Foto: REUTERS/Juan Pablo Bayona
As crises venezuelanas e a recente abertura das fronteiras
Por Alice de Magalhães F. Nepomuceno
A Venezuela sofre com uma grande cadeia de crises humanitárias, políticas, econômicas e institucionais que podem ser datadas desde 1989, com o chamado Caracazo, que consistiu em revoltas populares de grande proporção após um pacote de medidas econômicas e o aumento do preço de combustíveis e passagens aprovadas pelo governo de Carlos Andrés Perez. Mesmo nesta época, já se notava grande polarização entre a população e inclusive entre os militares, o que acabou desencadeando duas tentativas frustradas de golpe de Hugo Chávez em 1992, houve grande repressão e ele foi preso neste ano. Porém, em 1993, Perez sofre um impeachment, Chávez é indultado pelo presidente eleito e em 1998 sobe ao poder por meio de eleições (NEXO, 2017).
A partir da eleição de Chávez, existem dois fenômenos importantes para compreender sua era: o Chavismo e o Bolivarianismo. O primeiro consiste no culto a personalidade do Chávez, além do apoio às medidas econômicas estatizantes e centralizadoras do seu governo. O Bolivarianismo corresponde a captura de uma figura forte do imaginário popular, que era Simón Bolívar, líder da luta contra a colonização, para servir como pano de fundo da propagação de seus ideais. Nota-se assim, o caráter populista do presidente, que em 1999, convocou um referendo nacional que aprovou mudanças profundas na Constituição e criou a Assembléia Nacional Única. Assim, em 2000, ele é eleito novamente, com maioria esmagadora no legislativo, o que o permitiu aprovar medidas que tornavam o Estado ainda mais interventor na economia e sobretudo no controle do petróleo, principal produto venezuelano (NEXO, 2017).
Houve grande reação da oposição, até que em 2002, Chávez sofreu um golpe, que foi breve, pois ele foi restituído ao poder três dias depois. Porém, posteriormente, a polarização é ainda mais notória, arraigada de protestos e repressão. Em 2006, após a retirada da oposição das eleições alegando que elas eram fraudulentas, Chávez venceu mais uma eleição e, novamente em 2012, sobe ao poder na sua última eleição. Ele faleceu antes de tomar posse, em 2013, nesse sentido, novas eleições foram convocadas e quem assume é seu vice-presidente, Nicolás Maduro (NEXO, 2017).
Pela primeira vez desde o fortalecimento do chavismo, em 2015, a oposição possui maioria no Legislativo, o que provocou mais pressão sobre o governo, e acarretou na tentativa por parte da oposição de fazer um referendo para retirar Maduro do poder antes do fim de seu mandato. Entretanto, o referendo não foi validado, pois a Justiça Eleitoral interveio alegando fraudes nas assinaturas colhidas pelo pleito. Depois de todas essas crises institucionais, a Venezuela entra em profunda crise econômica, com grandes altas inflacionárias e a forte queda do preço do petróleo (NEXO, 2017).
A queda dos preços do petróleo é algo que causou grande distúrbio na economia venezuelana, é possível dizer que o país sofre da maldição da “matéria-prima”, que configura a dependência nas exportações do ouro negro. Em 2014, foi constatado que o país sul-americano tinha as maiores reservas de petróleo do mundo, e baseou sua economia no comércio do mesmo, pois o commodity correspondia a cerca de 94% das exportações. Além disso, outros setores da economia, como a indústria, não receberam investimentos suficientes, portanto, o país não foi capaz de suprir suas demandas internas, que antes eram atendidas por importações (BBC, 2015). Além disso, no mesmo ano, os Estados Unidos impuseram sanções ao país em retaliação à repressão dos protestos. Assim, devido a todos esses fatores, a Venezuela entrou em uma grave crise de abastecimento e as condições sociais no país se tornaram cada vez mais deterioradas.
Em razão das crises política, institucional e econômica a Venezuela enfrenta uma grave crise migratória, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) o número de refugiados e migrantes do país já chega a 5,4 milhões de pessoas. A grande maioria está vivendo em países da América Latina ou Caribe. Em 2018, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) aprovou uma resolução sobre a migração forçada de pessoas venezuelanas na qual condena as violações dos direitos humanos, a perseguição política e também considera que a crise migratória foi consequência das crises sanitária e alimentar. Ademais, a resolução mostra preocupação com o fechamento das fronteiras do país com a Colômbia em 2015, com o Brasil em 2016 e com Aruba, Curaçao e Bonaire em 2018, pois tal circunstância é um empecilho para o direito das pessoas de transitarem, além de dificultar a entrada de ajuda humanitária no país, que vinha sendo negada nos últimos anos.
