades; também requisitou que o Ministério da Defesa retirasse suas declarações e esclarecesse que os vitimados pela operação eram civis, não guerrilheiros; além disso, solicitou que o Ministério Público colombiano investigasse os fatos que realmente ocorreram; destaca-se também que a OPIAC demandou aos Órgãos e Organizações Internacionais que defendem os Direitos Humanos incluíssem os acontecimentos da operação Putumayo nos relatórios de Direitos Humanos na Colômbia (OPIAC, 2022).
Cabe aqui destacar também a Rede de Direitos Humanos do Campesinato de Putumayo, Piemonte, Cofanía e Jardines de Sucumbíos denunciou o caso, afirmando se tratar de um massacre, um crime de Estado, “falso positivo”. A Rede também denunciou que haviam corpos desaparecidos e deslocamentos forçados. Tal organização apresentou uma importante síntese do estado em que se encontrava a localidade após a operação, que destacava corpos desaparecidos, deslocamentos forçados, crianças órfãs, uma comunidade inteira desprotegida, assustada e sozinha evitando a estrada em meio ao que se segue diante da força que existe nas denúncias que estão sendo feitas (RED, 2022).
Ademais, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos realizou uma missão em Putumayo para obter informações do ocorrido (ONU, 2022). Além disso, Juliette De Rivero, representante do Alto Comissariado, fez declarações pedindo julgamento para os responsáveis pela operação, além de clamar às autoridades a proteção de testemunhas e jornalistas. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) também se posicionou pedindo ao Estado para investigar os fatos e evitar a estigmatização das vítimas (ONU… , 2022).
- Falsos Positivos
Os casos “falsos positivos”, ocorridos na Colômbia entre 2002 a 2010, podem ser caracterizados como uma política de extermínio ministrada pelas Forças armadas da Colômbia contra a população mais pobre. As denúncias iniciadas por grupos defensores dos Direitos Humanos afirmam que os assassinatos, apesar de resultarem em aumentos estatísticos das mortes de guerrilheiros na guerra contra as FARCs, em verdade vitimaram mais de seis mil civis – alguns estudos apontam cerca de 10 mil corpos (DANIELS, 2018) – sem qualquer relação com as guerrilhas. O número de mortes de guerrilheiros inflacionado garantiu a oficiais e soldados inúmeros benefícios, como férias remuneradas e promoções (KRAUL, 2014).
Além do aumento súbito – e artificial – no número de mortes de guerrilheiros, outro aspecto que chamou atenção do sargento Carlos Mora – denunciante que posteriormente levou o caso ao alto comando em Bogotá – foi o estranho posicionamento dos corpos assassinados nos “campos de batalha” e o fato de que parte das armas encontradas com os supostos guerrilheiros já haviam sido encontradas e registradas pelas Forças Armadas. Inúmeras organizações defensoras dos direitos humanos denunciaram os assassinatos contra a população local, inclusive a Human Rights Watch (HRW), que classificou o caso como “um dos piores episódios de atrocidade em massa no hemisfério” (BRODZINSKY, 2015).
As coincidências entre os “falsos positivos” e a operação militar em Putumayo são evidentes. Há denúncias de que as Forças Armadas moveram os corpos assassinados antes que os primeiros socorros chegassem ao local (GUARNIZO, 2022). Além disso, os assassinatos foram, a priori, anunciados pelo presidente da Colômbia como uma operação militar de sucesso que abateu guerrilheiros das FARCs (WHAT…, 2022). Todavia, já existem várias denúncias de grupos de defesa dos Direitos Humanos, como a OPIAC – anteriormente mencionada – e a HRW, que está investigando o caso (DANIELS, 2022).
- Considerações Finais
As investigações acerca do ocorrido ainda estão em curso. Apesar de as Forças Armadas e o próprio presidente colombiano alegarem que tudo ocorreu conforme o planejado, é evidente os abusos de autoridade e as violações de Direitos Humanos, o que possibilita o enquadramento desse ataque como uma das operações de “falsos positivos”, em razão do assassinato de civis contabilizados falsamente como guerrilheiros.
Os “falsos positivos” historicamente maculam o governo e as Forças Armadas da Colômbia, clamando a atenção das organizações defensoras dos Direitos Humanos que atuam na região. Por essa razão, as repercussões do massacre de Putumayo devem ser acompanhadas, midiática e academicamente pela sociedade civil global, e destacadamente pelos internacionalistas atentos ao Sul Global.
- Referências
ABUCHAIBE, Rafael . Qué pasó en la “masacre” de Putumayo, el operativo militar que revive el fantasma de los falsos positivos en Colombia. BBC News, abr. 2022. Disponível em: <https://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-61089697>. Acesso em: 7 de jul. 2022.
