Foto: China Daily.
Relação China e Países Amazônicos no Século XXI: Aspectos e Consequências
Por Adrian Henrique Estevam
INTRODUÇÃO
A dinâmica comercial entre a América Latina e a China tem sido um fenômeno positivo para a região ao longo do século XXI, a partir dos anos 2000, em decorrência do que ficou conhecido como “boom das commodities”, período ao qual as exportações de matéria prima sofreram um aumento, com destaque para os metais, tendo o país asiático como um dos principais destinos para as mercadorias. Este período intensificou uma relação que, ao longo do percurso histórico, nunca foi caracterizada como sendo forte e estreita, mas tem sido longa. Roy (2022) expõe que a relação data do século 16, a partir da comercialização de produtos com o México, possibilitada pela rota dos navios espanhóis Galeões de Manila e, mais adiante, a relação ficou marcada por um fluxo migratório para mão de obra em minerações e plantações no Peru e em Cuba.
Isso resultou em ganhos econômicos para os países da região, especialmente a América do Sul e, como aponta Ricupero (2017), a partir de pacotes de estímulos econômicos, a China foi um suporte para a região durante a crise de 2008, o que gerou um menor impacto dela nos países. Dentro deste contexto, foi ampliada as relações comerciais entre China e os países sul-americanos, em decorrência de um desenvolvimento econômico e social chinês, o qual resultou em uma redução da pobreza no país, levando a um aumento do PIB per capita e do mercado interno, maior urbanização, além do desenvolvimento industrial e tecnológico no país (Pautasso, 2011).
APROXIMAÇÃO COMERCIAL
Pela atual dinâmica comercial internacional, caracterizada por uma liberalização impulsionada por instituições financeiras internacionais, os Tratados de Livre Comércio (TLC) são instrumentos que potencializam as trocas comerciais entre os países que os implementam. O Peru é o único país da região amazônica a possuir um TLC com o país asiático, tendo sua implementação começado em 2010 e, junto com o Chile, que aderiu primeiro, no ano de 2006, são os únicos na América do Sul. Tong (2017) afirma que a adesão dos países ao TLC com a China se deu para atrair mais Investimentos Externos Diretos (IED) para além do setor de minérios, estratégia exitosa ao Peru, que duplicou seu intercâmbio comercial com o país asiático entre 2009 e 2015, apesar de as trocas não representarem 1% ainda em 2015, aumentando sua dependência do mercado chinês para suas exportações de 15% para 22% dentro deste período.
Seguindo o fluxo crescente nas trocas comerciais entre os países amazônicos com a China, Ezrati (2022) expõe que os investimentos feitos na região pelos chineses também passou por uma crescente, com foco nos setores energéticos e de petróleo, além de investimentos em infraestrutura, como portos e estradas – possibilitado pelo Banco de Exportação e Importação da China, o qual se tornou uma das principais instituições de financiamento para a América Latina -, tendo o Brasil, Equador e Peru, além de outros países da região, se integrado ao Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB). Os 3 países da América Latina mais agraciados pelos financiamentos chineses, dentro do período de 2005 a 2021, são da região amazônica, sendo eles, respectivamente, Venezuela, com 17 empréstimos totalizados em US$ 62.5 bi, seguido pelo Brasil, o qual recebeu 13 empréstimos no valor total de US$ 30.5 bi e Equador, com 24 empréstimos por US$ 18.2 bi, seguidos por Bolívia, em quinto lugar no ranking latino americano, com 9 empréstimos totalizados em US$ 3.2 bi e, por fim, o Peru, com 1 empréstimo de US$ 50 mi. Os financiamentos tiveram como principais destinos os setores de energia, com 40 empréstimos por US$ 94.6 bi, 50 empréstimos para infraestrutura, por US$ 26.1 bi, 25 para outros setores, por US$ 15.1 bi e mineração, 3 empréstimos por US$ 2.1 bi.