Outrossim, a Organização dos Estados Americanos (OEA), aprovou em janeiro de 2019 uma resolução que reconhece como ilegitimo período eleitoral de 2019-2025 de Nicolás Maduro considerando que o processo eleitoral não seguiu os parâmetros democráticos estabelecidos pela organização e também postulou que o regime venezuelano aceite o ingresso de ajuda humanitária. Mais tarde, em março do mesmo ano, a organização aprovou outra resolução de número (2215/19) sobre ajuda humanitária na Venezuela, na qual incentiva os Estados membros, observadores Permanentes e organizações internacionais a continuar apoiando medidas para abordar a crise. Além disso, pede para que as instituições venezuelanas, em especial as forças militares, parem de bloquear o acesso de ajuda internacional e levem em consideração os princípios de imparcialidade, neutralidade e independência operacional da ajuda humanitária.
Considerações Finais
Porém, há novos desdobramentos na situação do país que podem trazer esperança para a questão humanitária venezuelana. Primeiramente, algumas sanções dos Estados Unidos foram relaxadas após acordo governista com a oposição e agora alguns recursos podem ser recuperados pelo país sul-americano (G1, 2022). Para mais, houveram mudanças na situação fronteiriça do país, em fevereiro de 2022, as fronteiras do lado venezuelano com o Brasil foram reabertas, apesar do lado brasileiro já estar aberto desde julho de 2021 (G1, 2022). Ademais, desde setembro de 2022, tem ocorrido negociações entre o presidente de Caracas e Gustavo Petro, presidente colombiano para a reabertura das fronteiras entre os países. Tal abertura foi iniciada de maneira gradativa, abrindo estradas e permitindo alguns voos e passou por diversas rodadas de negociações. Recentemente, apesar do receio inicial, o presidente venezuelano anunciou por meio do canal estatal, a reabertura total das fronteiras em 2023, que agora serão funcionais e facilitarão o trânsito de pessoas e o comércio entre os países (O TEMPO, 2022). Apesar desses novos acontecimentos serem motivo de algum alívio, a situação venezuelana pode ser traçada por um longo, recorrente e complexo histórico de crises que possivelmente não serão resolvidos com medidas de curto prazo. A vasta história de descumprimento dos direitos humanos e valores democráticos não será solucionada por ajuda humanitária que, nesse contexto, é essencial para a garantia dos direitos básicos dos venezuelanos, mas serve como medida paliativa para a cadeia de problemas que o país ainda tem que enfrentar.
REFERÊNCIAS
BBC BRASIL. Venezuela enfrenta o desafio de reduzir a dependência do petróleo. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/lg/noticias/2009/01/090128_venepetroleo_cj. Acesso em: 15 dez. 2022.
CIDH; OEA. Resolução 2/18: Migração Forçada de pessoas venezuelanas . Comissão Interamericana dos Direitos Humanos, Bogotá, Colombia, v. 1, n. 1, p. 1-6, mar./2018.
G1, GLOBO. EUA aliviam sanções contra a Venezuela após acordo entre governo e oposição. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/11/26/eua-alivia-sancoes-contra-a-venezuela-apos-acordo-entre-governo-e-oposicao.ghtml. Acesso em: 15 dez. 2022.
G1, GLOBO. Entenda como a ajuda humanitária oferecida à Venezuela ficou no centro da disputa política no país. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/02/21/entenda-como-a-ajuda-humanitaria-oferecida-a-venezuela-ficou-no-centro-da-disputa-politica-no-pais.ghtml. Acesso em: 15 dez. 2022.
G1, GLOBO. Venezuela reabre fronteira com o Brasil; Itamaraty diz que não foi comunicado. Disponível em: https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2022/02/25/venezuela-reabre-fronteira-com-o-brasil-itamaraty-diz-que-nao-foi-comunicado.ghtml. Acesso em: 15 dez. 2022.
NEXO JORNAL . As origens da crise na Venezuela . Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=I_UYuoZVUO8. Acesso em: 15 dez. 2002.
O TEMPO. Venezuela anuncia reabertura total da fronteira com a Colômbia. Disponível em: https://www.otempo.com.br/canal-o-tempo/mais-recentes/venezuela-anuncia-reabertura-total-da-fronteira-com-a-colombia-1.2782074. Acesso em: 15 dez. 2022.
OEA- MAIS DIREITOS PARA MAIS PESSOAS . O Conselho Permanente da OEA concorda em “não reconhecer a legitimidade do período do regime de Nicolás Maduro. Disponível em: https://www.oas.org/pt/centro_midia/nota_imprensa.asp?sCodigo=P-001/19. Acesso em: 15 dez. 2022.
OEA. CP/RES. 1123 (2215/19): Ajuda Humanitária na Venezuela . CONSELHO PERMANENTE DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, Colombia , v. 1, n. 1, p. 1-3, mar./2019. Disponível em: https://scm.oas.org/doc_public/portuguese/hist_19/cp40578p07.doc. Acesso em: 15 dez. 2002.
UNHCR, ACNUR, AGÊNCIA DA ONU PARA REFUGIADOS. Venezuela. Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/venezuela/. Acesso em: 15 dez. 2022.