ALSEMA, Adriaan. Colombia Claims Alleged Military Massacre Was “Legitimate Operation”. Colombia Reports, abr. 2022. Disponível em <https://colombiareports.com/colombia-claims-alleged-military-massacre-was-legitimate-operation/>. Acesso em: 07 de jul. 2022.
BRODZINSKY, Sibila. Colombia acts on massacres – punishing whistleblower and promoting officers. The Guardian, jun. 2015. Disponível em: <https://www.theguardian.com/world/2015/jun/24/colombian-army-killed-thousands-civilians-human-rights-watch>. Acesso em: 15 jul. 2022.
DANIELS, Joe Parkin. Colombia Urged to Investigate Botched Army Raid That Left Four Civilians Dead. The Guardian, abr. de 2022. Disponível em: <https://www.theguardian.com/global-development/2022/apr/13/colombia-army-raid-putumayo-investigation>. Acesso em: 10 jul. 2022.
DANIELS, Joe Parkin. Colombian army killed thousands more civilians than reported, study claims. The Guardian, maio 2018. Disponível em: <https://www.theguardian.com/world/2018/may/08/colombia-false-positives-scandal-casualties-higher-thought-study>. Acesso em: 07 de jul. 2022.
GUARNIZO, José. El operativo del Ejército manchado con sangre de civiles. Vorágine, abr. 2022. Disponível em: <https://voragine.co/el-operativo-del-ejercito-manchado-con-sangre-de-civiles/>. Acesso em: Acesso em: 10 jul. 2022.
KRAUL, Chris. In Colombia, 6 sentenced in ‘false positives’ death scheme. Los Angeles Times, jun. de 2014. Disponível em: <https://www.latimes.com/world/la-xpm-2012-jun-14-la-fg-colombia-false-positives-20120614-story.html >. Acesso em: 10 jul. 2022.
ONU Derechos Humanos Colombia. Ante los hechos del 28 de marzo en Alto Remanso, Puerto Leguízamo, #Putumayo, en los que murieron 11 personas expresamos solidaridad con los familiares de las víctimas. #Hilo 1/9. 13 abr. 2022. Twitter: @ONUHumanRights. Disponível em: <https://twitter.com/ONUHumanRights/status/1514275544812163084>. Acesso em: 10 jul. 2022.
ONU pede julgamento de responsáveis por ação militar na Colômbia. Portal G1, abr. 2022. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/04/13/onu-pede-julgamento-de-responsaveis-por-acao-militar-na-colombia.ghtml>. Acesso em: 07 de jul. 2022.
OPIAC, Organização Nacional dos Povos Indígenas da Amazônia Colombiana. Denuncia y solicitud de acción urgente por los homicidios que tuvieron lugar en el municipio de Puerto Leguízamo (Putumayo). OPIAC, mar. 2022. Disponível em: <https://opiac.org.co/noticias/paz-y-pueblos-indigenas/316-denuncia-y-solicitud-de-accion-urgente-de-la-opiac-por-los-homicidios-que-tuvieron-lugar-en-el-municipio-de-puerto-leguizamo-putumayo>. Acesso em: 09 de jul. 2022.
OQUENDO, Catalina. La masacre del Putumayo: el fallido operativo del Ejército colombiano que dejó civiles muertos. El País, abr. de 2022. Disponível em: <https://elpais.com/internacional/2022-04-10/el-fallido-operativo-del-gobierno-colombiano-que-dejo-varios-civiles-muertos.html>. Acesso em: 09 de jul. 2022.
PALAU, Mariana. The “False Positives” Scandal That Felled Colombia’s Military Hero. The Guardian, nov. de 2020. Disponível em: <https://www.theguardian.com/world/2020/nov/19/colombia-false-positives-killings-general-mario-montoya-trial>. Acesso em: 10 jul. 2022.
RED DE DERECHOS HUMANOS DEL CAMPESINADO DEL PUTUMAYO, PIAMONTE CAUCA, COFANÍA JARDINES DE SUCUMBÍOS IPIALES-NARIÑO. Comunicado Publico, mar. De 2022. Clr. 3232474822-3144399917-3204188261. Disponível em: <https://rebelion.org/wp-content/uploads/2022/04/colombia_pronunciamiento1.pdf>. Acesso em: 07 de jul. 2022.
WHAT we know about the March 28, 2022 military raid in Putumayo, Colombia. Colombia Peace, abr. 2022. Disponível em: <https://colombiapeace.org/what-we-know-about-the-march-28-2022-military-raid-in-putumayo-colombia/>. Acesso em: 07 de jul. 2022.