Os investimentos feitos pela China nos países da região são estratégicos, pois viabilizam a concretização dos objetivos econômicos chineses em adquirir matérias primas para suas produções e uma cadeia de suprimentos de produtos agrícolas para seu abastecimento, além de manter um bom fluxo comercial entre os países, tendo em vista que a China é um grande exportador de manufaturas para os países amazônicos. Com isso, tem-se investimentos massivos nos setores de irrigação e de transporte, como em portos do Suriname, na Colômbia e no Brasil, em rodovias que ligam Colômbia e Venezuela, Brasil e Peru, e demais variados investimentos (JAEGER, B. 2017). Através disso, a América Latina passou a fazer parte do projeto chinês “Iniciativa Cinturão e Rota (BRI)”, mais conhecido por “Nova Rota da Seda”, ganhando adesão de países amazônicos, como o Equador – o qual recebeu investimentos chineses para a reconstrução do aeroporto internacional Eloy Alfaro, afetado por um terremoto em 2016, além de um consórcio chinês para a construção de pontes na província de Manabí -, Venezuela, Bolívia e o último país amazônico e latino a aderir ao projeto em 2019, o Peru (LOS países… 2022).
Tal característica dos investimentos feitos pela China na região, além da pauta exportadora pelos países se concentrarem em setores agrários e de minério, há uma primarização da exportação dos países que, como expõem Rosales e Kuwayama (2012), a região da América Latina como um todo foi responsável por mais de 55% das importações chinesas, por mais de 57% das sementes oleaginosas e aproximadamente 95% do azeite de soja, o que mostra a importância deste mercado para os países da região. Porém, apesar do expressivo volume de importações da região latino-americana, o país asiático diversificou sua fonte fornecedora através de diferentes países, incluindo países desenvolvidos, para ampliar seu poder de barganha e não ser tão dependente dos países latinos.
Entretanto, as projeções de crescimento da economia chinesa foram reduzidas para os próximos anos, fenômeno que pode ter um impacto nos países amazônicos, a partir de uma eventual menor demanda do país asiático em importação de produtos advindos desses países, além do projeto político chinês para aumentar sua segurança alimentar a partir de uma maior produção nacional de soja – um dos principais produtos exportados pela região, especialmente pelo Brasil (OSBORN, C. 2022).
IMPLICAÇÕES AMBIENTAIS
Outro ponto de preocupação aos países amazônicos refere-se à consequência de suas constantes, e muitas vezes irresponsáveis, explorações ambientais em seus territórios para extrações de minérios e produção agrícola. Padilla (2012) expõe como o ciclo de expansão de minérios da América do Sul é prejudicial para a preservação ambiental da região, além de afetar a vida de comunidades locais e indígenas, tendo as concessões de terras aos interesses de mineradoras mais que dobrado no Peru no período de 2005 a 2009, passando de 7.3% para 15.4% do território nacional, além de aumentos em concessões na Colômbia, sob o ex-presidente Santos, e no Equador, especialmente na fronteira com o Peru. A partir deste cenário, a distribuição de água tem sido afetada, com menos oferta para a população e agricultores locais, gerando crise hídrica em países como Peru e Bolívia, além de gerar conflito de interesses.
No caso da Colômbia, que chegou a exportar em média 3 milhões de toneladas para a China entre 2010 e 2011, gerando riqueza para as empresas que exploram os recursos, tal riqueza não é repassada à população local, a qual é feita de mão de obra, que vivem municípios mineiros com condições de vida extremamente baixas. Ademais, o uso da água para a extração dos recursos chega a 7 milhões de metros cúbicos somente no município de Cesar anualmente, recurso de grande relevância para a manutenção comunitária, além de os dejetos das extrações não serem manejados corretamente que, estando expostos à luz solar, água e ar, passa por reações químicas que contaminam a água e o solo locais. As contaminações do ar nestas regiões mineiras também se mostram preocupantes, onde a taxa de mortalidade causada por doenças respiratórias aumentou de 20 mortes por 1.000 habitantes em 2002 para 31 mortes a cada 1.000 habitantes em 10 anos, um aumento de 55%. (LLERAS, G; LEAL, M. 2020)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com isso, é perceptível que a China, através do seu desenvolvimento econômico e social, aliados à sua expansão no comércio internacional, como um dos grandes players para importação, exportação e investimentos, foi essencial para o crescimento econômico dos países amazônicos, e da América Latina no geral, se tornando um de seus mais importantes parceiros comerciais ao longo do período conhecido por “boom das commodities”, na primeira década do século XXI. Porém, o estreitamento da relação comercial dos países amazônicos com o país asiático se torna ambíguo por reforçar uma exportação de produtos primários destes países, concentrados em poucas commodities, o que instiga a primarização da cadeia produtiva deles e a dependência para com o mercado chinês, além dos danos ambientais causados pelas extrações e pela má gestão dos recursos locais. Ademais, os investimentos chineses nestes países, através de suas empresas localizadas em territórios amazônicos, em conjunto com obras de infraestrutura, colocam a China em uma posição estratégica, podendo usar de seu poderio para atingir seus próprios interesses, os quais não necessariamente são benéficos aos países amazônicos.
