Texto Conjuntural Países Amazônicos #2: Povos indígenas na política peruana: uma história de exclusão e resistência

Foto: Getty Images.

Povos indígenas na política peruana: uma história de exclusão e resistência

Por Maísa Nogueira

INTRODUÇÃO

A participação política dos povos indígenas no Peru vem aumentando nos últimos anos, mas isso só foi possível graças a uma série de avanços proporcionados por lutas e movimentos sociais. A inserção desses povos no âmbito político é de extrema importância, visto que eles representam uma grande parcela da população do país. Mais especificamente, os povos indígenas representam cerca de 26% da população do país, com cerca de 6 milhões de pessoas, que se identificam quéchuas, aimarás, ou outro povo indígena amazônico (ERM, 2022).

Nesse sentido, para entender melhor a questão da participação política indígena no Peru e como essa participação se dá nos dias atuais, é necessário, primeiramente, compreender um pouco da história peruana, no que diz respeito aos povos indígenas do país. A colonização do Peru ocorreu através do sistema de castas, em que a população era dividida de acordo com sua origem étnica. Tal sistema fez com que as dinâmicas políticas do país ficassem marcadas pelo racismo, gerando assim uma exclusão social e, consequentemente, do âmbito político. Dessa forma, movimentos indígenas fortes e organizações indígenas não existiam até pouco tempo atrás (ESPINOZA; JÁNOS; MAC KAY, 2021).

Já no século XIX, os indígenas finalmente adquiriram o direito ao voto, porém eles só eram elegíveis para cargos locais, e tinham pouca ou quase nenhuma representação em cargos nacionais (LOSADA, 2016 apud ESPINOZA; JÁNOS; MAC KAY, 2021). Além disso, em 1896 o governo promulgou uma lei que restringia o direito ao voto às pessoas alfabetizadas, devido a uma pressão da elite que não queria que setores populares e indígenas conseguissem se envolver na política, essa ação fez com que a representação dos indígenas diminuísse ainda mais (LOSADA, 2016 apud ESPINOZA; JÁNOS; MAC KAY, 2021). Os povos originários, no entanto, não se conformaram com a decisão. Devido a explorações que aconteciam em suas terras, surgiram movimentos sociais que reivindicavam seus direitos, todavia, eles eram sufocados pelo governo. Mesmo assim, os movimentos sociais  persistiram e em 1980, o sufrágio universal foi alcançado (JIMÉNEZ, 2016 apud ESPINOZA; JÁNOS; MAC KAY, 2021).

Nos anos 90, o Peru viveu sob o regime de Fujimori, que reprimia organizações sociais, incluindo as indígenas. Contudo, após o fim do regime, a situação no país começou a mudar, isso porque os governos seguintes, ao enfrentar a situação delicada que a economia se encontrava após o governo Fujimori, começaram a enxergar a participação e organização como formas de promoção do desenvolvimento regional, assim, alguns projetos, mesmo que não consolidados, começaram a ser pensados, como o a Comissão Nacional de Povos Andinos, Amazônicos e Afroperuanos ( ESPINOZA; JÁNOS; MAC KAY, 2021).

Todavia, em 2008, a situação regrediu novamente, quando um pacote de decretos legislativos fez com que o direito dos povos indígenas fosse restringido, assim, eles não poderiam mais participar de decisões do que seria feito com suas próprias terras (ESPINOZA; JÁNOS; MAC KAY, 2021). Tal pacote gerou um grande conflito que acabou resultando em dezenas de mortes e, somente em 2011 foi aprovada a lei de Direito a Consulta Prévia dos Povos Indígenas, que garante o direito dos povos indígenas e tribais de serem consultados antes que medidas legislativas ou administrativas que os afetem sejam executadas (CPISP, 2012), o que representou um grande avanço da participação indígena em processos decisórios.

Atualmente, existe uma cota de representação política indígena, implementada em 2002, que  estabelece que pelo menos 15% dos candidatos em disputas eleitorais devem ser indígenas, contudo, essa cota não garante que esses povos realmente serão eleitos e poderão assim, participar efetivamente da política (ESPINOSA, 2022). No caso de eleições nacionais, a participação desses povos é ainda mais complicada. A primeira vez que um líder indígena concorreu à presidência foi em 2016, o candidato em questão é Miguel Hilario, um líder indígena amazônico.

REIVINDICAÇÕES INDÍGENAS ATUAIS

É possível perceber que o que não faltou na história do Peru, foi o interesse desses povos de ingressar nos meios de decisão do país. Dessa forma, os povos originários buscam a criação de um partido político indígena, mais especificamente, o líder indígena Alberto Pizango, mostrou interesse não se de criar um partido indígena como de se candidatar às eleições de 2011. Contudo, leis conservadoras e o preconceito contra esses povos acaba impedindo que isso ocorra. Um exemplo é a fala do ex-ministro do interior do Peru que, contestando o desejo de Pizango, afirmou:  “Não tem qualquer chance de chegar à Presidência (…) Isto é parte do efeito Evo, pelo qual líderes que promovem a desordem e recorrem a uma série de atos violentos julgam que isso pode levá-los ao poder” (BBC, 2010, s.p.). Dessa forma, percebe-se que a discriminação é um fator que impede que os povos originários participem da política. Isso pode ser explicado pela persistência de um pensamento, vindo da colonização, que enxerga os indígenas como “selvagens” que devem ficar fora da política (PICQ, 2013).