Por fim, com uma redução do crescimento chinês, sua diversificação de parceiros econômicos, e redução de seus investimentos externos, o futuro dos países amazônicos e da América Latina se torna incerto, especialmente dentro de um contexto internacional conturbado, em meio a uma guerra entre grandes fornecedores de insumos importantes para o mundo, em um cenário pós-pandêmico e em meio a um cenário político internacional instável, especialmente na região estudada, com suas recentes trocas de governos, com diferentes perspectivas e projetos para seus países.
REFERÊNCIAS
EZRATI, Milton. China’s Latin America Move. Forbes, 2022. Disponível em: <https://www.forbes.com/sites/miltonezrati/2022/11/07/chinas-latin-america-move/?sh=2213c1bb1d52>. Acesso em: 7 dez. 2022.
JAEGER, Bruna Coelho. Investimentos Chineses em Infraestrutura na América do Sul: impactos sobre a integração regional. Conjuntura Austral, v. 8, n. 39-40, p. 4, 2017. Disponível em: <https://seer.ufrgs.br/index.php/ConjunturaAustral/article/view/65842>. Acesso em: 8 dez. 2022.
LLERAS, Guillermo Rudas; LEAL, Mauricio Cabrera. Colombia y China: el impacto social y ambiental y la inversión extranjera directa. In: RAY, Rebecca et al (ed.). China en América Latina: lecciones para la cooperación Sur-Sur y el desarrollo sostenible. Universidad del Pacífico; Boston University, Lima. 2020. 2 ed. p. 43-88. Disponível em: http://repositorio.up.edu.pe/bitstream/handle/11354/2216/RayRebecca2016.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 9 ago. 2022.
LOS países de América Latina que forman parte de la Nueva Ruta de la Seda de China. BBC News Mundo, 2019. Disponível em: https://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-48071584. Acesso em: 10 dez. 2022.
OSBORN, Catherine. China Communist Party Congress: Slow Growth, Tensions With Washington Echo in Latin America. Foreign Policy. Disponível em: <https://foreignpolicy.com/2022/10/28/china-ccp-congress-xi-jinping-latin-america-economy-security/>. Acesso em: 8 dez. 2022.
PADILLA, Cesar. Mining As a Threat to the Commons: The Case of South America. In: BOLLIER, David; HELFRICH, Silke. The Wealth of the Commons: A World Beyond Market and State. Levellers Press, 2012. Disponível em: https://wealthofthecommons.org/essay/mining-threat-commons-case-south-america. Acesso em 8 nov. 2022.
PAUTASSO, Diego. A Economia Continental Chinesa e Seu Efeito Gravitacional. Revista Sociologia Política, Curitiba, v. 19, 2011. p. 45-56. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rsocp/a/fH9gwpKYmp8tC5sypPXNjHr/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 9 nov. 2022.
ROSALES, Osvaldo; KUWAYAMA, Mikio ; ECLAC, UN. China and Latin America and the Caribbean : Hacia una relación económica y comercial estratégica. Naciones Unidas, CEPAL, 2012. Disponível em: <https://digitallibrary.un.org/record/779388?ln=en>. Acesso em: 9 dez. 2022.
ROY, Diana. China’s Growing Influence in Latin America. Council on Foreign Relations. 2022. Disponível em: <https://www.cfr.org/backgrounder/china-influence-latin-america-argentina-brazil-venezuela-security-energy-bri#:~:text=The%20China%20Development%20Bank%20has,the%20Asian%20Infrastructure%20Investment%20Bank.>. Acesso em: 8 dez. 2022.
TONG, María. El impacto del Tratado de Libre Comercio entre China y Perú en las agro exportaciones no tradicionales: el caso de la uva fresca de mesa. In: PETERS, Enrique. América Latina y el Caribe y China: Economía, comercio e inversión 2017. Unión de Universidades de América Latina y el Caribe, 2017. p. 175-194. Disponível em: https://www.redalc-china.org/v21/images/docs/RedALCChina-2017-economia.pdf. Acesso em 8 dez. 2022.