Assim, é possível compreender, que por muitos anos os indígenas foram impedidos de se envolver na política do Peru e que muitos de seus avanços nessa questão, em sua maioria alcançados por movimentos e organizações sociais, foram sufocados pelo próprio governo, mas felizmente, esses movimentos tem ganhado mais força e vem tentando assim, mudar uma história de exclusão peruana.

Nesse sentido, a atuação de uma comunidade indígena merece destaque. Em 2018, o povo  Wampis da Amazônia Peruana se reuniu para criar seu próprio governo. Isso aconteceu pois, de acordo com líderes da comunidade, o governo peruano não seguia a Constituição que garante a lei de Direito a Consulta Prévia dos Povos Indígenas, mencionada anteriormente, sendo assim, o território desse povo está sendo explorado por empresas petroleiras e florestais sem o consentimento deles. Assim, 300 líderes de 85 comunidades decidiram tomar essa decisão, confrontando o governo. Os wampis afirmam que a declaração formal de seu governo ocorreu após anos de acompanhamento e estudos jurídicos, antropológicos e biológicos (IELA, 2018). Esse exemplo mostra a atuação de um movimento social indígena que lutou para que as comunidades consigam tomar decisões políticas autônomas, visto que o governo peruano vinha infringindo direitos e tomando decisões jurídicas sem a aprovação desses povos.

Ademais, outra atuação importante foi o programa Los Pueblos Decide – Ayllu markachirinakana amtawinakapa, que ocorreu esse ano (2022) e tem como objetivo promover a participação e visibilidade de lideranças indígenas em eleições regionais e municipais. O programa foi lançado pelo Júri Nacional Eleitoral através do Grupo de Trabalho para o Fortalecimento da Participação Política Indígena (GTPPI) e conta com a parcerias como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). A iniciativa visa fornecer ferramentas aos candidatos indígenas e fortalecer o conhecimento para que esses povos possam exercer seus direitos, assim, mais de 150 representantes dos poos indígenas participaram do programa que tratou de estratégias de campanha eleitoral, comunicação política, entre outros (ERM, 2022)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que essas duas autuações promovidas por organizações e movimentos sociais têm em comum é mostrar a importância das mesmas para a inserção política dos povos originários na política. Portanto, é possível concluir que por muito tempo, a política peruana excluiu esses povos dos processos de tomada de decisão do país, até mesmo daquelas que os afetam diretamente, e que muito disso ocorreu devido a uma herança racista que permanece no país, Contudo, os povos indígenas se organizaram para ocupar esses espaços e garantir esse direito, mostrando a importância de fortalecer esses movimentos para que os indígenas possam ocupar cada vez mais espaço dentro da política do Peru.

REFERÊNCIAS

BBC. Índios amazônicos do Peru querem criar partido para eleições de 2011. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2010/08/100812_indios_peru_mv. Acesso em: 28 nov. 2022.

CPISP. Governo peruano publica regulamentação de lei de consulta prévia. Disponível em: https://cpisp.org.br/governo-peruano-publica-regulamentacao-de-lei-de-consulta-previa/ Acesso em: 26 nov. 2022.

ERM. Candidatos y candidatas indígenas reciben herramientas para reforzar su participación política. Disponível em: https://www.undp.org/es/peru/noticias/erm2022-candidatos-y-candidatas-indigenas-reciben-herramientas-para-reforzar-su-participacion-politica. Acesso em: 28 nov. 2022.

ESPINOSA, Oscar. Amazonian Indigenous Participation in Electoral Processes in Peru. The Case of 2011, 2016, and 2021 Presidential Elections. Anuario Latinoamericano Ciencias Políticas y Relaciones Internacionales, Lima, Peru, v. 13, n. 1, p. 45-76, jul./2022. Disponível em: https://journals.umcs.pl/al/article/view/13496/9875. Acesso em: 26 nov. 2022.

IELA. No Peru, Wampis declaram o primeiro governo autônomo indígena. Disponível em: https://iela.ufsc.br/no-peru-wampis-declaram-o-primeiro-governo-autonomo-indigena/. Acesso em: 29 nov. 2022

KAY, A. E. E. J. M. M. Participación política indígena en el Perú: una historia de racismo, exclusión y violencia.  Pie De Página, Lima, Peru, v. 1, n. 6, p. 23-31, nov./2021. Disponível em: https://revistas.ulima.edu.pe/index.php/piedepagina/article/view/5611. Acesso em: 27 nov. 2022.

PICQ, Manuela L. Indigenous Worlding: Kichwa women pluralizing sovereignty. In: Arlene B. Tickner e David L. Blaney (Eds.), Claiming the International. New York: Routledge, 2013, p. 121-140. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/323833219_Visoes_indigenas_desafiando_o_global_mulheres_kichwa_pluralizando_a_soberania. Acesso em: 25 nov. 2022.

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